Promotora que desmente porteiro também arquivou caso Amarildo

Da Rede Brasil Atual

A promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, que integra a equipe do Ministério Público do Rio de Janeiro responsável por investigar o assassinato de Marielle Franco, faz parte também da lista de frequentadores de redes sociais declaradamente fãs de Jair Bolsonaro. Ela mantém ainda nas suas redes foto com o deputado estadual do Rio de Janeiro Rodrigo Amorim (PSL), que ficou conhecido por quebrar uma placa com o nome da vereadora assassinada em 14 de março de 2018. Carmen tem também no currículo o arquivamento da ação contra policiais acusados de sumir com o pedreiro Amarildo Dias de Souza – desaparecido da favela da Rocinha em julho de 2013.

A posição ideológica da promotora Carmen começou a circular hoje (31), pelo Twitter do editor do Intercept Leandro Demori. E põe em dúvida um desmentido tratado ontem como certeza pelo noticiário.

A execução de Marielle, que tem como suspeitos o ex-policial militar Élcio Queiroz e o sargento aposentado da PM Ronnie Lessa, voltou às manchetes esta semana, após reportagem do Jornal Nacional na terça-feira (29). No dia seguinte à reportagem, a promotora Carmen afirmou que o porteiro teria mentido ao afirmar, em depoimento, que Queiroz teria utilizado chamada para a casa 58, onde mora Bolsonaro, para entrar no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Por sinal, onde Lessa também mora.

O desmentido, porém, não encerra a polêmica. Ao contrário, amplia as perguntas sobre um caso há 600 dias sem muitas respostas. Uma nova pergunta surgida hoje seria: que imparcialidade teria uma promotora do MP assumidamente pró-Bolsonaro e anti-Marielle (que para ela seria uma “esquerdopata”)?

Apesar da reação intempestiva do presidente da República, em vídeo divulgado nas redes sociais, Bolsonaro sabia que seria mencionado no caso há mais de 20 dias. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, no dia 9 o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), teria informado a Jair Bolsonaro que seu nome tinha sido mencionado pelo porteiro do Vivendas da Barra no inquérito que apura a morte de Marielle Franco.

Por que Bolsonaro sabia? Por que Witzel sabia?

Por que o Jornal Nacional de ontem (30) aceitou passivamente o desmentido sem questionar a imparcialidade da promotora? Pelo Twitter, o jornalista Luis Nassif, do Jornal GGN, provocou a emissora: “O condomínio não tem interfone. As ligações são para fixo e celular. No caso de Bolsonaro, para seu celular. Se fizer jornalismo, a Globo conseguirá ressuscitar a denúncia”.

Por que, no primeiro processo, a Justiça concluiu que Amarildo foi torturado e morto por 13 PMs que acabaram condenados? E num segundo processo o caso acabou arquivado (conforme nota não muita antiga do jornal Extra), devido, segundo teria justificado a promotora Carmen Carvalho, ao fato de a investigação não ter avançado?

O pedido de arquivamento foi feito pela promotora Carmen em abril deste ano, e aceito pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 13 de junho.

Ainda de acordo com a Folha, na manhã de 16 de outubro, Bolsonaro recebeu três dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no Palácio do Planalto. “Ele teve uma audiência com os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, que preside a corte. Na sequência, falou em separado com Gilmar Mendes”, informa a reportagem.

Um dia depois do encontro, Toffoli, teria recebido integrantes do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro para tratar da menção a Bolsonaro na apuração sobre a morte de Marielle.

“Ainda naquela semana, antes de embarcar para a viagem de 12 dias por países da Ásia e do Oriente Médio, Bolsonaro recebeu seu advogado Frederico Wassef e o procurador-geral da República, Augusto Aras”, revela a Folha.

“Aras classificou a divulgação do episódio como um ‘factoide’”, relata a reportagem. “Ele afirmou à Folha que o STF e a PGR (Procuradoria-Geral da República) já arquivaram uma notícia de fato, enviada ao Supremo pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. E informou ainda que remeterá para o Ministério Público Federal um pedido feito pelo ministro Sergio Moro (Justiça) para que se investiguem as circunstâncias em que o porteiro do condomínio de Bolsonaro citou seu nome em depoimento à polícia do Rio.”

Apesar disso tudo, durante mais de 20 dias, a informação de que o nome do presidente da República surgiu no caso Marielle permaneceu em segredo. Mas Bolsonaro sabia. Que medidas pode ter tomado durante todo esse período? Há informações de pressão sobre os funcionários do condomínio.

Em suas redes sociais, o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, publicou um vídeo com conteúdo gravado na administração do condomínio. As imagens mostram dados conflitantes aos apresentados na reportagem da Globo. E corroboram o afirmou o Ministério Público do Rio: o porteiro teria interfonado para a casa 65 –  e não para a casa 58, de Jair Bolsonaro. A entrada de Élcio Queiroz teria sido autorizada, então, por Ronnie Lessa.

Mas, em dois depoimentos à Delegacia de Homicídios, o porteiro teria afirmado que “seu Jair” autorizou a entrada de Élcio. E que, ao observar pelo circuito interno de TV que o visitante estava indo para outra casa, teria ligado novamente para a casa de Bolsonaro que teria dito saber onde Élcio estava indo.

Segundo a Folha de S.Paulo, perícia feita por técnicos do MP apresenta lacunas e não afasta a possibilidade de que áudios do sistema de interfone tenham sido excluídos antes de serem entregues à Polícia Civil.

Em sua live, Jair Bolsonaro ameaçou a Rede Globo com o fim da concessão pública, que vence em 2020. A decisão não é de responsabilidade do presidente da República, mas do Congresso Nacional. O parágrafo 2º do Artigo 223 da Constituição Federal é claro: A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. O ataque de Bolsonaro, no entanto, parece ter surtido efeito.

Na edição do Jornal Nacional da quarta-feira (30), a Globo voltou atrás de tudo e acatou sem questionamentos a versão de que o porteiro mentiu. Aqui surgem novas perguntas: o jornalismo da emissora não checou os dados e os áudios antes de divulgar uma reportagem dessa gravidade?

