
O segundo tempo ficou com a melhor parte do espetáculo. Foi quando aconteceram os gols e brilhou, de forma insofismável, o futebol do estreante Bruno Cortês. Mais que as arrancadas de Neymar, já conhecidas, destacaram-se os avanços audaciosos do lateral-esquerdo que era mais conhecido pelo casamento na lanchonete de quibes. Superou até o outro bom nome da Seleção: Lucas, que teve a melhor atuação do primeiro tempo, conduzindo as manobras pelo lado direito do ataque.
Cortês ganhou todos os prêmios da noite pela maneira desassombrada como se comportou desde o começo. Apoiava como um veterano, trocava passes com Neymar mesmo quando a banda direita da defesa argentina ainda marcava forte. Explodiu, porém, na etapa final quando foi liberado para atacar sempre. Ganhou confiança, empolgou a torcida com a velocidade e a ginga, acabando por transformar-se no iniciador dos lances que resultaram nos gols brasileiros.
No primeiro, quando a Seleção sofria um ataque perigoso, recolheu a bola e saiu com habilidade. Tocou para Borges, este para Danilo, que enfiou para Lucas arrancar e bater na saída de Orion. Quando esse gol aconteceu, o Brasil já merecia há muito tempo estar em vantagem. Neymar, Borges e Ronaldinho tinham desperdiçado pelo menos quatro excelentes oportunidades.
Aberta a porteira, a Seleção entrou na cadência da torcida, que aplaudia até arremesso lateral e tiro de meta. As jogadas aconteciam com rapidez, passagens inteligentes de laterais e inversões de posicionamento na frente. Neymar enfileirou argentinos junto à linha de fundo e o estádio quase veio abaixo.
Aí, Mano decidiu tirar Lucas – que só foi escalado porque o corintiano Paulinho foi cortado – e lançar Diego Souza. De início, a massa resmungou, contrariada. Aos poucos, o vascaíno foi mostrando utilidade. Com um futebol que une força e técnica, ele caía pela esquerda abrindo a marcação da zaga, com a ajuda do sempre presente Cortês. E foi um passe preciso do lateral botafoguense que conduziu ao segundo gol. Souza recebeu junto à linha lateral, escapou de dois marcadores e cruzou na medida para Neymar finalizar.
O Mangueirão, festeiro pela própria natureza, virou uma imensa celebração. Ao estilo europeu, Mano providenciou a troca de Cortês por Kleber só para que a torcida pudesse homenageá-lo à altura. O lateral saiu coberto de glórias, aclamado como se estivesse no Engenhão.
Fiquei com a sensação de que, depois de quase oito anos, a Seleção encontrou finalmente um lateral-esquerdo. Eu sei, é cedo ainda. Cortês (que já passou um chuvisco na Curuzu há três anos) precisa evoluir na marcação e ser mais observado. Mas, no primeiro teste, ele indiscutivelmente passou com sobras. Foi tão bem que não deixou que se reparasse também na portentosa atuação de outro alvinegro, o goleiro Jefferson.
Houve outro grande protagonista no jogo, junto com Cortês, Lucas e Neymar: o torcedor paraense. A vitória brasileiro foi à altura da estupenda apresentação, pode-se dizer assim, da galera na hora do hino nacional. Quando o serviço de som interrompeu a primeira parte da música, a plateia inteira (cerca de 43 mil pessoas) seguiu cantando o restante do hino. No gogó, com afinação impressionante e sem errar a letra. Um show.
No Twitter, torcedores de todo o país se manifestaram, expressando sua emoção diante da cena, raríssima de ver em estádios brasileiros. Foi uma espécie de grito reprimido da população de Belém, até hoje magoada com a exclusão do banquete da Copa de 2014. O gesto não podia vir em melhor hora, pois no intervalo do amistoso surgiu a confirmação de que a Cidade das Mangueiras será sede da Copa América de 2015. Merecíamos a outra Copa, mas, enfim, tudo bem.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quinta-feira, 29)