Parlamento do Mercosul aprova declaração sobre “golpe de Estado na Bolívia”

Do Blog do Sakamoto

O Parlamento do Mercosul (Parlasul) aprovou, nesta segunda (11), declaração em que “rechaça o golpe cívico-militar em curso no Estado Plurinacional da Bolívia contra o governo democraticamente eleito do presidente Evo Morales” e  declara que não reconhece “qualquer regime surgido de golpe de Estado”. Órgão legislativo da representação civil dos Estados-parte do Mercosul, o Parlasul está localizado em Montevidéu, Uruguai, e atua em matéria de interesse comum à integração regional.

Representantes brasileiros são escolhidos entre deputados e senadores, no Congresso Nacional, enquanto a Argentina e o Paraguai já realizam eleições diretas para preencher as vagas. Apesar das decisões do Parlasul serem vinculantes, ou seja, de cumprimento obrigatório, a declaração é de natureza política e não deve orientar as decisões internas dos países do bloco. A maioria dos parlamentares à direita no campo ideológico participaram dos debates, criticaram a interferência das Forças Armadas, mas foram contrários a chamar o caso como “golpe”. Tentaram esvaziar o quórum, mas a votação foi aprovada pelo plenário.

“Os graves atos de violência desencadeados nos últimos dias na Bolívia, onde a ordem institucional democrática foi quebrada ao assumir diretamente a promoção de uma onda de violência política que põe em risco milhares de vidas tendo as Forças Armadas e policiais convocado  abertamente a insubordinação para depor o presidente Evo Morales pela força”, afirma a declaração. O texto demanda a proteção à vida de Morales, que renunciou ao cargo após ser pressionado pelas Forças Armadas e a polícia, e as de representantes de poderes Executivos e Legislativo e suas famílias.

Através da declaração, o Parlasul reitera a plena vigência do Protocolo de Ushuaia – que trata do compromisso democrático no Mercosul, na Bolívia e no Chile. E afirma que, se necessário, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Parlamento do Mercosul pode se constituir como espaço institucional para receber e tratar as denúncias de violação aos direitos humanos dessa “ruptura da ordem democrática”. A declaração também critica o que chama de “estratégia de violência política extrema instrumentalizada por milícias privadas com a cumplicidade de comandos militares e policiais contra integrantes do governo e suas famílias”.

Durante a onda de protestos que tomou o país por conta da suspeita de fraudes nas eleições presidenciais, entre grupos pró e contra o governo, casas de ministros e de familiares de Morales foram incendiadas. “É fundamental que todos que defendem as liberdades democráticas se manifestem contra o golpe”, afirmou ao blog a deputada federal Fernanda Melchiona (PSOL-RS), que tem assento no Parlasul e participou da deliberação.

“Forças reacionárias estavam articulando um golpe na Bolívia mesmo com Evo Morales tendo aceitado a orientação da OEA [Organização dos Estados Americanos] e chamado novas eleições. Houve uma ação declaradamente golpista dos chefes das Forças Armadas exigindo a renúncia, além de ataques sistemáticos, com queima de casas de lideranças. Nosso papel é convocar o apoio das forças democráticas.”

Segundo ela, há uma uma reação diante da contestação do neoliberalismo na América Latina: “Eleições na Argentina, manifestações no Chile, eleições na Colômbia, lutas no Peru. Na Bolívia, essa reação se organizou e usou da violência, o que é muito grave.” Avalia que a desastrada declaração de seu colega de Câmara, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ao defender um novo AI-5, caso a esquerda se radicalize, vai no sentido de se alinhar a essa reação.

Após pressão de setores das Forças Armadas e da polícia, o presidente Evo Morales renunciou, neste domingo (10). Ele estava enfrentando protestos de setores da sociedade civil após indícios de fraude nas eleições presidenciais. Confrontos e mortes, tanto de militantes contra ele como dos movimentos que o defendiam, estavam sendo registrados pelos país. Com a renúncia de outros membros de sua administração e do Legislativo, o país está sem governo neste momento.