Em seu blog Tijolaço, o jornalista Fernando Britto levanta indícios: “A ameaça de cassação de sua concessão, afirmada explicitamente pelo presidente, ‘fez diferença’. Afinal, o que é perder o respeito perto de perder uma rede de TV? O império Marinho sai desmoralizado desta batalha de Itararé, que nem chegou a acontecer. Bom para entender que, quando enfrentada, a Globo pode ser um tigre de papel”.

O porteiro, ainda anônimo, será exposto e poderá ser processado. Se realmente mentiu, por que faria isso?

Por que Fabrício Queiroz, ex-assessor da família Bolsonaro que permanece desaparecido, falou em áudios vazados na semana passada em “pica do tamanho de um cometa” contra o clã?

Por que, como observou o jornalista Florestan Fernandes Jr., o MP que em nove meses não conseguiu tomar um depoimento de Fabrício Queiroz conseguiu em 24 horas descobrir que o porteiro teria mentido?

Bolsonaro chegou a anunciar em entrevista concedida em Riade, na Arábia Saudita, que vai acionar o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro para que a Polícia Federal (PF) possa colher um novo depoimento da testemunha. Com isso, o presidente da República estaria incorrendo em crime de responsabilidade, passível de impeachment?

Por que o porteiro mentiria? Por que teria feito anotações erradas no registro do condomínio?

Se era mentira, por que Bolsonaro ficou tão alterado a ponto de, em live na sua página do Facebook, ameaçar a emissora e atacar o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, como responsável por “vazamentos”?

A relação da família Bolsonaro com as milícias acusadas da morte de Marielle e de milhares de outras pessoas no Rio de Janeiro pode estar na base dessas desconfianças?

Respostas nas cenas dos próximos capítulos desse país que segue desgovernado. A conferir.

Novo AI-5: da direita à esquerda, mundo político reage contra ameaça de Eduardo Bolsonaro

O deputado Eduardo Bolsonaro, líder do PSL na Câmara, disse em entrevista no Canal YouTube da jornalista Leda Nagle que no caso de haver acirramento de manifestações da oposição ao governo de seu pai “vai chegar um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, executavam e sequestravam grandes autoridades, cônsules, embaixadores, execução de policiais, militares“. E que o “remédio” para isto é a volta de uma intervenção na Constituição como o AI-5.

Em 1968, o Brasil vivia sob os rigores do regime militar. O então presidente, Marechal Arthur da Cosa e Silva, decretou o AI-5, Ato Institucional que permitiu ao governo cassar parlamentares, fechar o Congresso, proibir reuniões, confiscar bens, promover tortura, suspender o instituto do habeas-corpus e impor censura ao teatro, à música, ao cinema e à imprensa, tudo que pudesse representar opinião. Somente dez anos depois, em 1978, o presidente Ernesto Geisel, com o processo de redemocratização pôs fim ao AI-5.

Tais declarações do filho do presidente Jair Bolsonaro resultaram em imediata reação por parte de vários setores da sociedade. O presidentes da Câmara, deputado Rodrigo Maia, por exemplo, divulgou nota com o seguinte teor:

— Uma Nação só é forte quando suas instituições são fortes.

O Brasil é um Estado Democrático de Direito e retornou à normalidade institucional desde 15 de março de 1985, quando a ditadura militar foi encerrada com a posse de um governo civil.

Eduardo Bolsonaro, que exerce o mandato de deputado federal para o qual foi eleito pelo povo de São Paulo, ao tomar posse jurou respeitar a Constituição de 1988.

Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática. A Carta de 88 abomina, criminaliza e tem instrumentos para punir quaisquer grupos ou cidadãos que atentem contra seus princípios – e atos institucionais atentam contra os princípios e os fundamentos de nossa Constituição.

O Brasil é uma democracia.

Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras.

A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo.”

O senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado também divulgou nota de repúdio às palavras do deputado Eduardo Bolsonaro:

— Como presidente do Congresso Nacional da República Federativa do Brasil, honro a Constituição Federal do meu País, à qual prestei juramento, e ciente da minha responsabilidade, trabalho diariamente pelo fortalecimento das instituições, convicto de que o respeito e a harmonia entre os Poderes é o alicerce da democracia, que é intocável sob o ponto de vista civilizatório.

É lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato.

Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível essa afronta à Constituição.

Não há espaço para que se fale em retrocesso autoritário. O fortalecimento das instituições é a prova irrefutável de que o Brasil é, hoje, uma democracia forte e que exige respeito.

O diretório nacional do PSL, que é comandado por Luciano Bivar (PSL-PE), chamou de “tentativa de golpe ao povo brasileiro” a declaração de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre uma possível volta do AI-5. Em crise com o presidente Jair Bolsonaro, o diretório disse que repudia com veemência essa e qualquer outra “manifestação antidemocrática que, de alguma forma, considere a reedição de atos autoritários”.

O ex-candidato a presidente Fernando Haddad afirmou que “a única punição cabível” à fala de Eduardo Bolsonaro sobre a volta do AI-5 “é a perda do mandato”. 

Também o ex-presidente José Sarney:

Fui o Relator no Congresso Nacional da Emenda Constitucional que extinguiu o AI-5, enviada pelo Presidente Geisel.

— Presidi a Transição Democrática, que convocou a Constituinte e que fez a Constituição de 1988. Sua primeira cláusula pétrea é o regime democrático.

Lamento que um parlamentar, que começa seu mandato jurando a Constituição, sugira, em algum momento, tentar violá-la.

Devemos unir o País em qualquer desestabilização das instituições. E sei que expresso o sentimento do povo brasileiro, inclusive das nossas Forças Armadas, que asseguraram a Transição Democrática, que sempre proclamei que seria feita com elas, e não contra elas.

Há também manifestações de vários parlamentares, magistrados, entidades da sociedade, partidos políticos, inclusive do PSL.

PRESSIONADO, DEPUTADO RECUA

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) voltou atrás nesta quinta-feira e pediu desculpas após dar declarações sobre o AI-5 . Em entrevista ao programa “Brasil Urgente”, o filho do presidente Jair Bolsonaro disse que houve uma “interpretação deturpada” do que foi falado e afirmou que não há uma proposta para a volta do ato institucional decretado durante a ditadura militar e que afronta a Constituição de 1988.

