Onde você estava em 1964?

Por Emir Sader

Há momentos na história de cada país que são definidores de quem é quem, da natureza de cada partido, de cada força social, de cada indivíduo. Há governos em relação aos quais se pode divergir pela esquerda ou pela direita, conforme o ponto de vista de cada um. Acontecia isso com governos como os do Getúlio, do JK, do Jango, criticado tanto pela direita – com enfoques liberais ou diretamente fascistas – e pela esquerda – por setores marxistas. Mas há governos que, pela clareza de sua ação, não permitem essas nuances, que definem os rumos da história futura de um país. Foi assim com o nazismo na Alemanha, com o fascismo na Itália, com o franquismo na Espanha, com o salazarismo em Portugal, com a ocupação e o governo de Vichy na França, entre outros exemplos.

No caso do Brasil e de outros países latinoamericanos, esse momento foi o golpe militar e a instauração da ditadura militar em 1964. Diante da mobilização golpista dos anos prévios a 1964, da instauração da ditadura e da colocação em prática das suas políticas, não havia ambigüidade possível, nem a favor, nem contra. Tanto assim que praticamente todas as entidades empresariais, todos os partidos da direita, praticamente todos os órgãos da mídia – com exceção da Última Hora – pregavam o golpe, participando e promovendo o clima de desestabilização que levou à intervenção brutal das FAA, que rompeu com a democracia – em nome da defesa da democracia, como sempre -, apoiaram a instauração do regime de terror no Brasil.

Como se pode rever pelas reproduções das primeiras páginas dos jornais que circulam pela internet, todos – FSP, Estadão, O Globo, entre os que existiam naquela época e sobrevivem – se somaram à onda ditatorial, fizeram campanha com a Tradição, Família e Propriedade, com o Ibad, com a Embaixada dos EUA, com os setores mais direitistas do país. Apoiaram o golpe e as medidas repressivas brutais e aquelas que caracterizariam, no plano econômico e social à ditadura: intervenção em todos os sindicatos, arrocho salarial, prisão e condenação das lidreanças populares. Instauraram a lua-de-mel que o grande empresariado nacional e estrangeiro queria: expansão da acumulação de capital centrada no consumo de luxo e na exportação, com arrocho salarial, propiciando os maiores lucros que tiveram os capitalistas no Brasil. A economia e a sociedade brasileira ganharam um rumo nitidamente conservador, elitistas, de exclusão social, de criminalização dos conflitos e das reivindicações democráticas, no marco da Doutrina de Segurança Nacional.

As famílias Frias, Mesquita, Marinho, entre outras, participaram ativamente, no momento mais determinante da história brasileira, do lado da ditadura e não na defesa da democracia. Acobertaram a repressão, seja publicando as versões mentirosas da ditadura sobre a prisão, a tortura, o assassinato dos opositores, como também – no caso da FSP -, emprestando carros da empresa para acobertar ações criminais os órgãos repressivos da ditadura. (O livro de Beatriz Kushnir, “Os cães de guarda”, da Editora Boitempo, relata com detalhes esse episódio e outros do papel da mídia em conivência e apoio à ditadura militar.)

No momento mais importante da história brasileira, a mídia monopolista esteve do lado da ditadura, contra a democracia. Querem agora usar processos feitos pela ditadura militar como se provassem algo contra os que lutaram contra ela e foram presos e torturados. É como se se usassem dados do nazismo sobre judeus, comunistas e ciganos vitimas dos campos de concentração. É como se se usassem dados do fascismo italiano a respeito dos membros da resistência italiana. É como se se usassem dados do fraquismo sobre o comportamento dos republicanos, como Garcia Lorca, presos e seviciados pelo regime. É como se se usasse os processos do governo de Vichy como testemunha contra os resistentes franceses.

Aqueles que participaram do golpe e da ditadura foram agraciados com a anistia feita pela ditadura, para limpar suas responsabilidades. Assim não houve processo contra o empréstimo de viaturas pela FSP à Operação Bandeirantes. O silêncio da família Frias diante da acusações públicas, apoiadas em provas irrefutáveis, é uma confissão de culpa. Estamos próximos de termos uma presidente mulher, que participou da resistência à ditadura e que foi torturada pelos agentes do regime de terror instaurado no país, com o apoio da mídia monopolista. Parece-lhes insuportável moralmente e de fato o é. A figura de Dilma é para eles uma acusação permanente, pela dignidade que ela representa, pela sua trajetória, pelos valores que ela representa.

Onde estava cada um em 1964? Essa a questão chave para definir quem é quem na democracia brasileira.

15 comentários em “Onde você estava em 1964?

  1. Politicamente este assunto já poderia está no histórico passado, de um Brasil conturbado, pros e contras houveram, mas acontece que uma guerrilheira da época está no presente concorrendo para abraçar a soberania nacional, logo o futuro do Brasil também já respira no presente. Onde estava DILMA MÁ em 1964? Todos sabem.

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    1. Enfrentar uma ditadura com o risco de sacrifício da própria vida, sem dúvida, é uma atitude digna, heroica etc, merecedora, inclusive, de reparações no plano moral e material. No entanto, tal não constitui salvo-conduto, autorização, permissivo, imunidade para a eventual prática de indignidades e malfeitorias posteriores.

