
Por Jamari França
Há 50 anos, no dia 22 de novembro de 1963 (mesmo dia do assassinato do presidente John Kennedy), saía na Grã-Bretanha With The Beatles, LP da banda de Liverpool que, àquela altura, já tinha a ilha aos seus pés graças ao sucesso do LP de estreia, Please Please Me, lançado em 22 de março e ainda em primeiro lugar, e de três singles, Please Please Me, From Me To You e She Loves You. O disco saiu com encomenda de 250 mil cópias, o que desalojou o anterior do topo da parada, e foi a primeira vez que um LP saiu sem ser alavancado por um single de sucesso. Mais que isso, uma semana depois a banda lançou o single I Want To Hold Your Hand, que não estava no álbum, com um milhão de cópias previamente vendidas. O álbum passou de 500 mil nas 21 semanas em primeiro lugar.
Tudo isso era inédito na história musical britânica. Naquele ano, os Beatles deixaram de ser uma banda que tocava em clubes de Hamburgo, Alemanha, e num porão suarento em Liverpool, o Cavern, para se tornarem o maior nome do show business britânico. Executivos de gravadoras que menosprezaram aquele conjuntinho que vinha de uma cidade nortista ridícula, como encaravam Liverpool, inundaram a cidade dispostos a contratar qualquer banda, atrás dos novos Beatles (mal sabiam que a próxima grande atração estava nos arredores de Londres, The Rolling Stones).
(Antes do primeiro lugar de Please Please Me, quando George Martin anunciou numa reunião dos diretores da EMI e de seus selos que ia lançar uma banda de rock de Liverpool a gozação foi geral, não acreditavam no futuro de bandas e muito menos de Liverpool Como o selo Parlophone, de Martin, gravava discos de comédia sacanearam ele dizendo que era mais um de piadas. Os diretores da EMI e do selo Columbia haviam rejeitado os Beatles.)
Quando o single Please Please Me, lançado em 11 de janeiro, chegou ao primeiro lugar em 22 de março, a euforia foi geral, mas Martin temeu que fossem apenas banda de um sucesso só, como tantos outros nomes antes. Mas ele reconheceu a força do repertório deles quando produziu o primeiro disco, bem diferente do padrão vigente que era uma música de sucesso e um monte de faixas escritas por compositores profissionais. Os dois sucessos da banda àquela altura, o menor Love Me Do (número 18 nas paradas) e Please Please Me, eram composições originais. E o primeiro LP tinha oito músicas da banda e seis de artistas americanos pouco ou nada conhecidos na Inglaterra.
Em 1963 percorreram a ilha várias vezes de cima a baixo: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda, a princípio em caravanas de várias atrações como mais uma delas, mas o sucesso crescente os impulsionou para o topo da lista, ou seja, para fechar a noite. Até o famoso cantor americano Roy Orbison, estrela de uma das caravanas, se viu relegado ao segundo lugar.
Os contratantes se viram subitamente beneficiados com o fato de terem contratado os Beatles por cachês baratos quando pouco conhecidos, tipo 80 libras, e faturaram alto com o sucesso deles. Mas logo saíram sozinhos com cachês de 600 libras e subindo. Mesmo com a banda já valorizada, o empresário Brian Epstein não tentou renegociar, ele honrou os compromissos contratados a preços baixos. Os shows na época tinham no máximo 30 minutos e com frequência faziam dois numa noite.

A grande imprensa tomou conhecimento do fenômeno perplexa, sem entender nada. Quatro cabeludos com guitarras cantando músicas estridentes levavam garotas ao auge da loucura, berrando desesperadamente a ponto de encobrir o que tocavam. A música ouviam em casa, ao vivo o interesse era físico, nos quatro Beatles, de quem tentavam se aproximar a todo custo. As mais bonitas até podiam conseguir: roadies da banda sempre selecionavam algumas para levar ao hotel para serem traçadas pelos quatro e, às vezes, até mesmo em bastidores, banheiros ou qualquer canto disponível nos teatros e ballrooms.
A imprensa conservadora os via como maus exemplos, mas todos tiveram que se curvar depois da apresentação diante da nobreza no Royal Command Variety Performance (ver post anterior) a 4 de novembro. O Daily Mirror os saudou como “maluquinhos, barulhentos, felizes e elegantes”: “Eles são jovens e uma novidade. Nada daqueles cantores românticos com suas interpretações chorosas e rasas. Os Beatles são excêntricos, os cabelos são longos, mas bem limpos, e não precisam fazer piadas de mau gosto para agradar.”