Moro x STF

Por Helena Chagas

Para quem almeja uma nomeação para o Supremo Tribunal Federal, o ex-juiz Sergio Moro está se arriscando muito. Primeiro, apoiando a pressão sobre o Congresso para votar logo as PECs que restabelecem a prisão após condenação em segunda instância, extinta pelo Supremo semana passada. É uma posição que nem Jair Bolsonaro encorajou-se a tomar. Segundo, ao entrar de forma desabrida no bate-boca com o ex-presidente Lula, chamando-o de “criminoso”. Temos hoje um impensável debate público entre juiz e condenado, deslocado da esfera judicial para a arena política. E quem tem a perder com isso é Moro.

O juiz ficou no passado, e o que temos agora é o ministro Sergio Moro, engajado na estratégia do chefe de enfrentar o petista. O problema, porém, é que a Segunda Turma da Corte Suprema do país tem em mãos um processo em que vai julgar sua conduta como magistrado. É o habeas corpus em que a defesa de Lula questiona a imparcialidade de Moro como juiz na condenação ao ex-presidente.

A ação foi ajuizada logo após a nomeação de Moro por Jair Bolsonaro para a pasta da Justiça e, no início, era considerada meio fraquinha por advogados e observadores do STF. Ganhou substância e argumentação com a revelação das conversas entre procuradores da força tarefa, o então juiz e outros personagens, pelo site The Intercept e outros veículos da imprensa. Agora, sem dúvida adquire mais força num cenário em que ex-juiz e réu duelam politicamente. Como Moro vai comprovar sua imparcialidade em relação a Lula?

A decisão da Segunda Turma, adiada sucessivas vezes, perdeu a urgência alegada pela defesa mas não ficou prejudicada. O ministro Gilmar Mendes, que está com o processo, prometera levá-la a julgamento ainda neste mês de novembro, e as apostas de quem conhece o STF eram de que o pêndulo – o decano Celso de Mello, o quinto e ainda desconhecido voto da Turma – estaria se inclinando a favor do ex-presidente. Talvez não para anular, de cara, a sentença de Moro no caso do triplex – mas, no mínimo, para suspendê-la até que se faça uma perícia e uma investigação sobre as mensagens.

Isso equivaleria a deixar Lula, agora livre, também elegível, ao menos enquanto durasse o processo. No fim da semana passada, alguns duvidavam que o sempre cauteloso STF viesse a julgar esse caso em seguida à libertação de Lula pela decisão relativa à segunda instância. Agora, porém, há quem acredite que a posição desafiante de Moro tenha irritado os ministros e acirrado os ânimos.

Outra constatação meio óbvia: o STF está saindo do horizonte futuro do ministro da Justiça. Ele entrou na política e não sai mais – para o bem e para o mal.

Jesus veio ao Brasil estudar o São Paulo de Telê

Por Paulo Vinícius Coelho

O livro “Jorge, Amado e Desamado”, do português Luis Garcia, publicado pela editora Chiado, está à disposição em livrarias brasileiras. Seu texto rápido conta no primeiro capítulo a presença de Jorge Jesus, na Catalunha, para acompanhar semanas de treino de Johan Cruyff. Chegou ao ídolo e craque da seleção da Holanda por meio de um amigo comum a Hristo Stoitchkov. Ficou na Catalunha durante um período da gravidez de sua mulher, Ivone, que deu à luz seu filho Mauro.

Pouco depois de passar pelo Barcelona, o livro conta que Jorge Jesus visitou o Brasil para estudar o São Paulo de Telê. Assistiu também às partidas do Palmeiras e do Corinthians.

Depois da leitura, este blog procurou a assessoria do Flamengo, para saber se a informação era de fato precedente. Jorge Jesus esclareceu que não teve contato pessoal com Telê Santana, mas esteve mesmo no Brasil, porque queria estudar e conhecer a forma tática de se jogar por aqui. Naqueles anos 1990, quando o Brasil era mais referência, antes do caso Bosman ter acabado com o limite de jogadores estrangeiros na Europa.

Jesus passou um período aqui, para estudar futebol brasileiro. O São Paulo de Telê nunca foi um primor tático, muito mais do ponto de vista da formação de jogadores. Mas fez parte da formação do, à época, candidato a grande treinador que era Jorge Jesus.

Respeito ao jogo e à plateia

POR GERSON NOGUEIRA

Fiquei anotando e registrei que o maior clássico do futebol inglês teve, ontem, quase 65% minutos de bola rolando, índice considerado até modesto para os padrões da Premier League. No Brasil, partidas da Série A patinam em percentuais anêmicos que variam entre 45% e 50% de tempo de bola, com jogos marcados por paralisações e muita cera.  

