Não mexe na puta!!

Por Paulo Silber

“Serra Pelada” é um filme bom de se ver. Bem feito, roteiro amarradinho, argumento instigante, atores safos, direção de arte precisa, fotografia caprichada… Eu gostei! Não é um “Pagador de Promessas”, “Central do Brasil”, “Tropa de Elite”, mas é bacana. E ainda tem: Wagner Moura, Juliano Cazarré, Matheus Nachtergaele e o surpreendente Júlio Andrade em ótima forma, encarnando um belo retrato da dissolução do homem e de seus valores.
Ah sim! Tem também a Sophie Charlote, em melhor forma ainda, fazendo papel de uma belíssima puta. Ulalá!
Faço questão de elogiar, com sinceridade, logo de cara, antes de dizer o que me causou desconforto no filme. Achei o fim tolinho e inverossímil. Destoou do realismo que pontua toda a trama e até sua estética. A trilha sonora é boa, ao resgatar o universo brega, mas poderia ser melhor, sem deixar de ser representativa da época e do ambiente (já pensou, se me permitem a viagem, a direção musical nas mãos de um Felipe Cordeiro?).
Outra coisa: o personagem do Adriano Barroso, pô, meu chapa, merecia mais espaço. É do caralho a gente ver um filme, ao lado daquela gata por quem se batalha há um tempão, e dizer cheio de orgulho:
– Égua! Olha só! O Adriano! Meu amigão! Jogava vôlei comigo lá na Passagem do Arame…
É batata: do cinema pro drive-in.
Mas isso é bobagem. O que mais me incomodou mesmo em “Serra Pelada” nem foi o filme, fui eu. Criei uma expectativa, que acabou fuén fuén fuén, frustrada. Não sei se isso aconteceu com todo mundo que conhece a história daquele garimpo e do seu entorno. Um enredo de ilusão, ambição, corrupção, tudo no superlativo. Uma fatia da memória brasileira em que milhares de pessoas foram trituradas feito carne moída pelo rotor dos seus próprios sonhos, numa terra sem lei, numa pátria sem oportunidades, enquanto uma pequena parcela, sem sujar as mãos de lama, degustava o filé.
Estive lá em 1987, já na fase decadente, e mesmo assim fiquei impressionado. De lá pra cá, por ossos do ofício e interesse próprio, acompanhei a distância a transformação da região e as consequências da destrambelada corrida do ouro.
Por isso, duas lacunas me beliscaram, quando assisti a “Serra Pelada”. Mesmo considerando que não é um documentário, mas uma obra de ficção baseada na realidade, suponho que ela ganharia muitos quilates se focalizasse, em algum momento, um personagem-chave e macabro desse enredo: Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió. Um criminoso com patente, que desliza no mapa do Pará, entre o Araguaia e Serra Pelada, com a mesma falta de escrúpulos.
Brilharia mais ainda caso dissesse, nem que fosse no finalzinho, naquelas letrinhas subindo na tela, o que é a Serra Pelada hoje: o pé de guerra entre sindicatos de garimpeiros, a gênese do poder de quem detém a concessão da lavra mecanizada e a ação milionária na Justiça acerca do “cuí” do ouro, que escorria das balanças de precisão para as gavetas já na fase da intervenção federal.
O filme não deixa de ser bom só porque não tem aquilo que eu esperava encontrar. Mas ouso dizer que poderia ser melhor, se arranhasse essas feridas que ainda estão aí, em carne viva, carentes de cicatrizes.
Meu novo amigo, o Gabriel GB, também gostou do filme e fez ressalvas parecidas. Mesmo com quase a metade da minha idade, ele conhece a história e, justamente por isso, percebeu hiatos onde de fato existem. Mas não deixou de sublinhar uma frase marcante do roteiro: “Esse lugar piora a gente”.
É isso ai, GB. Tem lugares que nos pioram e decisões que nos melhoram.
Quem fez o filme – bom filme – decidiu deixá-lo como está, sem Curió, sindicalistas e gavetas, mas não é a gente que vai brigar por isso. Agora, uma coisa é certa e dá briga. Se tivesse que abrir espaço para esses temas, pelo amor de Deus, só valeria a pena fazer isso se não se tocasse nem um tiquinho naquelas partes em que aparece a Sophie Charlote.
Isso não! Nao mexe na puta!
Se for necessário, pelo bem da obra, sei lá, corta o Adriano Barroso…

Vá escrever bem assim lá em Marapanim, sumano… éguaaa, tidizê..

10 comentários em “Não mexe na puta!!

  1. vou perguntar que nem o ladrão que tava no quintal do Ruy Barbosa e foi “admoestado no mais refinado vernáculo” ( e perguntou: dotô eu levo ou não o pato?) afinal o filme presta ou não presta?

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  2. Sem Curió o filme fica zinho perto do tamanho da história .Vivi intensamente Serra Pelada, o Projeto Grande Carajás estava em seu nascedouro…as putas nao podiam de forma alguma ficar de fora e havia cada prima,sem contar as Marias.hehe.
    O ouro inflacionava tudo ao redor do garimpo.Nao se comprava um caixa de fósforos e sim o pacote inteiro e nem uma breja,mas o gradeado inteiro.

    O Paulo não fala na trilha sonora, mas deve conter alguns clássicos bregas dos anos 80. Quem viu,viu! Quem bamburrou,bamburrou!

    Falando em ver ,Sebastião Salgado foi o primeiro cara a chegar a Serra Pelada e fazer um registro único.,de seus primeiros grandes momentos. Uma pena que a grande maioria dos paraenses nao conhecem quase nada de mais esse capítulo das páginas amazônicas .

    Serra Pelada sempre gerou grandes resenhas. Regadas com geladas e um Bartô,entao.. Mas sem o Doutô Google,neh!

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  3. Ainda não vi o filme, e estava me programando para isso. Depois dessa delícia de crítica, não dá para esperar mais, vou logo convocar a madame. Paulo Silber poderia frequentar mais esse
    contexto crítico, com seus belos textos. Não só pelos textos, é claro, que já nos satisfaz, mas porque faz uma leitura com detalhes de quem entende o que fala, e a transmite para todos entenderem.
    Abs

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  4. Obrigado ao camarada Gerson pelo espaço e aos comentaristas pelo carinho. Foi curioso o que senti quando vi o filme: a constatação de que era uma obra bem feita, mas se contentou em ficar na superfície, por omissão ou desconhecimento, sei lá por quê. Respondendo à Rosa, presta sim, o filme presta, até mesmo por provocar essa inquietude. Mas como dizia o mais famoso (e único) filósofo marapaniense, o saudoso De Cotia: “Quem presta já não presta; quem não presta… que prestígio pode ter?”
    :

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