Dia: 28 de outubro de 2010
Agora até o Papa dá palpite na eleição
Por Ricardo Kotscho
Só faltava ele! Pois ao abrir a capa (alguns preferem chamar de home page) do portal Estadão.com, a 72 horas das eleições presidenciais, tomo um susto ao ler a manchete: “Papa condena aborto e pede a bispos que orientem politicamente fíéis”. Diz a nota que “em reunião em Roma na manhã desta quinta-feira, 28, o papa Bento XVI conclamou um grupo de bispos brasileiros a orientar politicamente fiéis católicos. Sem citar especificamente as eleições de domingo, o Papa reforçou a posição da Igreja a respeito do aborto e recomendou a defesa de símbolos religiosos em ambientes públicos”.
Além de condenar o aborto, como se alguém pudesse ser a favor do aborto, embora muitos defendam a sua descriminilização, o papa também cobrou o ensino religoso nas escolas públicas e defendeu a luta pela manutenção dos símbolos religosos, citando o monumento do Cristo Redentor no Rio, como se eles estivessem ameaçados. O Brasil é um Estado laico e mantem relações diplomáticas com o Estado do Vaticano. Com que direito Sua Santidade vem meter o bedelho em questões internas de um país às vésperas das eleições presidenciais? Já não basta o papel impróprio e deprimente exercido por alguns dos seus bispos que, com esta falsa questão do aborto, transformaram seus altares em palanques contra uma candidatura e a favor de outra, distribuindo panfletos políticos em lugar de homilias?
Depois de ser explorado até a exaustão pelos bispos teefepeanos, telepastores dos dízimos e, principalmente, pela mídia, o assunto já tinha até saído de pauta, tão rapidamente quanto entrou, porque as últimas pesquisas mostraram que ele não estava mais rendendo nenhum resultado nas intenções de voto dos eleitores.
Em artigo publicado terça-feira no Observatório da Imprensa, o analista de mídia Cristiano Aguiar Lopes prova com números de uma pesquisa que “houve um esforço coordenado e eficiente dos principais jornais e revistas do país para insuflar a polêmica sobre o tema com vistas a um fim eleitoral mais que óbvio: roubar votos de Dilma entre eleitores conservadores contrários à descriminalização do aborto”.
Os números são impressionantes: a três dias do primeiro turno, no dia 30 de setembro, as principais publicações do país pesquisadas registraram 149 menções sobre o aborto, chegando a 430 no dia 8 de outubro, na primeira semana do segundo turno que foi dominada pelo tema. “A primeira escalada ocorre pouco antes do primeiro turno e tem como objetivo conquistar os votos de indecisos e de dilmistas não muito convictos. A segunda, bem mais intensa, busca transferir para Serra os votos de um grande contingente de eleitores conservadores – sobretudo católicos e evangélicos – contrários à descriminalização do aborto”, conclui Cristiano Aguiar Liopes.
A pesquisa prova também que não houve “onda verde” nenhuma que tenha provocado o segundo turno. Foi, na verdade, uma “onda religiosa” nas igrejas e nos subterrâneos da internet que beneficiaram a candidata evangélica Marina Silva e levaram a eleição ao segundo turno, usando a ameaça do aborto como instrumento eleitoral. O Papa foi inconveniente, chegou atrasado na história e entrou de gaiato numa falsa polêmica que até a mídia já tinha esquecido. Deveria se preocupar mais com os casos de pedofilia envolvendo religosos que grassaram nos últimos anos em sua igreja, com a perda de fiéis para as seitas evangélicas e o esvaziamento dos seus templos. Não precisamos dos seus conselhos para saber como deveremos votar no domingo.
Ibope: Dilma 14 pontos à frente
A candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, está 14 pontos à frente do adversário José Serra (PSDB), de acordo com pesquisa Ibope divulgada nesta quinta-feira. O levantamento mostra a petista com 57% dos votos válidos contra 43%. Na pesquisa anterior, divulgada no dia 20, Dilma aparecia com 56% contra 44% de Serra. Pelos votos totais, a petista conta com 52% das intenções contra 39% do adversário. Entre os entrevistados, 5% disseram que irão anular ou votar em branco e 4% estão indecisos. Na pesquisa anterior, Dilma registrava 51% das intenções totais de voto contra 40% de Serra. Os porcentuais de brancos e nulos e de indecisos continua o mesmo. A maioria dos eleitores (82%) diz que o voto é definitivo e 13% afirmam que ainda podem mudar. O governo Lula tem aprovação de 80% enquanto 15% o consideram regular e 4%, ruim ou péssimo.
A frase certeira do dia
“Acho que o papa deveria se preocupar com os escândalos que pipocam todos os dia na Igreja Católica. Deveria se preocupar com os padres pedófilos, e este, a bem da verdade, é um antiguíssimo problema, sempre hipocritamente ignorado. Deveria se preocupar com os inúmeros prelados que têm relação com a máfia. E com as investigações da justiça italiana sobre as atividade de seu banco, o IOR – Instituto para as Obras de Religião – que é, há muito tempo, um dos mais renomados do mundo em matéria de lavagem de dinheiro. A hipocrisia vaticana se revela até mesmo no nome. Que ‘obras religiosas’ seriam essas?”