Na prática, o que o exemplo inglês traz de educativo para o futebol praticado no Brasil é a preocupação com a qualidade do pacote oferecido ao torcedor, principal cliente e fiador do negócio todo. Significa respeito a quem, em última análise, banca o circo.

Liverpool e Manchester City buscaram com afinco a vitória. Melhor time da Europa, talvez do mundo, o Liverpool empreendeu uma pegada avassaladora nos primeiros minutos. Rapidamente construiu um resultado confortável. Aos 13 minutos, já vencia por 2 a 0. Entrou na reta crítica do confronto ganhando por 3 a 0, com o gol de Mané aos 6’ do 2º tempo.

Nem assim, com o boi na sombra, desistiu de querer mais. Atacava com a mesma constância e qualidade, sustentado pelo afiado entendimento do trio ofensivo Mané, Salah e Firmino, tarefa exponencialmente facilitada pela impecável atuação do volante-meia Fabinho, gigante nas jogadas pelo meio e autor do belíssimo primeiro gol.

O City, de Pep Guardiola, pareceu desconcertado com a firme postura dos donos da casa, mas não se aquietou com o placar aparentemente definido. Os 30 minutos finais tiveram presença permanente dos avançados Sterling, Aguero (depois Gabriel Jesus) e Bernardo Silva, criando um cerco à área vermelha que raros times costumam armar em Anfield.

Com tanto empenho em reduzir o placar, Bernardo Silva fez o gol de honra (e que gol!) após avanço de De Bruyne pelo lado esquerdo. Por alguns poucos minutos, o City ainda rondou a área quase obtendo o segundo gol, mas o Liverpool soube fechar a avenida criada no lado direito da defesa e conduziu as coisas a bom termo até o final. Um jogão.

Como de hábito, chama atenção a solidez tática do Liverpool, que no Brasil só encontra alguma semelhança com o Flamengo, que procura jogar sempre do mesmo jeito ofensivo em qualquer campo. O time de Jürgen Klopp não desafina, nem apoia seu desenvolvimento de jogo apenas no trio ofensivo.

Tudo começa lá atrás, na segurança da zaga liderada por Van Dijk e vigiada por Wijnaldum. As saídas são bem articuladas, com passes certeiros. Não há firula na parte intermediária, só eficiência e rapidez.

Há muito a ser observado (e aprendido) no futebol proposto pelos técnicos europeus da nova geração. Klopp e Guardiola são estudiosos, obcecados por treinos setorizados, com repetição exaustiva de movimentos e simulação de cenários de jogo. O que os times mostram em campo reflete maravilhosamente essa humilde dedicação aos métodos de aperfeiçoamento.

Novo comandante azulino prestes a ser anunciado

Depois das conversas iniciais entre diretoria e o executivo Carlos Kila encaminharam o perfil do técnico a ser contratado pelo Remo para a temporada 2020. Uma coisa ficou bem posta: não há espaço para treinador conservador e excessivamente cauteloso. A diretoria quer um time que proponha jogo e não se intimide nunca.

Fica claro que a jornada ruim no trecho final da fase classificatória da Série C teve efeitos profundos na reformulação do futebol azulino para o próximo ano, a começar pelo executivo.

Rogerio Zimmermann, Sérgio Soares e Moacir Junior são os nomes mais especulados. Nenhum deles conhece o futebol paraense, mas todos têm currículo respeitável. A escolha deve ser anunciada até quarta-feira.

Brasileiros são as novas vítimas do ódio na Europa

Depois das manifestações racistas na Bulgária durante jogo entre as seleções búlgara e inglesa, pela fase classificatória da Eurocopa 2020, a reação imediata das autoridades do país foi no sentido de amenizar os cantos agressivos e os sons de macaco que vinham das arquibancadas para insultar jogadores negros do time britânico.

Logo em seguida, a Uefa se manifestou dando uma espécie de puxão de orelhas na federação búlgara, mas sem qualquer punição prática, o que foi visto como uma passada de pano que só agrava o clima de racismo e neonazismo no continente.

Na semana passada, o atacante Balotelli foi alvo de xingamentos no jogo do Brescia (seu time) com o Verona. Revoltado, ameaçou sair de campo em sinal de protesto, mas foi contido até por jogadores do Verona. Depois de se recompor, deu a resposta em campo marcando um golaço.

