Uma nação de videotas

POR THOMAZ WOOD JR., na CartaCapital

Executivos costumam reclamar, lamurientos, da passividade e da falta de iniciativa de seus funcionários. Diretores reclamam de gerentes, gerentes reclamam de supervisores e supervisores reclamam de analistas. A culpa é comumente imputada com frequência à tal da cultura organizacional, uma entidade etérea, com poderes mágicos.

A questão da cultura organizacional alimenta os sonhos e os pesadelos de gestores há três décadas. É vista quase sempre como panaceia capaz de explicar e resolver todos os males empresariais. Perdemos competitividade? Precisamos mudar a cultura! Nossa produtividade está estagnada? É um problema de cultura! Nossos lucros desapareceram e os concorrentes estão avançando? Culpa da cultura!

Estudiosos costumam definir cultura organizacional como um conjunto de pressupostos, criados e validados ao longo do tempo, que definem a forma como as pessoas se comportam, as decisões são tomadas e as ações são conduzidas. Em uma empresa, a cultura organizacional determina o certo e o errado e molda a forma de agir e gerir.

Os artefatos – o ambiente físico, os comportamentos e as práticas de gestão – são a parte mais visível da cultura, mas constituem somente a ponta do iceberg. O que verdadeiramente importa são os tais pressupostos básicos, nem sempre visíveis ou explícitos, que constituem a base do iceberg.

Cultura-organizacional

A perspectiva da cultura leva a perceber que toda organização funciona como uma tribo de habitantes de uma caverna, com costumes, rituais e comportamentos específicos. O que é normal para uma organização pode parecer excêntrico ou até mesmo absurdo para outra.

Nos anos 1980, ganharam notoriedade os estudos realizados por Geert Hofstede, que agrupou países de acordo com traços culturais dominantes. A abordagem caiu no gosto de acadêmicos, consultores e executivos, por ajudar a interpretar e explicar muitos comportamentos nas organizações.

O estudo de Hofstede revelou que o Brasil é um país com alta distância hierárquica (aceita a repartição desigual do poder) e elevada aversão ao risco (ansioso e inquieto diante de situações desconhecidas).

Ainda nos anos 1980, um estudo da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, revelou traços negativos da “gestão à brasileira”: predomínio da visão de curto prazo, desamor ao planejamento, centralização das decisões, tendência ao autoritarismo e delegação para cima, o impulso de empurrar as decisões mais relevantes e arriscadas para outrem.

De lá para cá, muita coisa mudou, mas alguns traços resistiram ao tempo. Em um texto publicado em 2015 no jornal Valor Econômico, Betânia Tanure, estudiosa da questão da cultura organizacional, conclama os locais a trocar a passividade pelo protagonismo.

A consultora refere-se a mais um traço da cultura brasileira, a postura de espectador. O traço manifesta-se, segundo a autora, de forma independente do nível hierárquico e reflete-se em comportamentos como passividade, baixa iniciativa e a tal da delegação para cima. Tanure atribui aquela característica à nossa longa convivência com o autoritarismo, cerceador da visão crítica e estimulador do conformismo.

Nos últimos anos, a questão da cultura organizacional voltou à moda. Empresas locais criaram e divulgaram listas de traços culturais desejáveis. Muitas dessas listas são vazias e inócuas, fruto das mentes de redatores criativos. Outras, entretanto, refletem desejos sinceros, quiçá ingênuos, de estimular mudanças.

As semelhanças entre as listas podem ser mais que coincidência. Nove entre dez relações contêm itens como capacidade de tomar a iniciativa, foco no resultado e protagonismo. Na mira, o combate à postura de espectador.

O consultor de cultura organizacional Eduardo Dal Lago trabalha há anos em um antídoto para a postura de espectador. Dal Lago observa que muitos executivos interpretam aquela atitude como falta de segurança para assumir responsabilidades ou pura preguiça.

Alguns optam por aumentar o nível de controle, o que piora o problema, pois estimula ainda mais a postura de espectador. O antídoto não é simples e envolve desligar o pensamento automático, que condiciona nossas atitudes e ações, desenvolver o pensamento crítico e alterar deliberadamente comportamentos, por meio da educação e da delegação. Desligar a tevê é apenas o primeiro passo. 

3 comentários em “Uma nação de videotas

  1. No Brasil, o capitalismo soa falso, afinal, para quê a livre iniciativa se não há iniciativa para investir em produção? A livre iniciativa aqui é entendida como liberdade para acumular riqueza sem ter que produzir. O valor social do trabalho é diminuído pelas elites, velhas exploradoras do proletariado. O capitalismo, no Brasil, não é um modo de produção, é só um modo de manter a distância dos pobres.

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  2. Pois é, caro Oliveira, todo discurso que vejo nas organizações apenas reforça a cultura da obediência cega, acrítica, e o próprio comportamento dos RH, que contratam “indicados”. Posso dizer que “indicados” de funcionários leais têm preferência aos indicados de funcionários eficientes, sinal óbvio de que empresas ainda valorizam mais obediência que eficiência, esperam mais do funcionário que se adapta rapidamente à “cultura” estabelecida que de um funcionário que pode mudá-la para torná-la mais competitiva. Isso também significa que nessas organizações muitos dos dirigentes estão mais preocupados com o próprio status quo, de manter determinada posição ante a situação social no ambiente de trabalho e na sociedade. É preciso pensar e agir como capitalista para concorrer no mercado da livre iniciativa, o que há muito pouco no Brasil.

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