A evolução do volante

Por Gerson Nogueira

Houve um tempo, que parecia não acabar mais, em que o futebol parecia preso a um sistema estanque de prioridade absoluta pela marcação, que visava sempre a destruição de jogadas. Às vezes, até de jogadores. O estilo rompe-mato de alguns volantes fazia do setor de meio-campo a alegria e a glória desse subgênero futebolístico. Sim, havia algo se desenrolando em campo que não tinha muito a ver com o jogo bonito – e limpo.

unnamed (5)Não era algo inteiramente novo, pois o jeito grosso de jogar existe desde que inventaram a bola, mas pontificou como influência tática por mais ou menos uma década, ali entre o final do reinado de Diego Maradona e a aparição de uma nova geração de craques da meia-cancha, representada por Ronaldinho Gaúcho e Pirlo.

Na década perdida entre 1990 e 2000, na qual Ronaldo Fenômeno despontou e sofreu seu apagão, volantes botocudos deram as cartas. O Milan tinha Gattuso, um pitbull sempre à espreita de incautos que buscassem invadir sua área. Os franceses cultuavam Didier Deschamps. Na Holanda, eram dias de Jonk.

O Brasil conseguiu ganhar uma Copa em 1994 utilizando o trio Dunga, Mazinho e Zinho apenas para interromper a criação alheia. Por sorte, havia talento de sobra mais à frente, com Bebeto e Romário. O mortal estilo de Romário na grande área conduziu a Seleção ao tetra, mas a barreira de marcação no meio-de-campo era a peça de resistência daquele time.

A coisa chegou a um nível tal que o mundial dos Estados Unidos foi o primeiro da história a ter uma decisão em cobrança de penalidades. No tempo normal e na prorrogação, o zero prevaleceu no placar. Nada mais representativo da década do volante-volante. Os meias perdiam importância e a bola era entregue a jogadores pouco afeitos a um passe caprichado ou mesmo um lançamento em profundidade.

Não por acaso, a Copa ianque marcaria também o canto de cisne do mais clássico dos volantes desde que Paulo Roberto Falcão dominou Roma: o craque Fernando Redondo jogou como nunca, elegante como sempre, mas a Argentina sucumbiu aos desacertos de Maradona.

Quatro anos depois, o triunfo sorriu novamente para uma seleção cuja força defensiva estava no tripé de marcação: Petit, Deschamps e Karembeu. No ataque, o escrete francês se diferenciava, porém, pela genialidade de Zinedine Zidane como cérebro e finalizador. O Brasil afundou sob o peso da queda de Ronaldo, mas o time se assentava em bases defensivistas, com Dunga e César Sampaio dando as cartas lá atrás.

O sol voltou a brilhar em 2002, quando o papel do volante começou a ser reescrito. Mesmo o Brasil de Felipão, cujos meias estavam mais próximos dos atacantes, tinha volantes ágeis e técnicos, como Kleberson e Edmilson. A Inglaterra tinha Beckham e a Alemanha, vice, alinhava Ballack e Neuville. A partir daí, os volantes passaram a se confundir com meias, adquirindo intimidade com a bola, como demonstrava Pirlo, da Itália campeã mundial de 2006.

No Mundial da África do Sul, os volantes finalmente tiraram o manto de brucutus e pontificaram em seus times, fazendo o jogo fluir, sem abandonar as missões de vigilância. Xabi Alonso, Xavi e Iniesta, trio meio-campista da Espanha campeã, comprovam essa evolução. O Brasil, de Felipe Melo, um legítimo representante do velho estilo roceiro, nem chegou à decisão.

Em quatro anos o futebol mudou muito, e para melhor, com expectativas de times que tenham homens de proteção, mas sem abrir mão de que sejam também alimentadores de jogadas. O Brasil alinha Ramires e Paulinho. Os espanhóis vêm com o mesmo desenho de meia-cancha da última Copa. A Argentina conta com Di Maria. Os alemães têm o volante mais completo da atualidade, Schweinsteiger. E a Itália tem Pirlo.

O futebol se reconciliou com os volantes.

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Futebol refém da insegurança

O policiamento de uma decisão de sub-17 foi negado aos clubes e à Federação Paraense de Futebol. O jeito foi transferir de imediato para a segunda-feira, 25, pela manhã. Horário tão absurdo motivou a diretoria do Remo a reivindicar novo adiamento da partida, levando em conta a coincidência com provas do vestibular da Uepa. Agora, diante do impasse na segurança, é provável que o jogo fique para dezembro, quando a proximidade de festas natalinas talvez inviabilize de novo a presença de força policial.

Chega-se ao cúmulo da impotência quando até final de campeonato sub-17 é cancelada por temor dos baderneiros que agem à solta, mesmo depois que a Justiça baniu as gangues uniformizadas. Não seria mais simples e prático prender os responsáveis pela violência?

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 24)