De Mané Garrincha aos dias de hoje…

Por Gilmar Ferreira

O trecho que reproduzo faz parte de uma longa entrevista concedida pelo casal Mané Garrincha e Elza Soares ao pessoal do Pasquim, em 29 de outubro de 1969, onze dias após completar 34 anos. Dela participaram o cartunista Jaguar e os jornalistas Sérgio Cabral (o pai), Tarso de Castro, Luís Carlos Maciel e Millôr Fernandes. O “anjo das pernas tortas” tentava prolongar no Flamengo a carreira que já não exibia o brilho de sempre – ficou um ano na Gávea e, com a camisa rubro-negra, foram dez partidas e quatro gols.

Agora leiam, reflitam e, se acharem necessário, comentem – qualquer semelhança com os casos atuais é mera coincidência.

Tarso de Castro – Você bebe, Garrincha?

Garrincha – Todo mundo diz que jogador de futebol bebe. Mas quem é nesse de hoje que não bebe? O negócio é saber beber, não é verdade? Todo mundo bebe. Eu não vou mentir pra vocês que não gosto de tomar um negocinho qualquer: gosto! Mas é um troço assim, limitado.

Tarso de Castro – Acontece que tem gente que diz que sua carreira foi cortada pela bebida?

Garrincha – Hum, olha; eu fico até feliz de dizerem que eu bebo demais. Porque ninguém nunca viu. Primeiro, porque eu não gosto de sair de casa para beber em lungar nenhum. Segundo, porque ninguém nunca me viu mais assim ou menos assim. Terceiro, falam porque é Garrincha e porque bebe; mas hoje eu sei que jogadores aí vão à Escola de Samba e ficam bêbados – e ninguém fala nada. Mas o Garrincha não pode nem tomar um negocinho… é engraçado. Eu não posso nem nem ir a uma boate com minha crioula, porque, se vou e fico até meia-noite, no outro dia o jornal já diz: Garrincha na boate, como é que pode jogar futebol assim? Agora, não tenho contrato com ninguém, não dependo de ninguém. Vou aonde eu quero, não é verdade?  Se vou com ela, é porque tenho de acompanhar minha esposa. Se eu quiser beber, o dinheiro é meu, ninguém tem nada com isso. Mas ninguém me vê beber demais, não gosto; quem fala mal de mim é porque tem língua grande demais, não é verdade? Só não quero que falem da minha vida, da minha esposa e tudo isso. Sabe o que me disseram outro dia e está certo? Garrincha, falam mal de você porque está vivo, no dia que morrer ninguém mais fala de você.

Sérgio Cabral – É verdade que você não pode jogar mais porque tem uma atrofia incurável no joelho?

GarrinchaPergunte aos médicos, o do Flamengo, o dr. Hílton Gosling, etc. e veja as radiografias. Nunca tive nada no meu joelho, a única coisa foi a operação que eu fiz. O resto foi a imprensa que inventou. Não tenho nada disso.        

Manoel Francisco dos Santos, o Garrincha, saiu de cena no dia 20 de janeiro de 1983: tinha artroses nos dois joelhos e o fígado consumido pelo álcool. De minha parte, analisando o final trágico da história deste rico personagem, ficam apenas duas tristes e indignadas constatações: a imprensa é sempre a culpada, e os jornais, os mentirosos.

8 comentários em “De Mané Garrincha aos dias de hoje…

  1. Garrincha como jogador nunca desmentiu e dasacreditou o torcedor e nem a imprensa. Era generoso e ingênuo até pelo baixo nível de escolaridade. No auge financeiro ajudou a muitos e sempre foi extorquido por muitos em todos os sentidos. A entrevista do texto acima é uma prova que Tarso de Castro e Sérgio Cabral buscavam confirmações da vida particular do atleta, ao meu ver fora de suas alçadas, lembrando que eles são a imprensa. Se a Imprensa se contesse a propagar somente o óbvio, não teria motivos para se sentir injustiçada. Jogador joga e o que faz fora de campo é vida privada, vai da consciencia de cada um seguir o caminho certo. O Drama de Garrincha como qualquer outro exigia ajuda sem estardalhaço, sem exposição. Já li outros artigos que citavam uma rivalidade entre ele e Pelé pela fama, coisa que Garrincha nunca se importou.

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    1. Berlli, é preciso entender a coisa em seu devido contexto. O veículo em questão era o Pasquim, a bíblia da irreverência e do escracho. Tarso, Jaguar, Millôr e Sérgio Cabral eram a antítese do politicamente correto e, nesse entrevistão que o Pasquim tornou célebre, o charme estava nas perguntas incomuns, instigantes. A histórica entrevista da Leila Diniz só teve importância porque foi feita nesse estilo, sem reservas ou censuras. Quem aceitava ser entrevistado tinha plena consciência disso. O que o Gilmar arremata no comentário é a mania fácil de atribuir qualquer informação negativa à imprensa. A história normalmente confirma depois quem tinha razão. Foi assim, infelizmente, com Garrincha.

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  2. Infelizmente, meu caro Gerson, a imprensa tem grande parcela de responsabilidade, não sobre o que jogou ou deixou de jogar Mané. Mas, sobre o enfoque dado à notícia quando o assunto era Garrincha.
    De 1958 até 1963, ele jogou muita bola e bebia seus tragos, no entanto, o que as revistas de fofocas ressaltavam era a sua crueldade em abandonar a esposa para viver um romance com uma cantora negra e de comportamento à frente de sua época. Poucos, ainda, eram os que alertavam que , até mais que a bebida, eram as injeções no joelho para jogar pelo Botafogo em excursões pela Europa responsáveis pelo abreviamento de sua carreira.
    Tudo, infelizmente, tratado como se espetáculo fosse, alheio a tragédia que se abateu sobre várias pessoas e privou o Brasil de curtir um pouco mais o seu genial Chaplin. Uma pena!

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    1. Jorge, discordo por completo quanto à responsabilidade da imprensa sobre o que ocorreu com Garrincha. A imprensa não inventava os problemas envolvendo Mané, Elza & cia. Se inventasse teria sido desmoralizada rapidamente. Existiam problemas, muitas vezes ocultados para “proteger” o ídolo. O tempo mostrou que esse tipo de paternalismo não o ajudou, muito pelo contrário. O livro de Ruy Castro, definitivo sobre Garrincha, comprova que a verdadeira legião de aproveitadores e falsos amigos que cercava o jogador tem muito a ver com sua derrocada. E que dirigentes inescrupulosos lesaram o genial ponteiro em inúmeros contratos de gaveta. No mais, acho das mais oportunas a comparação com os problemas de Adriano. A entrevista, feita há tantos anos, mostram que os ídolos continuam com pés de barros e têm suas peraltices acobertadas pela cartolagem – até certo ponto e enquanto é de sua conveniência.

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  3. Os problemas clínicos do joelho foram quem abreviaram a carreira do jogador como craque de futebol que era quando mais jovem. O alcoolismo foi coadjuvante no processo. Este existiu, existe e sempre existirá na vida de quem ingere álcool e é predisposto a doença etílica. E no tempo de garrincha, se não estou equivocado, 1 garrafa de cachaça era incluída para o cálculo da cesta básica do brasileiro, não sendo o alcolismo à época considerado doença. Lógico que o álcool contribuiu para sua derrocada, porém, a imprensa explorou bastante os momentos melancólicos e de desgraça, vividos pelo ídolo.
    Se hoje em dia, com todo conhecimento e esclarecimento, até o Dunga faz propaganda de bebida alcoolica, imagine naquela época.

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