Por Daniel Malcher (malcher78@yahoo.com.b)
A manhã do dia 18 de dezembro de 2011 ficou marcada na história do futebol brasileiro e mundial. Quem, em sã consciência, há 40, 30, 20 ou mesmo 10 anos poderia imaginar ou ousar dizer que um dia afirmaríamos categoricamente que “não temos mais o melhor futebol do mundo”?
Desde o fim da contenda entre brasileiros e espanhóis ontem pela manhã, os mesmos que dizem que no Brasil nos damos ao luxo de ter o campeonato nacional de futebol mais equilibrado e mais difícil do mundo – e de fato o é, e essas características do nosso certame têm se mostrado, digamos… atemporais –; que temos o futebol mais vitorioso da história – o que é outra verdade, mas, pelo andar da carroça, até quando? – e dono de 5 Copas do Mundo e inúmeras conquistas de seus clubes em torneios mundo afora; que é marcadao – ou foi? – pela profusão de esquadrões memoráveis e que já afirmaram e reafirmaram todas as outras qualidades e características sobre o futebol desta terra brasilis, não puderam mais confrontar a realidade óbvia. A tese de que no Brasil se pode montar 2, 3 ou até 4 seleções de alto nível técnico e competitivo para disputar torneios de grande monta como a Copa do Mundo FIFA tem sido desqualificada há um certo tempo e tornou-se perante as evidências recentes, por infortúnio ou por crise de identidade – e prefiro acreditar nesta última hipótese do que nos dissabores da vida –, uma basófia. E tão certo quanto isto e “como dois e dois são cinco” segundo a canção, é o que o jogo desta manhã de dezembro de 2011 nos proporcionou. O prélio entre santistas e barcelonistas nos colocou de frente para o espelho e expôs de forma nevrálgica nossa crise de identidade futebolística, pois, enfim, reconhecemos nos outros e em outras plagas aquilo que fomos outrora e que tínhamos em nosso quintal.
Muitos analistas, técnicos de futebol, cronistas, especialistas, entendidos no assunto e marketeiros de plantão continuarão vendendo ilusões ao superestimar nosso PIB boleiro. E o “choque de realidade”, como estão afirmando alguns jornalistas esportivos do mais alto gabarito em seus blogs, colunas e editoriais dos cadernos de esporte do país, se deu, por mais incrível que possa parecer, mais pelas declarações do comandante catalão Pepe Guardiola do que pelo notório “baile” aplicado pelos blaugranas ao time peixeiro. Guardiola, com aquele ar blasé que lhe é característico a cada entrevista coletiva pós-jogo, afirmou contundentemente que sua equipe tem como proposta de jogo aquilo que tornou o futebol brasileiro conhecido mundialmente, com toques precisos, rápidos, objetivos e sempre em busca do gol. Guardiola, em poucas palavras, levou o futebol brasileiro e tudo (ou quase tudo) que gravita ao seu redor ao divã, a uma autoanálise profunda e mesmo chocante, algo pouco visto nos últimos 25 anos de debates sobre o futebol brasileiro entre imprensa, jogadores e mesmo dirigentes.
Muitos críticos “objetivos” – e acreditem, eles são muitos mesmo – dirão ainda que se tratou de um jogo apenas, ou então, para justificar o “sensacional” momento do futebol brasileiro, de moeda forte e cotas de patrocínio a níveis quase europeus que torna os times igualmente “fortes”, cristalizados no “brilhantismo” da equipe santista, que o Barcelona faz o que fez ontem contra qualquer time do mundo – afirmativa essa que também tem algum sentido, principalmente se levarmos em conta o histórico recente do desempenho destemido dos espanhóis. Mas Guardiola, Messi, Xavi, Iniesta e companhia bela mostraram ontem de forma categórica vários aspectos do futebol dito “moderno” – e com os pés fincados no passado, de forma até dialética – que podem ser tomados como objeto de reflexão para o futebol praticado hoje no Brasil, e que estes “objetivistas” teimam em não ver. E a partir delas concluirmos, por exemplo, que bom futebol não é mais patrimônio exclusivo de pátrias e nacionalidades, que os “reis” do atual futebol brasileiro são ciclopes em terras onde abundam os cegos e que nós, brasileiros, não podemos mais apenas ser acusados de não possuirmos memória. O futebol, recentemente, demonstrou que também temos a capacidade de negar o que nós conhecemos. E só nos demos conta de que brigamos e nos divorciamos de nossa história futebolística quando nos confrontamos com o fato. E o fato estava lá, desfilando no gramado de Yokohama, apontando o dedo contra a nossa face e dizendo para nós, tal e qual aquela famosa propaganda de tv dos anos 80, porém no sentido temporal contrário… “eu sou você ontem”. Lúcido foi aquele que sentenciou que contra os fatos não há argumentos.