Por Maurício Stycer
Quatro de dezembro de 1976, 22h. Numa suíte do Hotel Nacional, em São Conrado, no Rio, o pai-de-santo Roberto Barros, mais conhecido como Pai Guarantã, promove uma “reunião espiritual” com a presença de Vicente Matheus, presidente do Corinthians, Davi Ferreira, o Duque, técnico do time, e todos os jogadores escalados para a partida do dia seguinte, pelas semifinais do Campeonato Brasileiro, contra o Fluminense, no Maracanã. Durante o encontro, relata Pai Guarantã, o atacante Geraldão é “tomado” por uma “entidade” e pede uma garrafa de cachaça. O pai-de-santo também “incorpora” um exu e diz a Duque que o Corinthians iria ganhar a partida nos pênaltis.
Ao final da sessão, o médico do Corinthians observa que o atacante da equipe está alcoolizado. “Não se preocupe, doutor. O efeito passará e o Geraldão estará bom para o jogo de domingo”. Em seguida, o pai-de-santo vai à praia, onde acende, com a ajuda de assistentes, seis mil velas. O jogo, como se sabe, terminou 1 a 1 e foi vencido pelo Corinthians nos pênaltis. Uma semana depois, a despeito do esforço de Pai Guarantã, a equipe paulista perdeu a final do Brasileiro para o Internacional. O “trabalho” em favor do Corinthians é um dos muitos que Pai Guarantã, hoje com 81 anos, descreve em “Magias do Futebol” (Ícone editora, 152 págs. R$ 24), livro recém-lançado. Segundo contou, decidiu fixar seus feitos porque se deu conta que “muita gente não sabia do ocorrido”.
“Se macumba ganhasse jogo…”
A presença de pais-de-santo no ambiente do futebol sempre alimentou especulações e fofocas. O seu efeito real é contestado numa frase famosa, atribuída a Neném Prancha, mas na realidade de autoria do jornalista e técnico João Saldanha (1917-1990): “Se macumba ganhasse jogo, o Campeonato Baiano terminava empatado”. Pai Guarantã sorri ao ouvir a frase de Saldanha. Em seu livro, o pai-de-santo relata, sem reservas, situações em que atuou por times sem conseguir bons resultados. Foi o caso, por exemplo, da final da Libertadores de 1974, entre São Paulo e Independiente, vencida pelos argentinos numa melhor de três.
No último jogo, em Santiago (Chile), o jogo estava 1 a 0 para o Independiente quando o São Paulo teve um pênalti a seu favor. Poy mandou Zé Carlos bater. “Senti que ele não estava bem espiritualmente”, escreve Pai Guarantã. “E gritei para o Poy deixar o Forlan bater, mas acho que ele não me ouviu e o inevitável aconteceu”. O jogo terminou 2 a 0 para os argentinos.
Como provar se esta e outras histórias contadas pelo pai-de-santo são verdadeiras? É muito difícil. Não há registros da maioria. Pai Guarantã desafia os protagonistas a desmenti-lo. “Todo mundo sabe o que fiz. Todos os jogadores sabem”, diz, por exemplo, sobre o elenco do Guarani, campeão do Brasileiro de 1978. O pai-de-santo acompanhou a equipe de Zenon, Careca & Cia por quase todo o campeonato. Fez sempre, assegura, apenas trabalhos “positivos”, de apoio, e nunca de “magia negra”, contra os adversários. “Formava uma auto-defesa. Eu positivava o time. É um segredo meu”, diz.