De Mino Carta, jornalista, diante do discurso “tucano” do papa Bento XVI nesta quinta-feira, 28, aos bispos brasileiros
As revelações do velho Keith
Por Jamari França
Life, de Keith Richards está saindo como série no jornal inglês The Times, com acesso pago (uma libra por 30 dias). No capítulo desta segunda, Keith conta como ele e Brian Jones criaram o som da banda, dissecando exaustivamente discos de bluesmen e rockers negros americanos como Elmore James, Bo Diddley, Muddy Waters, Robert Johnson, Chuck Berry etc. Analisavam, imitavam a princípio e depois foram achando sua própria maneira de fazer um som calcado na música nascida no delta do Mississippi. Mick Jagger não participava porque nada tocava e passava a maior parte do dia nas aulas da London School Of Economics, uma respeitada faculdade de economia. Mas alivia que o parceiro aprendeu a tocar gaita muito bem, com direito a uma alfinetada: “É a única coisa que ele faz sem ser calculista. Eu perguntei por que ele não cantava assim e s resposta foi que eram duas coisas diferentes. Mas não são, nos dois casos é botar o ar para fora.” Keith diz que no princípio eles não pensavam em ganhar dinheiro com o que faziam, depois mudaram de idéia, claro. Havia uma abordagem purista da música que eles amavam, feita por artistas que eram boicotados na América por conta do racismo.
Keith diz que Jumpin’ Jack Flash é seu riff favorito, “basicamente é Satisfaction ao contrário” e conta como usou uma tecnologia nova na época para gravar partes da música, um gravador cassette da Philips, que chama de mini estúdio. “Tocava violão e saturava o gravador para ficar bem distorcido e o resultado parecia uma guitarra. E vi que podia dar uma reforçada sem eletrificar e ficava um som novo, diferente. No estúdio eu ligava o gravador num auto-falante e botava um microfone na frente do auto-falante, aí conseguia um pouco mais de profundidade e amplitude. E assim gravei a base. Não há guitarras em Jumpin’ Jack Flash e em Street Fighting Man, só violões.”
O endereço do Times é WWW.thetimes.co.uk
Santos pode fechar a temporada em Belém
O presidente do Paissandu, Luiz Omar Pinheiro, deve se definir nesta quinta-feira sobre a realização de um amistoso do Santos em Belém no próximo mês de dezembro. LOP estaria hesitando em relação ao jogo por avaliar que a torcida bicolor está desmotivada, depois da eliminação do time na Série C. Caso o amistoso seja confirmado (para 17 ou 18 de dezembro), o atacante Moisés seria uma das atrações do Santos, ao lado de Neymar.
Capa do Bola, edição de quinta-feira, 28
PMDB quer nova eleição para o Senado no Pará
O PMDB, partido a que pertence o deputado federal Jader Barbalho, que teve recurso contra impugnação da candidatura ao Senado indeferido pelo Supremo Tribunal Federal anunciou, na noite de ontem, que entrará com recurso para garantir a realização de uma nova eleição ao Senado no Pará.
“O PMDB usará das garantias constitucionais para exigir a realização de novas eleições, nas quais o povo do Pará vai reafirmar que somente aos paraenses cabe escolher seus representantes”, informa o partido na nota divulgada horas depois de anunciado o resultado do julgamento no Supremo.
O argumento do partido para exigir nova eleição é que decisão do STF tornará nulos os votos dados a Jader Barbalho e ao candidato do PT, Paulo Rocha, que também renunciou ao mandato e teve a candidatura indeferida sob o mesmo o argumento usado para impugnar o registro de Jader. Juntos, os candidatos do PMDB e do PT tiveram mais de 3,5 milhões votos. Sobraram menos da metade – cerca de 2,6 milhões. Para os advogados do partido, dar posse aos eleitos por meio de uma eleição que teve mais de 50% dos votos invalidados seria uma afronta à vontade da maioria dos eleitores paraenses.
Na nota oficial, o PMDB cita artigos da Constituição que expressam claramente que os senadores e os suplentes serão escolhidos por maioria de votos. Por lei, segundo entendimento do PMDB, o Tribunal Superior Eleitoral não poderia proclamar hoje senadores eleitos pelo Pará uma vez que a maioria dos votos foi invalidada. “Não deve o Tribunal Eleitoral proclamar eleito o candidato que obteve a maioria da votação válida, quando houver votos dados a candidatos com registros indeferidos, mas com recursos ainda pendentes, cuja nulidade for superior a 50% da votação válida, o que poderá ensejar nova eleição, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral”, diz a nota.