Em 1963 visitaram apenas um país, a Suécia, com grande sucesso e tinham uma temporada marcada para o Olympia de Paris de 16 de janeiro a 4 de fevereiro de 1964 com oito outros artistas, incluindo a cantora Sylvie Vartan e o cantor americano de ascendência mexicana Trini Lopez. Assinaram um contrato para o primeiro filme, A Hard Day’s Night, a ser rodado no primeiro semestre de 1964 com cachê de 25 mil libras e os produtores queriam fazer logo para aproveitar o sucesso. Temiam que não durasse muito.
O segundo LP foi gravado a partir de abril nos intervalos entre uma turnê e outra. O repertório tinha sete canções de Lennon e McCartney, uma de George Harrison e seis de artistas americanos, alguns desconhecidos na Inglaterra, como o quarteto vocal feminino The Donays, do single Devil In His Heart que George Harrison conheceu e levou para o disco.
O disco anterior foi gravado num único dia. O segundo teve mais tempo para aperfeiçoar as canções, embora poucas tenham dado trabalho porque eram do repertório de estrada e foram rapidamente registradas. Houve casos como as duas sessões do dia 30 de julho, quando gravaram seis canções em 10 horas e meia e ainda saíram no começo da tarde para gravar o programa Saturday Club, da BBC. A gravação foi em apenas dois canais, mas usavam dois gravadores para abrir espaço para os overdubs (acréscimos de voz e instrumentos sobre o take final). As gravações foram no estúdio dois, edições e mixagens nos estúdios um e três da EMI.
Os Beatles usaram os mesmos instrumentos para quase todas as faixas do LP. John Lennon fez as bases com uma guitarra Rickenbacker 325, de 1958. Paul tocou seu baixo elétrico em forma de violino Hofner 500\1 de 1952 e o piano Steinway Vertegrand 1905 em Little Child. George Harrison a guitarra Gretsch Country Gentleman 6122, de 1962 e Ringo a bateria Black Oyster Pearl da Ludwig, de 1963. John usou o violão Gibson J160E, de 1964 e Harrison o violão José Ramirez Classical, de 1950, em Till There Was You. John tocou o violão Gibson J 160E, de 1952 em Not a Second Time. O produtor George Martin tocou o piano Steinway Vertegrand 1905 em Not A Second Time, Money e You Really Got a Hold On Me, além de órgão Hammond B-3 em I Wanna Be Your Man. John usou amplificadores Vox AC-15 e AC-30, George Vox AC-30 e Paul Vox AC-50.
A capa sofreu oposição dentro da gravadora por ser uma foto em preto e branco com parte do rosto de cada um na sombra e expressões sérias, o que contrariava o padrão de capa colorida com o artista sorrindo. Os Beatles usaram como modelo as fotos artísticas que a fotógrafa alemã Astrid Kirchherr fazia deles em Hamburgo. Quando foram tocar lá, atraíram um grupo de fãs intelectuais e Astrid ficou amiga da banda e namorou o então baixista Stuart Sutcliffe. A ela se atribui também o corte de cabelo dos quatro.

Bran Epstein contratou o conceituado fotógrafo Robert Freeman porque gostou de uma série em preto e branco dele com músicos de jazz. A foto foi clicada em 22 de agosto de 1963 num corredor do Palace Court Hotel em Bournemouth, cidade litorânea do Sul da Inglaterra onde a banda fazia uma temporada de seis dias no Gaumont Cinema. Freeman conta que a foto tinha que se adequar ao formato quadrado da capa, por isso colocou Ringo, o último a entrar, embaixo. Ele também fez as capas de Beatles For Sale, Help e Rubber Soul. Na contracapa os quatro sorridentes naqueles paletós sem gola e um texto de apresentação do assessor de imprensa Tony Barrow.
Este álbum seria lançado em 20 de janeiro de 1964 na América pela Capitol com um repertório diferente. No Brasil saiu pela Odeon como Beatlemania com repertório diferente do inglês e do americano. As informações estão disponíveis na internet pelos títulos.