Teixeira, o homem-bomba que apavora a Globo

Ricardo-Teixeira

POR LUIZ CARLOS AZENHA

Anos 2000. A International Sport and Leisure (ISL) corre o risco de falir. A empresa havia sido criada por Horst Dassler, o magnata alemão herdeiro da Adidas. Foi o homem que ajudou a inventar o marketing esportivo: assumir um evento, empacotar comercialmente e vender a emissoras de televisão, já com os patrocinadores definidos.

Hoje sabemos que a ISL dominou o mercado à custa de dezenas de milhões de dólares em propinas. O homem da mala de Dassler era Jean Marie Weber. O encarregado de molhar a mão da cartolagem e garantir os direitos de TV e de marketing que eram das federações.

Foi o esquema da ISL que enriqueceu João Havelange e Ricardo Teixeira. Na casa dos milhões e milhões de dólares. Mostramos no Brasil — modéstia à parte, pela primeira vez — a relação entre as datas de pagamento das propinas e o enriquecimento de Teixeira. Está tudo em O Lado Sujo do Futebol.

Voltemos à ISL. Fustigada por concorrentes, deu passo maior que as pernas, sem contar a drenagem do dinheiro que destinava à corrupção. No desespero, fez um pedido à Globo Overseas, dos irmãos Marinho. Queria um empréstimo. A Globo concordou em fazer um adiantamento de uma parcela devida, relativa a direitos de TV da Copa do Mundo, com 13% de desconto. Assim foi feito.

Mas, a FIFA chiou, já que não recebeu da ISL o repasse que lhe era devido. Foi à Justiça. O caso resultou numa ação contra seis executivos da ISL, inclusive o homem da mala. A Globo foi ouvida no caso. No dia 26 de agosto de 2001, o todo-poderoso do futebol global, Marcelo Campos Pinto, deu depoimento.

Não era objeto daquele caso investigar a Globo. Como não é agora, com os cartolas presos em Zurique. Mas aquele primeiro caso colocou a bola para rolar. Foi resultante dele a investigação subsequente, do promotor Thomas Hildbrand, que acabou com um acordo envolvendo Teixeira e Havelange. Eles devolveram parte do dinheiro recebido como propina e ficou por isso mesmo. Não admitiram culpa, mas o meticuloso trabalho de Hildbrand seguiu o dinheiro e constatou sem sombra de dúvidas o propinoduto na casa das dezenas de milhões de dólares.

O que há em comum entre o caso suiço e o de agora, nos Estados Unidos? A escolha arbitrária, pela cartolagem, de intermediários que facilitam o enriquecimento pessoal. Por que a FIFA não vendeu os direitos diretamente às emissoras de TV? Por que a CBF não vendeu os direitos da Copa do Brasil diretamente às emissoras de TV?  Porque os intermediários levam a bolada de onde sai a propina.

Foi assim com a ISL, foi assim com a Traffic de J. Háwilla. Exemplo? Contrato da Nike com a CBF. De acordo com a promotoria dos Estados Unidos, Háwilla recebeu pelo menos U$ 30 milhões da Nike na Suiça, dos quais repassou 50% a Ricardo Teixeira. Só aí são, em valores de hoje, por baixo, R$ 45 milhões de reais para o cartola! Considerando o valor total do contrato, dá uma taxa de cerca de 20% de propina.

Como sabemos que Teixeira está sendo investigado pelo FBI? Porque na página 74 do indiciamento feito nos Estados Unidos é mencionado que, no dia 11 de julho de 1996, houve a assinatura do contrato entre a Nike e a CBF em Nova York. Quem assinou em nome da CBF foi o co-conspirador de número 11. Como quem assinou em nome da CBF foi Ricardo Teixeira, ele é o co-conspirador número 11 (num documento paralelo, a plea bargain de J. Háwilla, Teixeira é o co-conspirador número 13).

Também é possível identificar J. Háwilla, neste documento, como o co-conspirador número 2. Foi ele quem, em abril de 2014, teve uma conversa um tanto bizarra com José Maria Marin na Flórida. Marin tinha ido a Miami tratar da Copa América Centenário, que será disputada em 2016 nos Estados Unidos. Mas falou com Háwilla sobre pagamentos devidos a ele e ao co-conspirador número 12 (presumivelmente Marco Polo Del Nero, o atual presidente da CBF) no esquema da Copa do Brasil.

