Por Gerson Nogueira
Agora, depois que a ficha caiu, pode-se avaliar que a melhor coisa que poderia ter acontecido, a dois anos e meio da Copa do Mundo, foi esse baile de domingo no Japão. A origem disso tudo tem data e lugar: antigo estádio Sarriá, Copa do Mundo de 1982. Com a traumática eliminação para a Itália de Enzo Bearzot, o Brasil mergulhou numa fase de ansiedade por títulos e virou as costas para a beleza estética do jogo.
Triunfo da força física e do futebol de resultados. Foi, digamos assim, um verdadeiro pacto com o capeta. O pragmatismo cego deixou o refinamento de lado e quase todos os times brasileiros passaram a jogar com cruzamentos aéreos, contra-ataques e exploração de bolas paradas (faltas e escanteios).
Saía de cena Telê Santana e seu apostolado de fé no futebol de alto nível. Assumiram o leme figuras de corte mais conservador, como Zagallo, Parreira, Felipão e Dunga.
É verdade que nesse espaço de três décadas ganhamos duas Copas (1994 e 2002), recuperamos a auto-estima da galera, mas desgraçadamente esquecemos a manha de jogar bonito. Zagallo bradava que essa história de futebol-arte era um truque da Europa para ludibriar o Brasil, pois, enquanto a Seleção se preocupava em dar espetáculo, os gringos iam ganhando as taças.
Em 2010, na África do Sul, o próprio Dunga repetiu esse mantra, atribuindo “a mentalidade derrotista” aos admiradores daquele timaço de 1982. E tome Felipe Melo, Josué, Gilberto Silva e assemelhados. Como se previa, perdemos a Copa. Jogando feio. Como já tínhamos perdido quatro anos antes, na Alemanha.
O choque de realidade provocado pela contundente surra sofrida pelo Santos talvez tenha efeitos mais duradouros do que o debate pós-jogo. São jogos desse porte, emblemáticos, que inspiram mudanças. Porque a derrota não foi anormal.
Muita gente compara o Barcelona com equipes que também faziam do jogo coletivo e do domínio de bola seus maiores trunfos. Há semelhanças óbvias com o Carrossel Holandês criado por Rinus Michels em 1974. Em alguns aspectos, lembra também a célebre Dinamáquina dos anos 80. E alguns mais antigos citam até o Honved, de Ferenc Puskas, como outra referência.
Guardiola, depois do jogo, revelou que as bases desse moderno Barça podem estar no futebol brasileiro do passado – e ele pontuou bem essa última palavra. De fato, o Santos bicampeão do mundo em 1962 e 1963 jogava com a mesma volúpia ofensiva. Mas, talvez a maior inspiração venha da Seleção do tri. Limitado pelo calor mexicano, o Brasil de 70 marcava em seu próprio campo, mas saía tocando a bola até a área inimiga, sem ter um atacante fixo de área, optando por atacantes (Pelé, Tostão, Jair e Rivelino) que flutuavam em busca de espaço. Com a evolução física atual, o Barcelona consegue marcar no terreno inimigo, diminuindo o tamanho do campo.
E aquele Brasil, como o esquadrão azul-grená de hoje, com Iniesta e Xavi, tinha meio-campistas que sabiam organizar e conduzir a bola, ao contrário de hoje, onde volantes fazem (mal) esse papel fundamental. Acho que o começo das mudanças passam por aí: a busca por talentos para povoar a meia cancha.
Para reflexão. Números do Remo na fase preparatória: em 13 jogos, 11 vitórias, 1 empate e 1 derrota. Foram 33 gols marcados e 10 sofridos. Jaime e Bruno Oliveira são os artilheiros, com quatro gols. Podem até ser bons sinais, mas é certo também que só se saberá se significam grande coisa quando a bola rolar pra valer, no Parazão.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta terça-feira, 20)
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