— Eu peço desculpas a quem porventura tenha entendido que estou estudando o retorno do AI-5 ou achando que o governo, de alguma maneira, estaria estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei — disse Eduardo, que ressaltou não fazer parte do governo.

Em entrevista à jornalista Leda Nagle, feita na segunda-feira e publicada na manhã desta quinta-feira, o deputado havia dito que, caso acontecesse uma radicalização da esquerda, a resposta poderia vir via “um novo AI-5” .  A declaração foi dada depois que a jornalista perguntou sobre os acontecimentos políticos  em países vizinhos, como a eleição da chapa de Cristina Kirschner e os protestos no Chile.

Nassif revela: condomínio de Bolsonaro não tem interfone

O jornalista Luis Nassif alerta para os erros de cobertura da Globo sobre as investigações do assassinato da ex-vereadora Marielle Franco (PSOL) e revela que o condomínio onde mora Jair Bolsonaro, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, não tem interfone. “O condomínio abriu mão de interfones, por ser caro e por problemas de instalação. Optou-se por telefonar ou para o celular ou para o telefone fixo de cada proprietário”, diz ele no Jornal GGN.

“No caso de Bolsonaro, as ligações são para o próprio celular de Bolsonaro. E é ele quem atende. O que significa que a versão do porteiro não era descabida. Ou seja, o fato de estar em Brasilia não o impedia de atender o telefone”, acrescenta.

De acordo com matéria publicada na terça-feira (29) pelo Jornal Nacional, o porteiro afirmou à polícia que um dos responsáveis pelo crime Élcio de Queiroz entrou no local e disse que iria para a casa do então deputado Jair Bolsonaro. Os registros de presença da Câmara dos Deputados mostram que o então parlamentar estava em Brasília no dia. 

O jornalista Fernando Brito, do Tijolaço, havia atestad, no entanto, que o então parlamentar tinha passagem marcada para o Rio (confira). Segundo o Ministério Público (MP-RJ), o porteiro mentiu (veja aqui).

Nassif destaca, ainda, que o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) “também recebe os recados pelo celular. Em geral, fica pouco no condomínio, pois prefere permanece em seu apartamento na zona sul. Mas porteiros ouvidos por moradores sustentam que, naquele dia, ele estava no condomínio”.

“O porteiro do depoimento está de férias. Mas moradores do condomínio foram, por conta própria, conversar com os demais porteiros. E eles garantiram que a ligação foi feita para Bolsonaro mesmo.”

Libertadores: final está mantida no Chile, mas Conmebol estuda plano B

A Conmebol dobra a aposta na realização da final da Libertadores entre Flamengo x River Plate em Santiago ao mesmo tempo que engatilha um plano B para o caso de isso se tornar inviável. Nesta quarta-feira, o governo chileno reafirmou o compromisso de realizar a decisão. Mas é impossível saber como estarão no futuro os ânimos das ruas da capital do país por conta dos protestos contra o governo.

Desde o início das manifestações, a Conmebol tem mantido a convicção da realização da decisão única no Chile, no dia 23 de novembro. Mas os cancelamentos de dois eventos importantes – Apec e COP-50 – deixaram dirigentes da entidade inseguros. Começaram a discutir saídas para a realização do evento.

As declarações da ministra de Esporte do Chile, Cecilia Perez, até esfriaram os ânimos. Diante disso, a Conmebol decidiu-se por manter o jogo pelo alto investimento já feito no Chile. O Estádio nacional passou por reformas inclusive na sua infraestrutura. Já foi organizada logística para os dois times, com hotéis e locais de treinamentos definidos. Cada time tem um calhamaço de regras para cumprir em pontos definidos desde 20h da quarta-feira anterior à decisão. Patrocinadores investiram forte na promoção da primeira final única.

Ao mesmo tempo, há a consciência de que a situação chilena arrefeceu um pouco, mas segue bastante instável. Ou seja, a Conmebol vê como real a chance de ter de realizar uma mudança. O presidente da confederação, Alejandro Dominguez, já tem um plano B para o caso de haver problemas. Não foi possível saber com precisão o plano. Mas, internamente na Conmebol, uma possibilidade é o estádio do Cerro Porteño “La Nueva Olla”, em Assunção.

O equipamento receberá a final da Copa Sul-Americana, no dia 9 de novembro. Sua capacidade é de 45 mil pessoas, contra 48 mil do Estádio Nacional. Já está portanto revisado e preparado pela confederação para receber um jogo decisivo.

A tendência é que ocorra uma nova avaliação sobre o tema no Conselho da Conmebol no dia 7 de novembro quando a cúpula estará reunida no Paraguai pouco antes da final da Sul-Americana. Neste momento, faltarão 16 para a decisão da Libertadores e portanto um prazo apertado, porém viável para a mudança.

Alguns dos pontos já meio definidos na Conmebol é que não há possibilidade de realizar dois jogos, o que desrespeitaria o regulamento e compromissos comerciais. Nem há vontade de tirar novamente a final do continente, e obviamente Brasil e Argentina estão descartados como local de uma decisão por favorecerem um dos dois times. (Do blog de Rodrigo Mattos)

Caso Marielle: promotora que desmentiu porteiro é militante bolsonarista

Carmen Eliza Bastos de Carvalho, uma das promotoras do caso Marielle Franco no Ministério Público do Rio de Janeiro, é bolsonarista militante. Em entrevista coletiva na tarde desta quarta-feira (30), a promotora disse que o depoimento do porteiro que citou Bolsonaro no assassino de Marielle foi “um equívoco”. 

No entanto,  o jornalista Leandro Demori, editor do site The Intercept, usou sua conta no Twitter para fazer a denúncia do viés ideológico de Carmen: 

Apesar de atuar no Ministério Público, a promotora não possui pudor algum em expor nas redes sociais seu viés ideológico. Aparece nas redes sociais ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), que ficou famoso por quebrar a placa de Marielle durante uma manifestação fascista no Rio de Janeiro.