      Com efeito, dentre outras, na atualidade também ostentam plena cabida as seguintes perguntas: onde estava a Dilma quando a Erenice e sua ávida parentada fazia e acontecia traficando influência à frente da Casa Civil? Ou por outra, onde estava o Lula, quando o Delúbio, o Dirceu, o mister Land Rover, dentre outros, se dedicavam a implamentar o mensalão, ou quando o Lulinha,como que num passe de mágica, fazia a incrível mobilidade social da classe “c” para a classe “a”, para a elite empresarial?

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  2. Na decada de 40, segundo C. Lacerda, Afonso Arinos alertava os correligionários para abordagens de outros temas políticos além da Ditadura Vargas que apodrecia. De 64 para 010, muita coisa surgiu e apodreceu. Num periodo menor houve sangue, dores e lagrimas e houve também muito “aproveritamente político”. Aliás, até hoje tem gente tirando proveito (e bom proveito) com as reinvicações indenizatórias. Alguns são merecedores.

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  3. Os textos do mestre Sader sempre lavam a alma daqules que na juventude (e alguns mantém até hoje essa postura) sonharam com um país mais inclusivo, justo, solidário e com políticas redistributivas – afinal um Brasil mais igualitário.
    Tavernard. Ainda bem que vc reconhece, pelo menos, que alguns são merecedores. Uma boa parte do teu pessoal (a turma que se considera apolítica) acha que ter sido “guerrinheiro”, nos anos 70, seria algum demérito.
    Viva os combatentes pelas liberdades democráticas de ontem, de hoje e do amanhã!!!
    No Pará, onde estavam nos anos de chumbo os atuais defensores do Jatene, do Flexa Ribeiro, do Mario Couto, do Giovanni Queiroz etc etc?

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    1. Caro Vicente, Sader foi cirúrgico na abordagem desse capítulo histórico incômodo para a Folha e os Frias. Como vivemos num país desmemoriado, há quem já tenha esquecido o papel nefasto dos colaboracionistas do regime militar.

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  4. Vejo que no teu Blog, Gerson, tem os comentaristas de carteirinha. O problema que vejo, é que boa parte deles se dizem apolíticos, o que você sabe que não é verdadde. São, infelizmente, conservadores, às vezes até de extrema direita, facistas talvez até sem saberem. O povo brasileiro teria que se ougulhar dos que deram a vida ou que sofreram torturas: palmatória nas mãos e nas costelas, choques elétricos, “telefone”, pancadas na cabeça, queimaduras com cigarro e outros tipos de castigo dados pelos animais sanguinários que achavam que comunismo ou socialismo é coisa do demonio.
    A Dilma, assim como o Lula e tantos outros brasileiros que foram vítimas da ditadura militar, na verdadesão herois, porque deram pate de sus vidas, de sua uventude em prol de um democracia que alguns “apolíticos” vivem hoje e não sabem como se conseguiu. Um abraço e desculpe se foi longo comentário.

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  5. Vejo que no teu Blog, Gerson, tem os comentaristas de carteirinha. O problema que vejo, é que boa parte deles se dizem apolíticos, o que você sabe que não é verdadde. São, infelizmente, conservadores, às vezes até de extrema direita, facistas talvez até sem saberem. O povo brasileiro teria que se ougulhar dos que deram a vida ou que sofreram torturas: palmatória nas mãos e nas costelas, choques elétricos, “telefone”, pancadas na cabeça, queimaduras com cigarro e outros tipos de castigo dados pelos animais sanguinários que achavam que comunismo ou socialismo é coisa do demonio.
    A Dilma, assim como o Lula e tantos outros brasileiros que foram vítimas da ditadura militar, na verdadesão herois, porque deram pate de sus vidas, de sua uventude em prol de um democracia que alguns “apolíticos” vivem hoje e não sabem como se conseguiu. O texto do professor Sader é de extrema sabedoria. Um abraço e desculpe se foi longo o comentário.

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    1. Tenho a mesma opinião, meu caro Marcos. Pessoas como Dilma lutaram heroicamente durante os anos de chumbo e são responsáveis pelas mudanças que transformaram o Brasil num país um pouco melhor. Deram demonstrações inequívocas de fibra e coragem. Mas, por respeito à diversidade de pensamento, temos que conviver com aqueles que pensam diferente.

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  6. Meu caro Vicente qual é o “meu pessoal ” a que vc se refere ? O ” meu pessoal” talvez vc não conheça. A minha ausencia de militância não significa vazio politico-.Sempre tive alinhamento ideologico independente de engajamento politico-partidário. Nunca fui militante festivo e nem inocente util e com isso evitei ser massa de manobra e esforcei-me para não ser um atemporal. Vicente, até a estupidez pode mudar, tornando-se menos tacanha.

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  7. Vicente, mais ainda. Não apenas reconheço os méritos reinvindicatórios de alguns como presto respeito a muitos outros lutadores que, hoje, caminham pela mangueirosa sem o reconhecimento público da contribuição que deram à luta pela redemocratização do nosso país. Fico por aqui.

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