POR MAURO CEZAR PEREIRA, do ESPN.com.br
Domingo, 23 horas, aeroporto de Belém. O time do Remo está prestes a desembarcar depois de vencer o Operário de Ponta Grossa na fase decisiva da Série D, quarta e última divisão do futebol nacional, 1 a 0. Enquanto os jogadores voam do Paraná ao Pará, milhares de torcedores aguardam, ansiosos, o desembarque de seus heróis.
Jogadores que sequer recebem em dia, como também acontece na primeira divisão, liderada pelo Corinthians e seus “direitos de imagem” sempre em atraso. Mas que a exemplo dos profissionais da Série A, passam por cima disso para colocar os remistas na terceira divisão, o que está próximo e terá enorme valor após anos de sofrimento.
“A expectativa é de lotação máxima no Mangueirão domingo, com renda de quase R$ 2 milhões”, informa o companheiro Alex Ferreira do Portal Arquibancada de Belém, se referindo ao jogo de volta, contra o Operário. O Clube do Remo caiu para a Série D em 2008, e ficou sem vaga na quarta divisão em 2009, 2011 e 2013. Isso mesmo, a classificação para este campeonato é obtida por intermédio dos Estaduais, e nestes anos os remistas não conseguiram a vaga paraense. Passaram mais de metade da temporada sem ter campeonato para disputar.
Um sofrimento para o torcedor, que vê o time querido arrancado de sua rotina, com elencos desfeitos e perspectivas inexistentes no curto prazo. Difícil encontrar cenário mais macabro. Apesar da campanha que deixa os azulinos a um empate do acesso, o clube está conturbado nos bastidores. “São quase três meses de salários atrasados.
A expectativa é pagar uma folha e meia com a renda, além de um empréstimo de R$ 250 mil que a diretoria precisou fazer”, acrescenta Alex Ferreira, sempre atento ao dia-a-dia dos times paraenses. No fim de 2014 uma nova diretoria foi eleita. A oposição chegou ao poder e montou um elenco caro para o momento, com folha de pagamento em torno dos R$ 600 mil. “Maior até que a do rival Paysandu, que já possuía calendário e quota de série B”, relata o jornalista. Resultado? Atraso e greve de jogadores.
O Remo também não conseguiu pagar acordos com a justiça do trabalho e agora tem 30% da renda bloqueada a cada partida. “Mas joga a sobrevivência e o resgate da própria dignidade”, define Alex. A diretoria se desfez. O vice renunciou ainda no primeiro semestre e logo depois o presidente foi afastado pelo conselho deliberativo. Ainda conseguiu voltar por uma liminar na justiça, mas a pressão foi grande e ele acabou entrando em licença médica até o fim do ano.
Uma junta governativa, encabeçada pelo presidente do conselho deliberativo, Manoel Ribeiro, toca o Remo enquanto isso. O acesso está próximo em plenos caos! Reduzida, a folha atual gira em torno de R$ 350 mil mensais, mas o diferencial é que este grupo é muito unido e está fechado com a causa. Os atletas querem recolocar o Remo numa divisão que lhe assegure a participação em um campeonato de âmbito nacional que ocupe boa parte do calendário em 2016, meta perseguida desde 2009.
O técnico é um motivador. Cacaio assumiu o comando no final de março. Ex-atacante, vestiu a camisa azulina em 1992 e 1993, mas é ídolo do Paysandu, onde participou do primeiro título de série B bicolor, em 1991. É o primeiro time de grande torcida que treina. Começou seu trabalho ainda no Parazão, em substituição a Zé Teodoro. A equipe estava quase eliminada. Veio a primeira reação. Conseguiu ser campeão paraense e foi vice da Copa Verde, eliminando o Paysandu na semifinal.
Mas é a torcida que carrega o time, que por uma punição fez três jogos da Série D em Paragominas. Já no Mangueirão, atraiu 55.525 dos cerca de 70 mil lugares disponíveis nas duas partidas em Belém. Mesmo atuando mais fora da capital do que na cidade, tem 11.827 de média, superior a Vasco, Joinville, Santos, Avaí, Chapecoense, Figueirense, Ponte Preta e Goiás, nada menos que oito (!) times da primeira divisão.
Três meses de salários atrasados e a um empate do acesso. São oito anos de sofrimento e uma torcida que não abandona o Remo. Pelo contrário, mostra mais força e fidelidade ao clube do que as de integrantes da chamada elite nacional. E isso tudo apenas para poder jogar o ano inteiro, ou quase. E vendo o rival, Paysandu, lutando pela subir da Série B para a Série A, que os remistas não disputam desde 1994.
Esse povo não vai aos jogos em busca de conforto, só pensando em fazer selfies e postar em redes sociais. Eles querem o Remo, amam o Leão e poderão fazê-lo subir. Se o clube não morre, é porque sua gente não deixa. É paixão pura. Religião! E ainda há quem chame futebol de “produto”. Perdoa-lhes, porque não sabem o que dizem.