Ela também já se posicionou contra a liberdade de Lula. Em  postagem, ela escreveu: “Vai ficar preso, babaca!”. (Transcrito do Brasil247)

Adeus, pai

Por Apoena Augusto

Esta foto é de dezembro de 1977 e foi feita durante as comemorações do meu aniversário de 02 anos. Recebi de presente da querida Regina Alves no velório do meu pai, último sábado. Dadas as circunstâncias, acredito que ela não se importará com a “cirurgia” que fiz ao cortar o Ademir, que estava à minha esquerda, assim como os amigos que amam o ofício farão vistas grossas ao “crop” absolutamente criminoso pela ausência total de proporção na imagem.

O fato é que temos poucas fotos recentes juntos. Não me pergunte o motivo. Simplesmente não sei, mesmo tendo a convicção de que deveria tê-las feito. Justo eu, dublê de fotógrafo. No entanto, a modelagem que me faltara para as câmeras jamais se ausentou da minha vida. Agora que ele se foi, além do pai, também perdi o irmão, o amigo, o exemplo e, principalmente, o cordão umbilical que nunca enxerguei motivo para cortar.

Curiosamente (ou intuitivamente), a cada ano que se passava, ficávamos mais próximos a ponto de procurar organizar as agendas para que nossos momentos não fossem maculados. E tínhamos muitos. Desde o tradicional suco verde do café da manhã (ao som do indefectível liquidificador treme terra, mais eficiente que qualquer despertador) até as séries assistidas sempre antes de dormir, passando pelos almoços de sábado na piscina ou em busca de algum restaurante de paladar digno onde, invariavelmente, discutíamos os rumos do país, a política local e nacional, artes, música, literatura ou até, quem sabe, alguma baixaria do momento. Aliás, para quem o conheceu, não é difícil imaginar o meu esforço em não ficar tão para trás de alguém que devorava informação com a mesma voracidade crítica utilizada na destilação da escrita.

No dia 13 de novembro faríamos uma viagem de férias. Destino: Chile. Quando o caos se instalou pelas terras de Casillero Del Diablo, ele já estava em coma induzido no hospital. Resolvi contar, já que repórter que é repórter quer mesmo é saber da notícia. Acho que, no fundo, acreditei que ele poderia querer sair do apagão só para viajar e voltar de lá com um baita texto contando tudo, ao sabor de um Malbec nacional. Por sinal, essa não foi minha única tentativa. Falei da maniçoba do Círio, do aniversário dele (23) e ameacei até não pagar o cartão. Em resposta, apenas 3 bocejos. Teimoso.

Sobre teimosia, meu pai exercitou a sua até o fim. O problema que ele teve (um aneurisma na aorta abdominal, que se rompeu), segundo os médicos, cancela o CPF sem choro nem vela em mais de 90% das ocorrências. No caso dele, não só ficou por aqui por mais 18 dias como sambou na cara de nada menos que quatro paradas cardíacas. Como se já não fosse o suficiente, ainda virou estudo de caso no hospital e ganhou até uns suspiros da enfermeira que lhe dava banho. Danado.

Ele se foi e eu durmo e acordo todos os dias com uma enorme angústia no peito. O alívio vem com a certeza de que ele esteve cercado de muito carinho a vida toda e, mais ainda, nestes últimos e dolorosos dias. Foram tantas e tão generosas as manifestações positivas que, a cada uma, sentia ainda mais orgulho do pai que tive.

Algumas pessoas foram e continuam sendo especiais neste momento, pois insistiram em não largar minha mão (nem a dele) um minuto sequer, seja de forma literal, seja com atitudes dignas do que há de melhor no ser humano: minha mãe, Juraci, que foi lucidamente incansável nas orações e nos conselhos; minha namorada Nayana Serrão e sua mãe, Sonia Ayres, que colaram em mim feito Super Bonder com a sensibilidade que lhes é tão latente; meus tios Carlos e Irene Souza e meu primo Carlinhos, que foram os primeiros a saber do problema e não mediram esforços para que ele tivesse o melhor atendimento possível; minha tia Maria Celi e meu Tio Edmundo, que bateram ponto no hospital quase todos os dias assim que souberam; minha prima Lorena, que estava comigo na hora da pior notícia; meus primos Nádia Lima, Fernando Lima, Rosário Lima e Roberto Souza Lima Lima, que não deram trégua no grupo da família clamando por notícias e Orly Bezerra, que tratou meu pai com o amor de um irmão até o fim. Vocês não têm ideia do quanto isso foi importante.

Cabem também generosos agradecimentos ao Lúcio Flávio Pinto, que emocionou à todos com seu discurso onde ressaltou que, com meu pai, morre uma era do jornalismo; aos moradores do condomínio onde moramos, pois formaram uma corrente positiva para torcer pela recuperação; aos amigos do “senadinho”, sempre presentes nos bons e nos maus momentos; aos amigos meus e dele que recebiam todos os dias meu “boletim médico” (e comemoravam cada pequeno avanço comigo); ao Grupo RBA, que não só se preocupou em tempo integral com as notícias a respeito do quadro de saúde do meu pai, como noticiou em todos os veículos a sua partida com as honrarias de quem dedicou mais de 40 anos da vida ao Grupo; ao Grupo Mônaco, que me concedeu o bem mais precioso num momento como esse: tempo; aos demais veículos de comunicação, blogs, colunas, páginas e incontáveis depoimentos pessoais que tive a oportunidade de ler ao longo desses dias. Vocês todos foram incríveis.

Nesta terça meu pai foi cremado. A burocracia do processo impediu que isso fosse feito antes. Na quarta recebo as cinzas que serão jogadas em Algodoal, lugar que eu apresentei e que foi paixão à primeira travessia. Em agosto, quando tiramos nossas últimas férias juntos, a ilha foi o palco do seu derradeiro porre. Estou certo de que sua lucidez vai adorar a vista eterna.

(Transcrito do Facebook do amigo Apoena)

Tocante tributo ao companheiro Guilherme Augusto, que nos deixou na sexta-feira (25), através das palavras de seu amado filho Apoena.

Lula: “Esse discurso das hienas foi feito pros milicianos dele”

Da Agência Pública

O PT, para a desgraça dos meus adversários, é o mais importante partido político de esquerda da América Latina Acho que faltou a ela [Dilma] e ao partido [PT] compreensão política sobre impeachment. “Queria que a Globo fosse honesta comigo como ela foi com o Bolsonaro”. Havia um clima de discreto otimismo entre os assessores e advogados de Lula.