Háwilla provavelmente usava uma escuta ambiental, já que o diálogo é transcrito ipsis literis pelos promotores  (ver abaixo).

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Em resumo, Háwilla perguntou se deveria continuar pagando propina ao antecessor de José Maria Marin, Ricardo Teixeira, no esquema da Copa do Brasil. Marin respondeu mais ou menos assim: “Tá na hora de vir para nós. Verdade ou não?”.

Háwilla: “Certo, certo, certo, o dinheiro tinha de ser dado a você”. Marin: “É isso, certo”.

Disso podemos tirar duas conclusões:

— Tudo indica que o FBI usou escutas ambientais em mais de um dos quatro acusados que fizeram confissão de culpa. Em Chuck Blazer, conhecido como Mr. 10%, o fez com certeza. Como nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, não há vazamentos seletivos para a imprensa, só saberemos exatamente quando e se as gravações forem mostradas no julgamento.

— Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero estão sob investigação da polícia federal dos Estados Unidos.

Uma autoridade norte-americana disse ao New York Times que deverá acontecer uma segunda rodada de indiciamentos. O mais provável é que a promotoria aguarde a extradição dos presos em Zurique para tentar obter a colaboração de mais algum deles.

Marin está com 83 anos de idade. Vai passar o resto da vida na cadeia ou fazer acordo com os promotores?

O foco parece ser, acima de tudo, a FIFA e sua cartolagem graúda, ainda em atividade. São aqueles que conhecem com intimidade os bastidores e as negociatas do futebol, tanto quanto ou mais que J. Háwilla. Gente que pode denunciar esquemas, identificar negócios ilícitos, enfim, colaborar com a promotoria em troca de leniência.

Neste sentido, pela longevidade no poder, Ricardo Teixeira tem muito a contar.

Tanto quanto o FBI, ele parece gostar de gravações.

Narramos em nosso livro um episódio intrigrante, sobre o dia em que a blindagem de Teixeira no noticiário da TV Globo foi brevemente rompida:

Isso durou até 13 de agosto, um sábado. Nesse dia, 12 policiais civis de Brasília cumpriram mandado de busca e apreensão no apartamento de Vanessa Almeida Precht, no Leblon, no Rio de Janeiro. O endereço era a sede da Ailanto, a empresa de Vanessa e Sandro Rosell acusada de desviar dinheiro do amistoso entre Brasil e Portugal.

Diante de novas denúncias, a polícia obteve na Justiça autorização para vasculhar a empresa em busca de documentos e computadores. A busca foi noticiada no “Jornal Nacional”.

Teixeira enfureceu-se. Na quinta-feira subsequente, veio a vingança. O colunista Ricardo Feltrin publicou uma suposta ameaça de Teixeira ao diretor da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto. Segundo Feltrin, o dirigente estava disposto a revelar gravações, em seu poder, que mostrariam a forma como a Globo manipulou horário de partidas de clubes e da seleção. E mais: outras gravações evidenciariam a prepotência da cúpula da Globo Esportes e o desprezo por concorrentes. A pessoas próximas, Teixeira teria dito estar perplexo com “a cacetada da Globo” e se sentindo traído. Sua maior revolta se devia ao fato de, poucos meses antes, ter ajudado a Globo a manter os direitos de transmissão do futebol.

 O recado de Teixeira, via imprensa, inibiu a Globo de avançar no noticiário. Mas o cartola percebeu que alguma coisa estava fora da ordem. Mesmo a contragosto, a Globo havia noticiado alguma coisa contra ele. Era o sinal mais claro de que a informação no Brasil não tinha mais dono.

 Um fenômeno causado tanto pela disseminação do acesso à internet quanto pela redução relativa do alcance de veículos tradicionais. Em 1989, por exemplo, quando o cartola tomou posse na CBF, a média de audiência do Jornal Nacional era de 59 pontos. Em 2013, foi de 26. Ou seja, quase 6 em cada 10 telespectadores do Jornal Nacional mudaram de canal. E grande parte deles estava se informando sobre as denúncias contra Teixeira.