O mais absurdo é que o jogador foi criticado publicamente por uma torcida do Brescia, a neofascista Ultras 1911, que recomendou que ele ficasse calmo e suasse a camisa. O texto atribui o incidente ao nervosismo do jogador e tenta diminuir o ato discriminatório da torcida do Verona.

Ontem, dois brasileiros sofreram na pele mais um episódio de racismo no futebol internacional. Os atacantes Dentinho e Taison, do Shakhtar Donetsk, ouviram fortes insultos raciais no clássico ucraniano contra o Dínamo de Kiev.

Os dois deixaram o campo chorando recebendo o apoio de companheiros de equipe, sendo que Taison ainda foi expulso por gestos de revolta dirigidos aos torcedores racistas.

Há uma crescente infiltração de grupos de extrema direita em torcidas de clubes europeus, com ênfase para manifestações na Itália, Espanha e países do Leste Europeu. A situação é tão grave que a Fifa vive fazendo campanha atrás de campanha, sempre de perfil educativo e sem muito resultado prático.  

A saída mais indicada para conter a onda de intolerância e ódio seria a adoção de medidas punitivas, como o banimento de times e federações. Para isso, porém, é preciso ter pulso firme e vontade política. O problema é que as entidades que comandam o futebol não parecem dispostas a comprar essa briga.   

(Coluna publicada no Bola desta segunda-feira, 11)

O que está acontecendo na Bolívia?

Por Ana Prestes

Golpe. A onda de restauração conservadora chegou na Bolívia. Não de forma muito diferente de como tem se manifestado na América Latina desde o Golpe em Honduras em 2009, mas com um componente de violência acentuado. Não se trata de um golpe jurídico parlamentar como se deu no Paraguai e no Brasil, tem mais semelhança com a onda de violência e desestabilização que abalou a Nicarágua em 2018 ou com a tentativa de sequestro de Correa, no Equador em 2012 ou ainda com o golpe de 2002 na Venezuela, quando os opositores tomaram meios de comunicação e incendiaram as ruas.

Mas vejamos como chegamos a esta situação em que hoje, 10 de novembro, após ter sido vitorioso no pleito eleitoral de 20 de outubro, Evo Morales, presidente da Bolívia, anuncia que o parlamento boliviano renovará os cargos dos juízes do Tribunal Eleitoral, por ter competência para fazê-lo, e novas eleições gerais serão convocadas, anulando-se assim os resultados de 20 de outubro. Horas antes do anúncio, a OEA havia se manifestado não reconhecendo o pleito após realização de auditoria da contagem dos votos. Na prática, a OEA, através de Luís Almagro fez seu papel, tal e qual nos outros países golpeados.

Em que contexto econômico nacional se deu o pleito de 20 de outubro?

As eleições na Bolívia se deram o apagar das luzes da segunda década do século XXI. Duas décadas marcadas por muitas transformações na América Latina. Um período em que se viveu o chamado ciclo de governos progressistas iniciado com a Eleição de Chávez como presidente da Venezuela em 1998 e seguiu vigoroso até a primeira derrota eleitoral importante, a de Cristina Kirchner na Argentina em 2015. Nesse meio tempo houve vários intentos de golpe e pelo menos dois com sucesso para os conservadores, em Honduras e no Paraguai. De 2015 pra cá a onda de restauração conservadora tomou mais corpo, especialmente como golpe no governo Dilma no Brasil e a eleição de Bolsonaro.

Evo chegou perto de ser eleito pela primeira vez em 2002, quando ficou em segundo lugar nas eleições de modo surpreendente para um país de sucessivos governos oligárquicos. Nas eleições de 2005 ele venceu com maioria absoluta, tornando-se o primeiro presidente de origem indígena. Quando Evo assume a presidência a Bolívia possuía um PIB de 5 bilhões de dólares e uma dívida externa de igual valor. Já ao final de 2005 o PIB estava na casa dos 9 bilhões e em 2018 de 40,8 bilhões de dólares. Os governos dos “terratenientes” que o antecederam se ocupavam de utilizar o Estado para maior acúmulo de riqueza para si e os seus. Em 14 anos o governo Evo multiplicou em 8 o PIB do país.