Ontem, uma decisão do STJ suspendeu o julgamento de uma questão sobre o processo do sítio de Atibaia — o que foi visto como vitória porque levaria o caso de volta às alegações finais, mas não anularia o processo, como quer a defesa do ex-presidente. Além disso, a votação em andamento no Supremo Tribunal Federal sobre a prisão em segunda instância traz, pela primeira vez, uma possibilidade concreta de liberdade para Lula, ainda em novembro.

Mais do que a esperança, porém, é a ironia que aparece na entrevista concedida pelo ex-presidente na sala da PF, onde, ladeado por policiais ele recebe os jornalistas — obrigados, pela polícia, a ficar a pelo menos três metros de distância dele. Ao comentário sobre a gravata com as cores do Brasil que usa com blazer e calça jeans dispara: “Essa gravata tem história, rapaz, é de quando conquistamos as Olimpíadas em Copenhagen. Eu ganhei 18. Como vou viver até os 120 anos tenho gravata para usar o tempo que quiser”, provoca.

E não há sinais de comemoração em sua resposta sobre suas primeiras vitórias na Justiça: “Eu deveria ficar até carrancudo quando você faz uma pergunta dessa, mas é tão hilário o que aconteceu na minha vida… Estou agarrado pelo monstro e estou rindo”, diz, antes de prometer: “Podem perguntar o que quiserem, não ficarei nervoso como o Bolsonaro ficou ontem à noite”, referindo-se à live do atual presidente depois da reportagem da rede Globo sobre o depoimento do porteiro do condomínio da Barra da Tijuca, dizendo que um dos acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco havia procurado Bolsonaro na noite do crime.

Bom humor, indignação e alfinetadas aos adversários políticos se alternam nesta segunda entrevista do dia — antes da Pública, ele tinha recebido uma equipe de TV francesa. O tempo apertado de 60 minutos marcados no relógio, por imposição das regras da prisão, pressiona ex-presidente e entrevistadores, mas ele sabe do que quer falar. “Nesse país, pode ter certeza, só tem um partido político que funciona como partido político: é o PT”, diz, para emendar: “Você percebe que o partido do Bolsonaro não existia ontem e que agora, por causa de uma eleição, eles vão receber R$ 400 milhões ou mais do fundo partidário? Qual a empresa que vai ganhar R$ 400 milhões do nada?”, cutuca.

Entre os muitos temas abordados na entrevista, a relação com Dilma e as decisões sobre as próximas eleições deixam claro que Lula, preso ou solto, vai dar as cartas em 2020. “Num partido como o PT o partido tem que fazer prevalecer a sua vontade e decidir quem vai ser candidato. Como é que você vai ganhar o carnaval se você não se apresenta?”

Thiago Domenici — A suspensão do julgamento, pelo STJ, do TRF-4, marcado para hoje, sobre o processo do sítio de Atibaia, é uma vitória para a sua defesa. E tem também a questão do julgamento em segunda instância. Como o senhor vê esse cenário?

Lula — É uma coisa que eu deveria tratar com muito mais seriedade, ficar até carrancudo quando você faz uma pergunta dessa, mas você percebe que eu sorri, porque é tão hilário o que aconteceu na minha vida… Tem uma enxurrada de processos – acho que vão chegar uns dez processos – com uma mentira mais grave do que a outra. Tem a mentira do triplex, a mentira do sítio de Atibaia, a mentira que vai vir ainda do terreno do Instituto [Lula], vai vir tudo. É uma enxurrada de fantasias criada por essa quadrilha de promotores da Lava Jato – que é uma quadrilha, chefiada pelo Dallagnol – feita por delegados que não tiveram sequer respeito à instituição Polícia Federal, que mentiram em seus inquéritos, para um juiz mentiroso e para um TRF-4 faccioso.

Estou agarrado pelo monstro e estou rindo, porque tenho certeza que, dentre tudo isso que falei, só tem uma pessoa que merece respeito nesse país, entre essas que falei, que sou eu. Eles sabem que sou inocente, sabem que mentiram, e tudo isso sustentado pela necessidade que a Globo tinha de destruir o PT. E, para destruir o PT, tinha que destruir o governo da Dilma e, para destruir o governo da Dilma e o Lula voltar não dava certo, então tinha que destruir o Lula também. Tudo isso é um conluio sem precedente na história do país. Eu, então, que poderia ter saído do Brasil como alguns queriam, resolvi vir para cá, porque é daqui que quero me libertar de cabeça erguida. E oxalá o dia em que tiver justiça nesse país, os meus algozes venham para a cadeia.

Esse país não pode ter um juiz como o Moro, não pode ter um promotor como o Dallagnol e não pode ter na Polícia Federal alguns delegados que fizeram inquéritos mentirosos contra mim. Só posso dizer para você o seguinte: estou brigando, e como nasci para brigar – sou de um estado que briga muito, Pernambuco, antes de 1822, já estava fazendo sua luta pela independência. Estou aqui para brigar pela decência, pela inocência e por justiça. E sonho que esse país vai ter Justiça. O dia em que tiver justiça, serei inocentado. Parece incrível, mas tenho dito aos meus advogados que não ando preocupado com a discussão [da prisão após] segunda instância. Não é pedido meu. Não ando preocupado com meu processo jurídico, porque tenho muita consciência de que a minha condenação tem 99,9% de política. O jurídico tem lá meio por cento. Veja: o processo de um triplex, que você poderia ir no cartório, pegar a escritura de compra, pegar o recibo de pagamento, pegar algum documento, numa ou duas páginas você provaria se eu sou ou não [dono do triplex]. Ou seja, baseado numa mentira do jornal O Globo, esse processo já tem não sei se é milhões ou 300 mil páginas. Imagina a quantidade de mentiras contadas em 300 mil páginas numa coisa que precisava apenas de uma escritura. Eu sou vítima de uma mentira que eles não têm como desfazer, porque para desfazer o que eles montaram, para me tirar da vida libertária, eles não têm como voltar – tem que cair Moro, têm que cair Dallagnol e mais gente, têm que cair mais procuradores, tem que julgar o TRF-4. Mesmo no Superior Tribunal de Justiça, eu vi o julgamento, ninguém entrou no mérito. As pessoas ficam falando e eu só quero saber “porra, sou dono ou não do apartamento?”. Digam! Ninguém diz. Aí o juiz vai me julgar e diz “ele cometeu um crime de fato indeterminado, nós não sabemos, é segredo o crime”. Aí vai o procurador, depois de contar uma hora e meia de mentira da forma mais canalha possível – esse cidadão deveria ter sido exonerado no dia depois do PowerPoint –, faz uma hora e meia de acusação, cria uma fantasia – parecia um desenho da Disney – e diz o seguinte: não me peçam provas, eu só tenho convicção. E esse cidadão está aí, ganhando dinheiro e roubando, fazendo instituto para lesar e roubar a Petrobras, para roubar as empreiteiras com delação. Eu fico hiper irritado, mas de bom humor, um irritado mas calmo.

