Do sombrio diagnóstico contido em 17 páginas, do relatório da comissão criada para analisar a proposta de compra do Baenão pelas construtoras Agra e Leal Moreira, emerge uma fotografia hiper realista do completo abandono administrativo em que se vê enredado o Remo, tanto como clube popular quanto como histórica instituição pública paraense.
Não há nem sombra do poder político e mobilização de outrora, quando seus dirigentes tinham condições de encaminhar, em qualquer nível, negociações de interesse da agremiação. A leitura do relato da reunião na Justiça do Trabalho, no dia 11 de fevereiro, expõe toda a fragilidade do clube, despido de qualquer margem de manobra ou força de argumentação.
Os integrantes da comissão foram até a Corte trabalhista “rogar a concessão, ainda que fosse essa a última chance, de um novo crédito de confiança ao Clube do Remo”, em face da existência de um acerto já alinhavado para vender o principal bem da centenária agremiação. Nas circunstâncias, não houve condição de invocar sequer a secular história do clube, um dos mais antigos do país. Restou implorar clemência.
Depois do encontro, a comissão reconheceu “que não haveria mais nenhuma condescendência por parte da Justiça Trabalhista” na análise de alternativas que não representassem a quitação imediata do débito. Recomendou, então, a pronta aceitação pelo Conselho Deliberativo da única proposta existente de aquisição do estádio, como viria a ser sacramentado anteontem. É, por assim dizer, como se as construtoras Agra e Leal Moreira estivessem prestando um generoso favor ao Remo para ficar com o Baenão, pintado em tintas aterrorizantes no relatório.
Folhear o parecer da comissão permite descobertas espantosas até para o caótico padrão local de administrar futebol. De cara, uma dura constatação: não foi feita uma avaliação pecuniária da área do Evandro Almeida. A comissão não conseguiu quantificar seu valor real e conformou-se com o estabelecido pela Justiça do Trabalho – R$ 35 milhões. Donde se conclui que nem o Remo sabe quanto cobrar por seu imóvel mais importante.
Fica-se sabendo, também, que o endividamento não se restringe aos R$ 8.193.629,18 junto ao TRT. Existe uma quase inacreditável conta que extrapola a casa dos R$ 23 milhões, englobando desde pendências trabalhistas até débitos com a Justiça Federal, Justiça comum, funcionários, fornecedores, INSS, FGTS, Fazenda Nacional – sem falar nas dívidas reconhecidas com ex-cartolas.
Diante do descalabro contábil, cujo rastro é inteiramente confuso, resta questionar o que deliberavam os conselheiros durante todos esses anos, cegos diante de tamanha lambança financeira? E por que decidiram emergir da letargia de sempre para o súbito desembaraço em negociar o estádio?
Perguntas óbvias que talvez se repitam daqui a algum tempo quando Amaro Klautau ou outro cartola cismar de vender o que resta, sendo a sede social o alvo preferencial das incorporadoras. Não há nada, nem mesmo constrangimento, a impedir a compulsão pelo caminho mais fácil da venda. A porteira foi aberta.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quarta-feira, 24)