Agora, o ex-presidente da CBF perdeu seu refúgio na Flórida. Ele não obteve a cidadania definitiva que buscava no refúgio fiscal de Andorra, onde ficaria livre de extradição. Como definiu meu colega Leandro Cipoloni, Teixeira se parece com aquele rei que, no xadrez, anda de lado uma casa por vez, para escapar do xeque-mate que fatalmente virá.

Se for indiciado nos Estados Unidos e, consequentemente, acossado por autoridades brasileiras, vai respeitar a lei do silêncio?

De quem é a mão que ajuda o fascismo?

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POR PAULO MOREIRA LEITE, no BRASIL 247

Imagine você que na quarta-feira passada eu me encontrava no café da Câmara de Deputados, quando apareceu um dos líderes do PSDB, conhecido de várias entrevistas e conversas civilizadas. Ao reparar que eu tinha um livro aberto, perguntou do que se tratava. Mostrei: era a edição, em espanhol, de “O Fascismo e a marcha sobre Roma” reportagem histórica de Emilio Gentile sobre o assalto ao poder comandado por Benito Mussolini, em 1922, na Itália.

Comentando o que se passava fora do Congresso, onde se fazia uma concentração com barracas de acampamento e faixas que pediam “intervenção militar,” “extinção do PT já” e outras afirmações de óbvia inspiração fascista, comentei: “É para ajudar a entender o que está passando lá fora.” Meu interlocutor, cujo nome será preservado porque não se tratava de uma conversa para ser publicada, me corrigiu em tom benevolente:

— Não é nada disso. Os fascistas são uns poucos, que deveriam se juntar com o Jair Bolsonaro e formar um partido de extrema-direita. Mas a maioria dessas pessoas não são nada disso. São democratas, inconformados com a corrupção e os desmandos da turma do PT.

A conversa prosseguiu mais um pouco, incluiu com algumas provocações de parte a parte, mas o essencial está aí. Voltei a minhas leituras. Já me encontrava nas páginas finais da narrativa sobre a ascensão de Mussolini, naquele trecho da história em que a marcha dos fascistas sobre a capital italiana se transformou no golpe de Estado mais pacífico da história europeia, sem enfrentar resistência alguma.

O aspecto mais instrutivo da obra de Emílio Gentile é que ele descreve, detalhadamente, a paralisia das autoridades que tinham o dever legal e político de defender a Constituição italiana e os direitos democráticos da população, inclusive de escolher governos através do voto. Um gabinete que unia liberais e conservadores assistiu à ação das esquadras fascistas pelo país inteiro — invadiam prefeituras, fechavam jornais, atacavam quartéis para pegar armas, feriam e assassinavam — sem mover um músculo. Conforme o autor, os comandantes militares tinham disposição de resistir ao fascismo, possuindo instrumentos e homens para isso. Mas a ordem, que deveria partir do poder civil, não veio.

Horas antes da chegada do próprio Mussolini a Roma, os principais ministros conseguiram imaginar que tudo estava tão tranquilo que recolheram-se a seus aposentos e foram dormir — acredite!

Apenas numa reunião de emergência, alta madrugada, decidiu-se, enfim, convocar o Estado de Sítio, que na pior das hipóteses poderia ter ajudado a retardar a escalada fascista. Mas cabia ao Rei, Vitório Emanuel III, decretar a medida. Quando Sua Majestade, enfim, foi encontrada, ocorreu a cena decisiva. O Rei não apenas se recusou a assinar o Estado de Sítio, como demitiu o ministério e chamou o próprio Benito Mussolini a formar o novo governo, dando início, assim, a uma ditadura que durou 20 anos.

Sabemos que a paralisia daqueles governantes que tinham a responsabilidade legal de preservar o regime democrático obedecia a considerações variadas. A principal dizia respeito a definição de quem era seus verdadeiros adversários políticos e quem poderiam ser seus aliados. Quatro anos antes, o Partido Socialista — muito mais à esquerda do que se tornaria com o passar dos anos — havia se tornado a maior força do parlamento italiano. Ao mesmo tempo, a mobilização de operários ganhou força nos centros industriais do país, onde se formaram conselhos de trabalhadores. O exemplo da Revolução Russa de 1917 estava em muitas mentes — para temer ou admirar.

“Muitos temiam que a ação da força legítima do Estado contra a força ilegal do fascismo pudesse provocar um banho de sangue” que terminaria por fortalecer a esquerda socialista e comunista, escreve Gentile.