Uma das principais chaves da nova economia foi a mudança no trato com os recursos naturais, em especial nos setores agropecuário, mineiro, energético e de hidrocarbonetos. Com uma profunda nacionalização através da recuperação de empresas estratégicas, além do investimento misto, junto ao setor privado, na atividade econômica levada por pequenas, médias e grandes empresas. Na paralela, refundaram politicamente o país e alterando o perfil de um Estado colonial para um Estado Plurinacional, com especial atenção ao movimentos indígenas e de mulheres. O resultado foi que um país que tinha 78,2% de pessoas na extrema pobreza, passou a ter menos de 15%, estabilizou em um crescimento de 4% ao ano e chegou a um pib per capta de 4 mil dólares, quando era de 900 dólares.

A Bolívia é um país que enfrentou 193 golpes de Estado no período que vai desde os tempos de Bolívar e Sucre, heróis independentistas, em 1825, até 1982. Estabilidade política não é o comum no país, muito pelo contrário. E mais, instabilidade política sempre acompanhada de muita violência. De 84 governos, 32 foram levados por ditadores. O Palácio de Quemados, sede da presidência e do qual observamos nos últimos dias o amotinamento dos guardas palacianos contra Evo, tem esse nome por ter sido incendiado em uma revolta popular em 1860. Com Evo e Linera, portanto, nos últimos 14 anos, a Bolívia viveu um dos mais longevos períodos de estabilidade política desde a independência, se não foi o maior. Durante esse período houve um princípio de guerra civil em 2008, instada pelos mesmos golpistas de hoje, sediados em Santa Cruz, Chuquisaca e Tarija, na época também de El Beni e Pando.

Qualquer um que olhasse o cenário, de estabilidade política, crescimento econômico, extermínio da pobreza e melhora de outros indicadores socioeconômicos, poderia pensar que Evo levaria esta fácil. Com vitória arrebatadora. Ocorre que na política tudo são nuvens e quando você volta a olhar o céu, lá vem uma tempestade imprevista. A combinação da reorganização dos setores oposicionistas, animados com os ventos conservadores que vieram bater no continente (exemplo do Brasil) com a insatisfação de setores indígenas, por considerarem que Evo se aproximou demais do mercado e do agronegócio, os incêndios florestais pré-eleitorais e a não identificação de eleitores jovens (conhecemos esse filme) com o programa do MAS formou um cenário complicado para Evo. Por isso a vitória não foi avassaladora e capaz de fechar a fatura no primeiro turno. A estreita margem dos votos, principalmente do campo e meio rural, que garantiram os 10% de diferença entre Evo e Mesa foi o componente de tempestade perfeita que o imperialismo precisava para entrar com a intrometida colher da OEA e abrir as portas para o golpe.

Impacto das queimadas

Um ponto importante do cenário e contexto pré-eleitoral foi o das queimadas florestais que alarmaram a Bolívia, em especial na Chiquitania, no mesmo período em que aqui no Brasil enfrentamos as queimadas na região da Amazônia. Enquanto aqui no Brasil o governo Bolsonaro fazia vista grossa para as queimadas, batia boca com Macron e rasgava dinheiro europeu, Evo foi pessoalmente para as áreas de queimadas, montou comitê de crise em barraca de campanha, pediu ajuda ao mundo inteiro, revelou tecnologias que poucos conhecíamos ao receber aviões tanque e outros tipos de apoio.

Seria impossível no entanto que as queimadas não chamuscassem também a candidatura de Evo e dessem de bandeja argumentos para a oposição alvejar o líder indígena. Foram cinco as mortes decorridas do enfrentamento ao fogo, 4 bombeiros e um camponês, quatro milhões de hectares consumidos pelo fogo, sendo 12 áreas protegidas com grande biodiversidade de fauna e flora. Tudo isso justamente em Santa Cruz, sede do golpismo anti-Evo.

As eleições

No dia 20 de outubro, mais de 7 milhões de eleitores estavam aptos a votar, tanto no país como no exterior (341 mil puderam votar fora do país). O pleito escolheria 1 presidente e seu vice-presidente, 130 deputados e 36 senadores para o mandato de 2020 a 2025. Para vencer e levar a presidência na Bolívia um dos candidatos deve fazer mais de 50% dos votos ou no mínimo 40% com uma diferença de 10 pontos percentuais a frente do segundo mais votado. Caso contrário, há segunda volta. Os principais adversários de Evo (47,08%) foram Carlos Mesa (Comunidad Ciudadana) com 36,51%, Chi Hyun Chung (Partido Democrata Cristão), com 8,83% e Óscar Ortíz (Bolivia dice No), de Santa Cruz, preferido dos EUA, com apenas 4,26%.