Marina Amaral — O senhor disse que a Globo queria tirar o senhor. Acha que isso se devia a quê? Ontem mesmo, houve a reportagem sobre essa situação de um dos suspeitos do assassinato da Marielle ter ido ao condomínio do Bolsonaro. O porteiro diz que ele ligou para a casa do Bolsonaro e o Bolsonaro respondeu. Tem essa questão do Bolsonaro estar em Brasília, mas, de qualquer jeito, é uma situação que mostra uma proximidade muito grande. O senhor acha que a Globo deu a matéria também com a intenção de abreviar o governo Bolsonaro ou que, nesse caso, eles agiram jornalisticamente?

Lula — Veja, eu vi a matéria da Globo ontem contra o Bolsonaro. A Globo fez uma reportagem e, nessa reportagem, mostra o que aconteceu e diz que Bolsonaro não estava em casa, porque ele estava votando em Brasília. Queria que a Globo fosse honesta comigo como ela foi com o Bolsonaro. Não sou contra que a imprensa fale mal de mim o quanto quiser, se tiver verdade. Se o Lula fez uma merda, digam sem rodeios, mas expliquem o que ele fez. Agora, se ele não fez, não mintam, e a Globo faz muitos anos que mente a meu respeito, mente deliberadamente. Tem uma professora da Universidade Federal de Minas Gerais que está fazendo ou fez a tese dela – recebi uma cópia aqui, nem a conheço. Ela mostra que tem mais de duzentas horas do Jornal Nacional contra o Lula e nem um minuto favorável. Isso agora, depois que deixei a presidência, porque passei a incomodá-los mais do que quando era presidente. Eu não consigo entender qual é o ódio. A única explicação que tenho é a ascensão social do povo brasileiro. Ou que, quando entrei na presidência, tinha 348 meios de comunicação que recebiam dinheiro da Secom, nós passamos para quase 4 mil. E foi pouco, porque precisaria fazer mais. Agora está mais grave, porque agora é a Globo, a Bandeirantes, o SBT.

Marina Amaral — Presidente, nós vamos falar mais até da questão da regulação de mídia, que o senhor já tem falado. Mas queria que o senhor comentasse a mudança de conjuntura política da América Latina. Houve a eleição do Alberto Fernández e da Cristina Kirchner na Argentina. Está se desenhando a vitória da Frente Ampla no Uruguai, houve o Evo Morales na Bolívia, e nos países onde a esquerda está fora do governo, no Equador e no Chile, houve todos aqueles protestos. O senhor vê uma guinada?

Lula — Quem ama e vive a democracia precisa perceber o seguinte: em 500 anos de história, a América Latina nunca tinha tido a experiência de esquerda que teve com a chegada no governo do Chávez, minha, do Evo, do Kirchner, do Tabaré e depois do Pepe Mujica. Nunca tinha tido. Teve o [Álvaro] Colom na Guatemala, o Maurício Funes em El Salvador. Foi uma guinada histórica. Tinha tido o general Cárdenas no México, na década de 30, o Perón na Argentina, o Getúlio Vargas aqui. Mas não eram pessoas de esquerda, era gente da elite que tinha o pensamento progressista. Mas gente com pensamento de esquerda foi a primeira vez. O que nós tínhamos que nos preparar é que, da forma mais democrática possível, você ganha e você perde. Se pegar os Estados Unidos como modelo, vai perceber que os Democratas governam quatro ou oito anos, depois caem fora, aí entram os Republicanos, governam quatro ou oito anos e caem fora. Raramente um governa quatro mandatos; o Roosevelt foi um dos poucos que governou quatro mandatos nos Estados Unidos.

Esse revezamento no poder é salutar para a democracia, é saudável demais a mudança de governo, a alternância no poder é importante. O PT tinha que saber que um dia ia deixar de governar – não por golpe. Essa é a safadeza de quem deu o golpe. Eles sabiam o seguinte: a Dilma foi eleita em 2014 e esse tal de Lula vai voltar em 2018. Se esse tal de Lula voltar em 2018 e fizer o mesmo governo que fez, pode se reeleger em 2022. Então, “espera aí, esse PT vai governar trinta anos esse país? Colocando preto, empregada doméstica, gente da periferia na universidade? Essas pessoas viajando de avião, comendo três vezes por dia, tendo conta bancária, produzindo a terra com muito financiamento? Vamos parar com isso”. O medo deles era que houvesse essa continuidade.

Mas o fato de você perder ou não… A Cristina perdeu eleitoralmente, com muita mentira, mas perdeu. Agora voltou. Nós já governamos o Uruguai – quando digo nós, todos os meus amigos, tanto o Tabaré quanto o Pepe Mujica – já vai fazer quinze anos. Então, chega uma hora que as pessoas querem mudar. Mas nada impede que se perca e ganhe daqui a quatro anos. O Evo Morales vai continuar, mas pode perder. É assim, não temos que ver a derrota democrática como um mal. É sempre mau para o partido, que nunca quer perder, todo mundo quer ficar o tempo inteiro. Ai de nós, todo mundo gostaria de ter sessenta anos no poder, de ter cinquenta anos no poder. Temos que ter noção de que o tempo é assim. Qual é o problema? É que o melhor período da América Latina foi esse período em que a esquerda governou. E se você perceber, o maior adversário em todos os países – na Bolívia, Venezuela, Argentina – é a imprensa conservadora, os donos dos meios de comunicação. Não o jornal, porque o jornal escreve o que quer, o cara tem que comprar jornal, mas a televisão é uma concessão do Estado, então as pessoas precisam, no mínimo, ser respeitosas com quem está governando e não transformar o meio de comunicação em um partido político, que é o que é hoje a Globo. Aliás, ela vem preparando candidato já faz tempo.

