Por Arnaldo Bloch
Antes de tudo, não chorei em “Lula, o filho do Brasil”, a que assisti na quinta-feira. O cineasta Marcos Altberg chorou do primeiro ao último minuto. Teve gente que chorou até com os créditos do motorista. Todos os que viram e falaram comigo, até agora, choraram. O Caetano, em entrevista ao Moreno, praticamente prometeu que vai chorar (imagino que nas cenas em que Lula, na escola, aprende e ler e escrever, apesar de ter problemas com o plural quando fala — e veja bem, o homem sabe falar, isso ele lá sabe, embora lhe falte certa cultura e lhe sobre mais sabedoria e idiossincrasia que argúcia filosófica). Minha mãe (pois a mãe de Lula, na real e na pele de Glória Pires, é, e foi, mãe pra caramba) chorará durante um mês. O Bebeto de Freitas choraria uns cinco anos e depois iria trabalhar em Minas Gerais. (…) Chororô (ou ausência dele) à parte, o filme é do grande caraca. Puta épico, meu. Arretado, cabra. Fortíssima saga nordestepaulina. Tem gente na rede que, para fazer piada com o filme, diz que, depois de ser filho do Brasil, Lula virou um filho da… Mas, ainda que isso seja ou fosse verdade, o filme só trata do filho do Brasil, não abordando, a não ser em legendas finais, aí sim, um tanto exaltatórias (ponto negativo) o período eletivo. E, se quiserem saber, na minha opiniosa opinião, esse “Lula” tem todo o direito de sê-lo (do grande caraca), e vamos deixar dessa conversa de que um filme que vai fazer, sei lá, quatro, cinco milhões de espectadores e mais uns tantos em DVD é suficiente para eleger a Dilma. Dilma não é Lula (não adianta, para a decepção de situacionistas e oposicionistas, Lula resistiu à tentação do terceiro mandato!), e, se Dilma for Lula, é pelo apelo do palanque, pela televisão, pela máquina, pelas alianças (aí sim, a gente começa a falar em dezenas de milhões) e não por culpa do clã Barreto, que está mais interessado em fazer seu dinheirinho.
O Fábio Barreto fez um filme grande que não é grandiloquente, no qual Lula aparece (apesar do ritmo acelerado da narrativa) com um grau bem razoável de complexidade e um grau ótimo de coerência psicodramática. No que se refere ao conteúdo, um dos maiores méritos é a maneira como deixa claro um fato já sabido, já dito por ele mesmo, mas de difícil assimilação tanto para petistas quanto para antilulistas: que Luiz Inácio nunca foi, nem terá sido, um homem de esquerda. Que sua atuação sindical encaixou-se perfeitamente na estratégia do regime militar para a transição. Que, filiação partidária histórica à parte, jamais, de moto próprio, Lula conduziria o Brasil a qualquer tipo de revolução socialista. (…) Há, contudo, o outro lado da moeda: este Lula “analfabeto” fala de igual para igual com o mundo inteiro e é tido como um sujeito altamente up-to-date por qualquer estadista desse tal de mundo globalizado (em que pese o baixo nível do estadismo de hoje). Dá ao brasileiro médio um certo orgulho de ser brasileiro, mesmo sem que se saiba bem por quê. E, embora o raciocínio a seguir possa ser inserido na síndrome que uns chamam hoje de “dos males o menor”, se tivermos em conta o tipo de populismo coercitivo que toma conta de vários países do continente, Lula é uma luz nas trevas (não esquecendo, claro, que na ainda jovem democracia brasileira o buraco é mais embaixo para quem quiser jogar pesado com as transcendências do poder.) Este presidente que Lula se tornou é, de certa maneira, uma extrapolação do personagem delineado pelo filme (brilhantemente interpretado por Rui Ricardo Dias, que encontra um mimetismo impressionante com Lula): um sujeito que, marcado pela vida, magoado pela morte de gente querida, um dia decide que vai botar para quebrar, mas nem lá nem cá, muito pelo contrário: como diz sua mãe, as coisas vão melhorar, mas se não der agora, é melhor esperar. Uma nota de caráter profissional-pessoal: encontrei Lula três vezes. Uma, num plantão em “Manchete” no fim da década de 80, ele candidato, visitando os corredores antes de almoçar com Adolpho Bloch. Acenou para mim como acenaria para um operário. Acenei de volta e voltei ao trabalho. A segunda foi no início da década de 90, em Paris, quando trabalhava como correspondente. O saudoso fotógrafo Luiz Alberto de Andrade, o folclórico Lulu, carioca, amigo de Pelé, de Celso Furtado e de meio mundo, fez um portrait de Lula com um charutão e conversamos sobre tudo. Quando eu, pernosticamente para a época, quis saber a opinião dele sobre a multimídia (fenômeno que se anunciava) Lula disse, com toda a razão: “Pula essa aí…” Quisera a gente pudesse pular essa aí hoje em dia…
A reportagem, de seis páginas, tinha como título “Lula em Paris é uma festa”, e só não foi capa porque Adolpho vetou. A terceira vez foi em São Paulo, já trabalhando no Globo, em 1997. A entrevista foi num restaurante sem fachada, onde se comeu, só, camarão graúdo, e se tomou cerveja. Das três vezes, ficou, acima de tudo, um bom humor e os olhos molhados, uma comoção permanente consigo mesmo que reencontrei na tela, nos trejeitos e nas expressões do personagem explorado por “Lula, o filho do Brasil”. E o digo sem qualquer sombra de bajulação.
O presidente é cabo eleitoral da Ministra Dilma e o filme vai ajudar bastante, principalmente quando se está atrás nas pesquisas a presidência.
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