Quatro dias antes da eleição, Evo recebeu uma delegação da OEA na Casa Grande do Povo e logo manifestou via twitter: “Damos as boas vindas à delegação de observadores da OEA que acompanham as eleições na Bolívia para verificar a transparência e legalidade do processo eleitoral”. A OEA enviou 92 observadores para as eleições bolivianas, sendo que parte desses se deslocou para acompanhar as votações em São Paulo, Buenos Aires e Washington. Apesar da receptividade com a OEA, que sabemos bem a serviço de quem anda “observando” os governos latino-americanos, a bandeira branca de Evo não funcionou muito e a violência se instalou já nos dias prévios às eleições. O encerramento da campanha do MAS em  Santa Cruz foi um exemplo do que estava por vir.

Passado o domingo 20, enquanto ainda se fechava o escrutínio das cédulas foram queimados os escritórios do Tribunal Eleitoral Departamental de Potosí e juízes eleitorais foram agredidos em Tarija, Chuquisaca, Oruro e La Paz. Foi derrubada uma estátua de Hugo Chávez em Riberalta e outros atos de vandalismo se instalaram pelo país.

Os atos violentos tinham um conteúdo racista bastante particular da Bolívia, além de profundamente antidemocráticos. Enquanto isso sabe-se que funcionários o Departamento de Estado dos EUA que estão na Bolívia, Mariane Scott e Rolf Olson, mantiveram reuniões com diplomatas do Brasil, Argentina, Paraguai, Colômbia, Espanha, Equador, Reino Unido e Chile para coordenar um não reconhecimento dos resultados eleitorais. A OEA impôs uma auditoria e concluiu que “embora sem fraudes, o processo foi impreciso”, tradução = não reconhecemos a vitória de Evo.

Dali em diante todos já conhecíamos o filme. O cenário do golpe estava montado: violência nas ruas, não reconhecimento do processo eleitoral por parte dos países da região, raposa instalada dentro do galinheiro: OEA. Só faltavam alguns elementos essenciais para a efetivação do golpe: forças de segurança e meios de comunicação. E foi justamente o que vimos nos últimos dias, amotinamento de forças policiais e tomada de rádios e tvs a força pelos golpistas. Há que se dizer que o papel dos militares foi dúbio, mas há informações de que o próprio Evo decidiu não colocar o Exército nas ruas para não incrementar a violência e dar mais argumentos aos golpistas.

O golpe

No dia de hoje Evo fez um pronunciamento que para uns soou como coragem e para outros como rendição. A ver o que a vida mostrará nas próximas horas. Anunciou aceitar o resultado da auditoria da OEA e a convocação de novas eleições. Além de sua anuência para que o parlamento troque os juízes do Tribunal Superior Eleitoral. Resta saber se as novas eleições terão entre os concorrentes Evo Morales, o presidente que tirou a Bolívia da situação de eterna colônia e deu a seu povo dignidade e oportunidade de desenvolvimento, nunca vistos naquele país. Enquanto escrevo já são noticiadas as novas chantagens golpistas e entre elas está o pedido de renúncia de Evo para que o país se pacifique. Evo apostou na paz, resta saber se isso basta para interromper a guerra.

De todo modo, ele marcha suportado pela solidariedade de todo um continente que sabe o gigante que ele é. Fuerza, Evo.

Golpe na Bolívia é uma trama de machistas inspirados em Bolsonaro

Por Moisés Mendes

O golpe na Bolívia é mais do que uma trama contra as esquerdas, os indígenas e os pobres que estavam deixando de ser pobres.

É um golpe contra as mulheres. A direita ataca o poder real e institucional das mulheres da Bolívia.

O golpe boliviano é a grande obra do bolsonarismo latino-americano contra os avanços do poder feminino na representação política.

A Bolívia tem a maior presença feminina num Congresso em democracias ocidentais. Agora, uma ex-democracia em que até a presidente do Senado foi obrigada a renunciar.

Por isso esse foi mais do que um golpe sustentado por americanos, militares traidores e fundamentalistas religiosos. É a trama de machistas inspirados em Bolsonaro.