Marina Amaral — Uma época, o senhor chegou a se dar bem com a Globo.

Lula — Veja, eu sempre me dou bem com todo mundo, nunca tive uma relação boa com a Globo. Aliás, a Globo nunca teve uma relação comigo. Quando o velho Roberto Marinho era vivo, quando o velho Frias era vivo, quando os Mesquita velhos eram vivos, a gente tinha uma relação mais civilizada. Parece bobagem o que vou te dizer, Marina, mas você trabalhou na Folha. O velho Frias era muito melhor do que os filhos; os Mesquitas pais, muito melhores do que essa molecada que está; o doutor Roberto Marinho era mais civilizado do que essa gente que está lá agora. Porque essa gente deformou o poder de mando, eles não mandam mais, terceirizaram o mando. São burocratas que mandam, e burocrata não tem compromisso, não tem sensibilidade, você nem conhece. Quem é que conhece a cara do Ali Kamel? Ninguém conhece, não sabe onde ele mora, onde o filho dele estuda, em que restaurante ele come; você não conhece os Marinho, conhece de vez em quando um. Agora, nós, políticos, somos conhecidos. O velho Roberto Marinho resolvia os problemas quando você ligava para ele. Vou te contar uma história: na Constituinte, uma vez, teve um debate de um sindicato que foi até duas, três horas da manhã, e no dia seguinte aparece um sindicalista da Força Sindical no Bom dia Brasil falando do debate na Câmara. Liguei para o Roberto Marinho e falei: “pô, Roberto, não tem sentido a gente ficar até às quatro horas da manhã brigando e no dia seguinte vocês não põem ninguém da CUT falando, colocam só da Força Sindical”. Ele me falou assim: “Lula, é o seguinte, quem que você quer que a gente entreviste, que vamos entrevistar hoje”. E mandou entrevistar uma pessoa e colocou no ar. Uma vez, o Chico Anysio me deu uma esculhambada naquele programa que ele tinha à meia-noite de domingo. Liguei para o doutor Roberto Marinho: “o senhor assistiu ao programa do Chico Anysio ontem? O senhor viu o que ele falou?”. Ele disse: “Lula, amanhã vai um repórter lá te entrevistar, você vai ter um minuto para responder o minuto do Chico Anysio”. Hoje, com essa molecada que está lá, você não consegue, eles não mandam, não têm autoridade. Só quero te mostrar que os meios de comunicação já foram mais civilizados do que hoje. A revista Veja já foi uma revista séria, hoje é um lixo. As revistas Época e IstoÉ não são revistas, são fake news. Você sabe que os jornais já foram mais sérios. Eu lembro que quando eu comecei a ler a Folha de S. Paulo era porque a Folha era de esquerda. O jornal O Estado de S. Paulo era o que é hoje, de direita. Isso acabou. Quando eles criaram um grupo chamado [Instituto] Millenium, era um grupo que determinava as manchetes. Depois que o PT entrou no governo, depois do Millenium, eles passaram a decidir as manchetes juntos. Era quase todos os jornais com a mesma manchetes; toda revista, a mesma manchete. Então, piorou muito. Então, eu acho que eu cometi um erro no meu governo que foi não levar mais a sério uma nova regulamentação para os meios de comunicação.

Marina Amaral — Mas aí, quando o senhor está falando nessa regulamentação, o senhor está falando em uma regulamentação de ver propriedade cruzada de meios, não uma regulamentação de conteúdo?

Lula — Veja, em algum momento a sociedade tem que opinar sobre as coisas que acontecem no Brasil. Por que a gente é democrático para achar que a sociedade tem que interferir em tudo, e na hora de discutir determinado conteúdo, a sociedade é proibida de discutir? Nós não queremos ter ingerência. Não é fazer o conteúdo, mas dizer que tal conteúdo não pode ser publicado porque ele é ofensivo à sociedade brasileira, à nossa cultura, aos nossos costumes… Quem é que vai julgar? É a própria sociedade, não é o presidente da República. Sabe, quando uma televisão conta uma mentira política, como contou tantas do Moro contra mim, e meu advogado entrava com pedido de direito à resposta, nunca tivemos. Nunca tivemos.

Marina Amaral — Mas o senhor não acha que isso corre o risco de ser confundido com censura?

Lula — Eu lembro que uma vez apareceu um ideia para gente criar o Conselho Nacional de Jornalismo. Era uma reivindicação dos jornalistas, que veio através do sindicato de Brasília. Antes da gente discutir, meu companheiro Ricardo Kotscho mandou para o Congresso Nacional, conversou com o líder da bancada… A imprensa bateu tanto, a imprensa que defende a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], que defende o Conselho de Psicologia, que defende o conselho de arquitetos, de Engenharia, de Medicina…. Ela babava com ódio da possibilidade de um conselho nacional de jornalistas. Por quê? Por que se sentem tão ofendidos? Eles nem aceitaram a Hora do Brasil, mudaram a Hora do Brasil… Eles podem tudo, devem tudo, elas falam a hora que eles quiserem… Posso te dizer: nem Silvio Santos, nem Edir Macedo, nem o dono da Bandeirantes, o Johnny [João Carlos] Saad, nem o dono da Globo vai encontrar um presidente que os tratem da forma mais civilizada do que eu os tratei. E da forma mais respeitosa. Agora, eles sabem o que fizeram comigo. Então eles sabem que é preciso mudar alguma coisa na regulação dos meios de comunicação.

Thiago Domenici — O senhor, que é amigo do Mujica e do Tabaré Vázquez, vislumbra uma possibilidade do Brasil e da política brasileira, de algo como a Frente Ampla do Uruguai?

