
Por José Ilan
A saída de Muricy do Fluminense tem dois lados. Um, em que ele tem muita razão. Outro – maior – em que tem enorme culpa. O técnico tem todo o direito de não aceitar a estrutura mambembe do clube. Quando chegou, recebeu promessas de que a situação melhoraria. Nada aconteceu. Mesmo com o novo presidente, não havia perspectiva a curto ou médio prazo de grandes progressos. O campeão brasileiro, vergonhosamente, continua com um único campo ruim para treinamentos. E tem, seguramente, as mais precárias condições de trabalho dentre todos os grandes do país.
Quando escrevi, há tempos atrás, que a chegada do treinador era o mesmo que comprar uma BMW para estacionar num casebre, tricolores tentaram desvirtuar o comentário. Mas o tempo deu razão à dura comparação. Com tudo isso, Muricy foi campeão brasileiro. Sob este ponto de vista, praticamente um milagre. Não foi brilhante quase em nenhum momento da campanha, mas superou inúmeros problemas de lesão no elenco e ganhou um título que o clube perseguia há 26 anos. Ponto pra ele. No mais, sobretudo neste começo de ano, Muricy errou aos montes e sai mal do clube.
Primeiro, sem dar qualquer explicação de frente para o torcedor. Realmente não vai ser fácil justificar de forma convincente uma quebra de contrato quando sempre empunhou a bandeira do cumprimento integral deles. Muricy recusou a seleção brasileira para ficar no Flu? O tempo e o pedido de demissão abrupto, mostram que não. Como chegou-se a suspeitar, Muricy aceitou a seleção. Mas o Fluminense simplesmente não o liberou do pagamento de uma gigante multa rescisória.
Voltando ao trabalho propriamente dito, a coisa andava muito mal: Muricy tinha em mãos o elenco mais caro do Brasil. Não é exagero dizer que recebeu quase todos os jogadores que quis, e até alguns que não quis também. Mesmo assim, fez papelão. Na Libertadores, escalou e substituiu mal em TODOS os jogos, e tem toda a culpa do mundo na virtual e quase irreversível eliminação do time na primeira fase. Tudo isso em meio à pérolas do tipo “mata-mata é sorte”, que simplesmente depõem contra sua seriedade… É bonito deixar o time no meio do caminho?! Não, não é. No estadual, uma eliminação vergonhosa para o Boavista numa semifinal em que não conseguiu ser convincente em momento algum do jogo.
Tem explicação largar o time no meio da Taça Rio sem um forte motivo aparente? Não, não tem. Nos últimos dias, irritado e provavelmente já forçando um impasse, Muricy desandou a falar bobagens. Não pode ganhar um salário milionário e expor a estrutura do clube ao ridículo, mesmo tendo razão. Não pode mostrar total desprezo e ironizar uma declaração do Presidente do clube – sim, do PRESIDENTE – sobre o assunto da hegemonia de títulos no estado do Rio. O Fluminense é um dos maiores clubes do país, e o mínimo que se poderia esperar de seu treinador é respeito à sua história e sensibilidade quanto aos objetivos de seus torcedores. A expectativa nos próximos dias é saber se Muricy tinha algum forte motivo para criar uma situação insustentável. E se, em nome dela, perdeu a mão, a cabeça, e toda a razão.
Sua história de conquistas ninguém vai apagar. Seu nome na galeria de glórias do Fluminense, está definitivamente assinado. Mas antes do adeus, Muricy sucumbiu à fraqueza humana. E a porta da frente, por onde entrou, foi dispensada na saída.