Uma brecha, involuntária ou não, nos mecanismos de controle da CBF criou novo conceito na relação entre clubes de futebol e cidades de origem. Vai longe o tempo em que um time valorizava o vínculo umbilical com determinado município. Nas regras que balizam os negócios futebolísticos não há espaço para laços de afeto entre clubes e torcedores.
Em situação normal, num país igualmente normal, clubes nômades deveriam sofrer algum tipo de sanção, mas a lei é omissa e não existem restrições para os acordos de mudança de sede. Algo como ser automaticamente rebaixado para a divisão de origem.
A realidade, porém, é outra. Quando a torcida não abraça a causa e falta apoio institucional, os clubes não se constrangem em mudar de casa, buscando parceiros mais generosas em investimentos. Basicamente, tudo depende de acertos financeiros. Os exemplos mais fortes vêm do próspero interior paulista – onde ocorreram sete mudanças – e ameaçam se proliferar.
O Grêmio Barueri, clube de investidores que saiu da Série C para a A em três anos, tomou o rumo de Prudente quando não era mais vantajoso jogar na cidade de origem. Fez isso de maneira rápida, sem maiores embaraços, até porque a torcida pouco se interessava pelo time. Com um cartel vitorioso, com jogos televisionados, o Grêmio Prudente ganhou incentivo financeiro e alguma atenção dos torcedores locais.
O Guaratinguetá segue a mesma trilha. Participante da Série B, o time foi rebatizado como Garça e está de malas prontas em direção à rica Americana, que sinaliza com patrocínios de empresas locais e gordo suporte da prefeitura. O novo berço da Garça projeta movimentação financeira superior a R$ 20 milhões contra despesas anuais orçadas em menos de R$ 8 milhões. Um bom negócio para quase todos.
Na mudança de cidade, o registro do clube permanece o mesmo. Por isso, são mantidos todos os direitos de participação na série que disputava em sua antiga sede. Quando se trata de clube-empresa, a transferência é ainda mais tranqüila. É feita apenas a modificação no contrato social, prevendo a troca de endereço e pequenas questões burocráticas.
Americana espera movimentar cerca de R$ 20 milhões ao ano com o novo clube, calculando custo anual de cerca de R$ 7 milhões. Nesse valor estão incluídos a criação de novos empregos, gastos e investimentos na cidade, pessoas e empresas que vão se beneficiar direta a indiretamente e também as que estarão envolvidas em eventos.
A CBF não se manifesta sobre o fenômeno, prefere deixar as coisas nas mãos das federações – o que é sempre um perigo. Futebol, como se sabe, é movido a paixão e ligações sentimentais. Clubes de aluguel podem dar lucro e até conquistar títulos, mas não tocam o coração da massa. O São Caetano, que disputou até Libertadores, é um caso típico. Até hoje não conseguiu seduzir os torcedores da cidade. O estímulo ao surgimento de agremiações criadas por empresários pode parecer lucrativo e sem conseqüências num primeiro momento, mas a médio prazo pode equiparar o futebol ao vôlei, com clubes endinheirados, mas sem torcida.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta sexta-feira, 29)