É assustador. É real. É Belém

Por Elias Pinto – publicado no DIÁRIO de quarta, 06

1 Eu vinha de uma esquina perto de casa, na Carlos Gomes com a Ferreira Cantão, quando uma mocinha (acho que ainda não tinha 18 anos) brecou sua bicicleta esbodegada e fez sinais insistentes para que outra amiga, uma esquina adiante, viesse ao seu encontro. Rápido, insistia.

2 A mocinha chamada era do mesmo tope, girando a mesma idade, da mocinha que chamava. A primeira passou por mim no pique, e um outro rapazinho, completando o trio, atravessou a rua e passou pela calçada do outro lado. Os três confabularam às pressas, nervosos, e partiram.
3 Quando cheguei na esquina adiante, da Ferreira Cantão com a Silva Santos, olhei para a direção da Presidente Vargas. A explicação para o nervosismo do trio de jovens estava no formigamento que se formava em torno de uma senhora, por trás do cinema Olympia, fundos do Hilton. Ela devia ter sido assaltada pelas duas moças e pelo rapaz.
4 Eu estava com uma vizinha e prosseguimos até a porta de sua casa, defronte à minha. Antes de nos despedirmos, falamos de problemas de reforma na casa e da vizinhança violenta, o que acabáramos de constatar, jovens que vêm de outros bairros para arriscar assaltos e roubos aqui no centro.
5 Estávamos nesse papo quando uma das moças, que trajava shortinho, bonitinha, cara ainda de menina (ou de menina periguete), cruzou de bicicleta na nossa frente. Era uma das que há pouco passara correndo por nós.
6 Sem conter a surpresa, vimos que, em vez de seguir, ela deu meia volta e largou a bicicleta na sarjeta, bem defronte de onde estávamos. Abaixou-se e, de o sob o carro do vizinho, estacionado na rua, retirou um longo punhal com sua capa. O punhal, bonito, brilhou na manhã, refletindo a luz do sol.
7 Se ainda havia alguma dúvida de que ela era uma assaltante, a cena tratou de desfazê-la. Depois de, com os outros dois delinquentes, ameaçar a mulher e lhe arrancar a bolsa (ou só o dinheiro, a carteira), a jovem ladra, escolada, jogara a faca para debaixo do carro, a fim de se livrar do flagrante. Destemida, despachada, retornara, imediatamente, para se reapossar da faca – que certamente assustaria qualquer um, pelo tamanho. Não era uma faca comum, mas um punhal impactante.
8 Eu a encarei e lhe disse: “Olhe o que está fazendo. Você ainda vai se dar mal”. Ela sorriu (e neste momento parecia uma jovem como qualquer outra, não uma assaltante escolada) e, para dizer algo, disse que ia guardar a arma, como se tivesse acabado de praticar uma peraltice. Pensei ainda em lhe chutar a bicicleta, pular para lhe arrancar a arma, mas do momento que vai do pensamento à ação ela, ágil, já estava longe. A sua juventude, de certa forma, me imobilizara. Há pouco tinha sido uma menina, de cujo sorriso maroto ainda guardava vestígio. E suponho que ela não hesitaria em tentar me enfiar o punhal se eu buscasse tirá-lo de suas mãos.
9 Movidos pelo desejo de arranjar algum dinheiro aparentemente fácil, para comprar drogas, ir a baladas, beber – ou tudo junto –, esses jovens não titubeiam em assaltar em plena tarde de sexta-feira, no centro movimentado da cidade.
10 Por outro lado, é assim que, sem avaliar o perigo que nos cerca, imaginando-nos razoavelmente seguros numa rua às claras, movimentada, em pleno centro da cidade, a dois passos da Presidente Vargas, podemos ser surpreendidos por duas mocinhas e um rapaz, armados de um punhal cinematográfico (mas bem veraz). Além do assalto, podemos até nos ferir gravemente. É assustador. E pior: é real. É Belém. 

7 comentários em “É assustador. É real. É Belém

  1. O sistema está errado. Péssima distribuição de renda, falta de estrutura familiar, educação pública abandonada etc. O problema está muito além de periféricos assaltarem o centro. Está numa lógica de exclusão de valores, de interesses das elites econômicas e políticas que não nos representam.

    Curtir

  2. Até hoje eu e minha familia choramos a perda de um ente querido,bombeiro Otavio,meu amado irmão e o sobrinho Lucas que foram mortos covardemente dentro de uma alto escola em plena manhã na duque de caxias,prox. do hangar,por 3 lixos da sociedade…Fica a dor e a revolta ,por que sei que daqui a uns dias eles estarão soltos e nós chorando a perda…

    Curtir

  3. E essa covarde desse governador Jatene,alardiando que esta tudo bem no Pará…Só se for para ele que anda cercado de segurança…Fica minha revolta e da minha familia por toda essa violencia que nos cerca…

    Curtir

  4. Ainda esta semana estava conversando com um grupo de pesquisadores da UFPA sobre este tema. Muito falamos da desigualdade social como uma das razões de toda violência. No entanto, todos coadunamos da mesma opinião sobre o fato que não é apenas uma questão de desigualdade social, mais também, de perda de valores humanos. O Brasil está em uma situação em que bandido não tem medo de nada. Eles não tem amor por ninguém, nem mesmo pelos seus pares. Infelizmente.

    Curtir

  5. So uma pergunta, por que nao chamou a policia? Sera que nao se pode acreditar mais na instituicao policial? Meu amigo se a coisa esta assim, e melhor realmente fazer como voce fez, assistir tudo e nao fazer nada. Te dizer.

    Curtir

Deixe uma resposta