O deputado federal Jader Barbalho não se pronunciou após a decisão, mas a nota do partido lamenta a decisão do STF que classificou de “saída artificial, precária, e contra o interesse da sociedade representada por milhões de votos”, segundo os termos usados pelo próprio presidente do STF, Cezar Peluso, ao encerrar a sessão que julgou o recurso do deputado paraense. (Com informações de Rita Soares/DIÁRIO)
Capa do DIÁRIO, edição de quinta-feira, 28
Onde você estava em 1964?
Por Emir Sader
Há momentos na história de cada país que são definidores de quem é quem, da natureza de cada partido, de cada força social, de cada indivíduo. Há governos em relação aos quais se pode divergir pela esquerda ou pela direita, conforme o ponto de vista de cada um. Acontecia isso com governos como os do Getúlio, do JK, do Jango, criticado tanto pela direita – com enfoques liberais ou diretamente fascistas – e pela esquerda – por setores marxistas. Mas há governos que, pela clareza de sua ação, não permitem essas nuances, que definem os rumos da história futura de um país. Foi assim com o nazismo na Alemanha, com o fascismo na Itália, com o franquismo na Espanha, com o salazarismo em Portugal, com a ocupação e o governo de Vichy na França, entre outros exemplos.
No caso do Brasil e de outros países latinoamericanos, esse momento foi o golpe militar e a instauração da ditadura militar em 1964. Diante da mobilização golpista dos anos prévios a 1964, da instauração da ditadura e da colocação em prática das suas políticas, não havia ambigüidade possível, nem a favor, nem contra. Tanto assim que praticamente todas as entidades empresariais, todos os partidos da direita, praticamente todos os órgãos da mídia – com exceção da Última Hora – pregavam o golpe, participando e promovendo o clima de desestabilização que levou à intervenção brutal das FAA, que rompeu com a democracia – em nome da defesa da democracia, como sempre -, apoiaram a instauração do regime de terror no Brasil.
Como se pode rever pelas reproduções das primeiras páginas dos jornais que circulam pela internet, todos – FSP, Estadão, O Globo, entre os que existiam naquela época e sobrevivem – se somaram à onda ditatorial, fizeram campanha com a Tradição, Família e Propriedade, com o Ibad, com a Embaixada dos EUA, com os setores mais direitistas do país. Apoiaram o golpe e as medidas repressivas brutais e aquelas que caracterizariam, no plano econômico e social à ditadura: intervenção em todos os sindicatos, arrocho salarial, prisão e condenação das lidreanças populares. Instauraram a lua-de-mel que o grande empresariado nacional e estrangeiro queria: expansão da acumulação de capital centrada no consumo de luxo e na exportação, com arrocho salarial, propiciando os maiores lucros que tiveram os capitalistas no Brasil. A economia e a sociedade brasileira ganharam um rumo nitidamente conservador, elitistas, de exclusão social, de criminalização dos conflitos e das reivindicações democráticas, no marco da Doutrina de Segurança Nacional.
As famílias Frias, Mesquita, Marinho, entre outras, participaram ativamente, no momento mais determinante da história brasileira, do lado da ditadura e não na defesa da democracia. Acobertaram a repressão, seja publicando as versões mentirosas da ditadura sobre a prisão, a tortura, o assassinato dos opositores, como também – no caso da FSP -, emprestando carros da empresa para acobertar ações criminais os órgãos repressivos da ditadura. (O livro de Beatriz Kushnir, “Os cães de guarda”, da Editora Boitempo, relata com detalhes esse episódio e outros do papel da mídia em conivência e apoio à ditadura militar.)
No momento mais importante da história brasileira, a mídia monopolista esteve do lado da ditadura, contra a democracia. Querem agora usar processos feitos pela ditadura militar como se provassem algo contra os que lutaram contra ela e foram presos e torturados. É como se se usassem dados do nazismo sobre judeus, comunistas e ciganos vitimas dos campos de concentração. É como se se usassem dados do fascismo italiano a respeito dos membros da resistência italiana. É como se se usassem dados do fraquismo sobre o comportamento dos republicanos, como Garcia Lorca, presos e seviciados pelo regime. É como se se usasse os processos do governo de Vichy como testemunha contra os resistentes franceses.
Aqueles que participaram do golpe e da ditadura foram agraciados com a anistia feita pela ditadura, para limpar suas responsabilidades. Assim não houve processo contra o empréstimo de viaturas pela FSP à Operação Bandeirantes. O silêncio da família Frias diante da acusações públicas, apoiadas em provas irrefutáveis, é uma confissão de culpa. Estamos próximos de termos uma presidente mulher, que participou da resistência à ditadura e que foi torturada pelos agentes do regime de terror instaurado no país, com o apoio da mídia monopolista. Parece-lhes insuportável moralmente e de fato o é. A figura de Dilma é para eles uma acusação permanente, pela dignidade que ela representa, pela sua trajetória, pelos valores que ela representa.
Onde estava cada um em 1964? Essa a questão chave para definir quem é quem na democracia brasileira.