O significado do termo fair play vem sendo levado às últimas conseqüências no Brasil, motivando algumas distorções graves. A polêmica que envolveu o palmeirense Kleber no jogo com o Flamengo, acusado de infringir as normas desportivas, começou ainda em campo e foi inflada artificialmente nos dias seguintes.
Depois de uma bola ao chão, Kleber apanhou a bola e saiu em direção ao gol flamenguista. Os rubro-negros protestaram alegando que tinham a posse da bola. Os palmeirenses entenderam que a jogada foi normal porque a bola lhes pertencia quando o lance foi paralisado. Como o Flamengo ficou enrolando para ganhar tempo, Kleber decidiu sair com a bola.A confusão foi parar nas barras do STJD, que, ávido por um holofote, programou um esquisitíssimo julgamento. Kleber virou réu, acusado de conduta contrária à disciplina e à ética. Foi absolvido por unanimidade, mas espanta o fato de que o evidente exagero da história foi visto com normalidade por gente supostamente séria. Deveríamos aproveitar o embalo para discutir (e entender) melhor o fair play.
Originário do pensamento humanista e praticado desde os tempos do barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos Olímpicos modernos, o fair play foi adotado pela Fifa a partir dos anos 80. Num gesto bacana, a entidade assumiu a bandeira do jogo limpo incentivando sua prática no futebol.
Essencialmente, significa a defesa de valores como cidadania, lealdade e cavalheirismo. Respeito pelos parceiros de time, adversários, árbitros, torcedores e, acima de tudo, acatamento das regras do jogo. Por esse raciocínio, os atletas renunciariam também a vantagens, mesmo quando ninguém esteja olhando.
No Brasil, porém, normas foram feitas para serem avacalhadas. Toda e qualquer interrupção de jogo, por falta, virou senha para mesuras e devoluções propositalmente demoradas, principalmente quando quem devolve a bola está vencendo. É o padrão tupiniquim de interpretação do fair play, com o indispensável toque de malandragem.
Certeira decisão do técnico Roberto Fernandes, cancelando em boa hora a tal mini-temporada do Paissandu em Barcarena. Torrar R$ 15 mil num período de cinco dias constitui um luxo a essa altura do campeonato. Certas manias, importadas de outros centros, escancaram nossa velha tendência à jequice. Inventar inter-temporada por qualquer motivo é uma delas.
Iarley, que brilhou naquele Paissandu da Libertadores de 2003, segue desfilando seu imenso talento por aí. Agora, aos 37 anos, de volta ao Goiás, está comendo a bola. Na sexta-feira, garantiu a vitória sobre o Duque de Caxias, marcando dois gols como legítimo atacante. Por que, ao invés de Luciano Henrique e Diogo Galvão, ninguém teve a idéia de trazê-lo para garantir logo o acesso à Série B?
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 31)