A visão da esquerda como adversária principal a ser vencida de qualquer maneira contribuía enormemente para que muitos ministros já sonhassem em chamar Mussolini para integrar o ministério, oferta que ele sempre recusou, deixando claro que não pretendia ser coadjuvante num governo de base parlamentar.

Ex-diretor do Avanti, jornal socialista de tendencias revolucionárias, Mussolini tinha aquela postura problemática de quem passou por uma mudança radical nas próprias convicções. Manifestava um ódio profundo pelos partidos de esquerda, como se quisesse dizer que ele, e apenas ele, fora um ” verdadeiro” socialista em seu devido tempo, enquanto seus adversários de hoje não passavam de farsantes. (Acho que todos nós jã vimos esse comportamento em nossa paisagem, não é mesmo?)

Mussolini também não escondia que sentia “asco, muito asco,” pelo jogo parlamentar. Mesmo assim, fazia o possível para apresentar-se com um perfil político moderado, necessário para abrir as portas dos salões do capitalismo italiano. Ao mesmo tempo, estimulava atos violentos e criminosos contra lideranças de trabalhadores e do movimento popular, cultivando uma ambiguidade de aparências, que ajudava a convencer quem queria queria ser convencido mas tinha um certo pudor de assumir isso abertamente.

O tempo mostrou que a postura política em relação a comunistas e socialistas contribuiu para o embelezamento do fascismo, enfraqueceu toda possível visão crítica e diminuiu todo esforço que poderia impedir sua ascensão ao poder — inclusive na reta final, quando as milicias passaram a atacar com violência e ameaças militantes católicos e liberais que recusavam a liderança dos camisas negras.

Poucas leituras podem ser instrutivas, sobre a época, como os registros de elogios e avaliações positivas sobre Mussolini e seus aliados. “Estamos assistindo a uma bela revolução de jovens. Nenhum perigo,” escreveu o embaixador dos Estados Unidos numa carta familiar. Sempre lembrando os méritos do fascismo pela derrota do socialismo e comunismo a revista L ‘ Illustrazione Italiana, leitura preferida da elite do país, também elogiava um governo jovem (“sem barbas grisalhas”) e profetizava: “nunca um governo teve possibilidades tão grandes (de sucesso) como o de Benito Mussolini”, escreveu a revista, torcendo ainda para que o ele “saneasse a Itália” do ódio político.

A ilusão durou pouco mas se desfez quando era tarde. Avaliando, meses mais tarde, o estado ditatorial que se esboçava, meses mais tarde o Corriere della Sera publicou um artigo no qual fazia uma constatação dolorosa: a grande massa dos italianos, incluída “a totalidade de sua classe dirigente,”havia demonstrado “ser capaz de perder todas as suas liberdades civis sem protestar.” Assinado por Giuseppe Prezzolini, o texto dizia: “Somos todos um pouco culpados de termos nos iludido de que as liberdades eram um fato consumado, que não se poderia perder; e descuidamos, deixando que alguém começasse a pisoteá-las.” Sem mencionar o nome de Mussolini, o que poderia revelar-se perigoso, o artigo conclui: “e esse tal indivíduo terminou por defenestrá-las.”

Juro que seguia na leitura do mesmo livro, comprado numa viagem recente a Buenos Aires, quando ocorreu aquela cena inacreditável de sexta feira, no Congresso Nacional. Um bando de fascistas atacou — com empurrões, gritos, e vários atos de provocação — um grupo de parlamentares do PT que convocava uma coletiva para fazer uma denúncia grave: a segunda votação sobre financiamentos de campanha políticas foi um ato juridicamente nulo, pois violou o artigo 60 da Constituição Federal, que estabelece regras claras para se votar um projeto de emenda constitucional.

Isso aconteceu no Salão Verde do Congresso, endereço de tantos atos de resistência democrática durante o regime. No dia seguinte, fiquei sabendo da história do empresário ameaçado durante um voo Brasilia-São Paulo porque lia a Carta Capital.

Quarenta e oito horas antes, naquela conversa no café da Câmara, um parlamentar do PSDB tentava me convencer, explicava, em tom benevolente, que não havia motivos de preocupação com ameaças fascistas.