Lula — Quando deixei a presidência, eu sonhei isso. Eu fui atrás, eu estive no Uruguai conversando, vendo como é que é. Se você for analisar bem, o PT já é quase uma frente ampla. O PT tem dez, doze tendências. Agora mesmo, na disputa interna, teve nove chapas. Ou seja, no mínimo nove tendências, cada uma tem uma filosofia, cada uma tem uma ideologia, cada uma acredita numa coisa. E o PT, eu brinco de vez em quando, que essas pessoas têm que dizer em alto e bom som que o PT deu cidadania para eles, porque todos eles viviam na clandestinidade, nos anos 1980, e o PT apareceu [dizendo] “venham para cá todo mundo, venham para cá”. O PSOL nasceu do seio do PT…

Thiago Domenici — Mas por que que esse sonho do senhor não aconteceu?

Lula — Quando o PT nasceu era duro nascer um partido político. A gente tinha que legalizar o partido em 15 estados da federação, tinha que ter 20% do município, tinha que ter não sei quantos filiados em cada município e tinha que ter 3% dos votos nas eleições. Agora vai ter um pouco de seriedade quando a nova lei começar a entrar em vigor. Mas você percebe que fazer partido político hoje virou empreendedorismo? Você percebe que o partido do Bolsonaro não existia ontem e que agora, por causa de uma eleição, eles vão receber R$ 400 milhões ou mais do fundo partidário? Qual a empresa que vai ganhar R$ 400 milhões do nada?

Marina Amaral — Eles já estão brigando entre eles…

Lula — Criar um partido político virou… São microempreendedores. Eu pego dois ou três deputados, eu crio um partido político, doa a direção estadual para cada um deles e doa uma parte do fundo que arrecadar. Não pode continuar assim. Assim esse país nunca vai ser altamente democrático. É difícil imaginar uma coalizão negociando com 50 pessoas, com 50 partidos. É difícil, pergunte a quem já foi presidente. E eu acho que nós vamos ter que mudar. E eu sonhava em criar uma frente ampla, sabe? Trazer todo mundo. Desde o tempo do [Leonel] Brizola a gente imaginou fundir… É difícil fundir o PT com o PDT… Metade dos partidos teriam que abrir mão dos seus candidatos: o PT pela esquerda, o PDT pela direita… Falei para o Brizola: não dá, sabe? Os partidos não abrem mão do seu – como é que chama? – Logotipo.

Marina Amaral — E o PT também não abre, né?

Lula —  O PT se construiu brigando. Quando nós fizemos uma reunião em 1980 para criar o PT lá em um hotel em São Bernardo do Campo, tinha 90 deputados e tinha o Fernando Henrique Cardoso também. E o FHC dizia “ah, tem que mudar de nome, porque Partido dos Trabalhadores não dá”. E eu já completava dizendo “aqui não tem mudança de nome, não, se quiser entrar é Partido dos Trabalhadores”.  Os trabalhadores são maioria, por que eu tenho que mudar o nome? E graças a Deus, deu certo. O PT, para a desgraça dos meus adversários, é o mais importante partido político de esquerda da América Latina. Nós não queremos nos comparar nem ao cubano nem ao chinês, mas ninguém tem a experiência democrática. Qual é o partido no Brasil que faz um PED [Processo de Eleições Diretas] como nós fizemos, de 380 mil pessoas comparecem para votar? Qual o partido que faz isso?

Marina Amaral — Mas o PT também enfrentou uma onda de ódio muito grande.

Lula —  Enfrenta ainda. Você não acha que o Flamengo, que tem a maior torcida do Brasil, não enfrenta ódio? Você sabe que o vascaíno pensa do Flamengo? Você sabe o que um palmeirense pensa do Corinthians? Assim são os outros pensando do PT.

Marina Amaral — Mas é diferente, né presidente, um clube de futebol e um partido.

Lula — Não, não é diferente. A sociedade é dividida assim, querida. São Paulo tem São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos… O resto não conta. O Rio de Janeiro tem Vasco, Botafogo, Fluminense e Flamengo… O resto não conta. Os partidos políticos são divididos assim. No Brasil, tem um partido político, o PT. Tem o PCdoB que é um partido político, legalizado. Se você for perceber, a maioria dos partidos políticos no Brasil sequer tem registro definitivo porque se você não tiver registro definitivo, você pode intervir em qualquer estado e em qualquer cidade. Se tiver um problema financeiro no partido do Acre, a direção nacional não assume. Agora, se você tiver registro definitivo, o problema é teu. Então, o PT é o único partido político que tem registro definitivo em todo o território nacional.

Marina Amaral — O MDB não tem?

Lula — O MDB não é partido político. Veja a história política do Brasil. O MDB são uma nação indígena com tribos diferenciadas que falam línguas diferentes em cada estado e em cada cidade. O MDB do Paraná não tem nada a ver com a direção nacional, que não tem nada a ver com o MDB do Maranhão, que não tem nada a ver com o MDB de Rondônia… Cada tribo é uma tribo. Vou te dar um exemplo: não tem ninguém que foi mais traído do que a melhor pessoa do MDB, que era do doutor Ulysses Guimarães. Depois da majestosa participação dele na Constituição de 1988, depois dele ser candidato a presidente da República, ele só teve 5% dos votos para presidente porque o MDB, no Brasil inteiro, traiu ele. Todo mundo trabalhou para o Collor. E continua assim até hoje. Nesse país, pode ter certeza, com todo o respeito a todas as legendas, só tem um partido político que funciona como partido político: é o PT. E, por isso, somos atacados dia e noite. E eu acho que é o seguinte: nós temos que brigar. Quanto mais atacado a gente é, mais a gente tem que se defender. Eu acho que essa é uma das razões, Marina e Thiago, que eu resolvi vim para cá. Porque eu poderia não ter vindo.

Eu vim para cá porque era preciso resistir. Era visível que a Lava Jato estava se transformando em um conluio e numa quadrilha. Era visível. Era visível que gente era presa e a primeira pergunta que fazia era: “E o Lula? Conhece o Lula? Sabe do Lula?”. A senha era falar o nome do Lula. Esse Moro e aquele Bolsonaro tinham orgasmos múltiplos quando falavam o nome do Lula, não importa se fosse mentira.