
POR GERSON NOGUEIRA
Quando trabalhou em Belém, o técnico Mazola Jr. afirmou que o problema da base no Pará é que não havia base. Muitos o criticaram pela afirmação, mas Mazola sabia bem o que dizia, a partir da observação das divisões de formação de jogadores dentro do próprio Papão. A frase de efeito resume o quadro de abandono das categorias formadoras.
A base não existe porque não há estrutura e nem investimento. Três anos depois da afirmação de Mazola, a situação permanece igual e sem perspectiva de mudança, a começar pelos dois titãs. Na Curuzu, há um tímido esboço de profissionalização. No Evandro Almeida, nada indica que as lições tenham sido assimiladas.
Dirigentes e técnicos adoram usar o discurso de valorização da base, mas, na prática, devotam pouca atenção a essa área tão importante. O descaso fica evidente no hábito de entregar as divisões a abnegados, geralmente pessoas que dispõem de condições financeiras para ajudar a garotada com o dinheiro do transporte e até da alimentação.
Quase como se fosse uma esmola aos meninos da periferia, que sonham com oportunidade de ganhar a vida jogando futebol, de olho comprido nas fortunas que os grandes astros ganham na Europa, na Ásia e EUA.
Nos clubes, quando se vê a placa Departamento de Futebol Amador significa que ali existe um setor à parte dentro da administração, quase um corpo estranho. Contradição absurda, pois o que deveria ser a joia da coroa, alvo de iniciativas modernizadoras, fica entregue a um ou dois baluartes.
As diretorias, salvo exceções, preocupam-se exclusivamente com os atletas profissionais, pois é o que garante prestígio e permite a permanência no poder. A formação do atleta no período em que ele mais precisa de cuidados é hoje mero item de plataforma eleitoral.
A indigência técnica fica estampada quando há o confronto com equipes mais preparadas. Logo na 1ª rodada da Copa S. Paulo de Futebol Júnior, nossos três representantes – Remo, Desportiva e PSC – caíram diante de adversários qualificados e que levam a sério a formação de jogadores.
Os resultados não surpreendem, pois há anos a participação paraense raramente vai além da fase inicial da Copinha. É claro que não se deve eleger a conquista do título como meta, mas a eliminação logo de cara impede que os clubes (e seus atletas) obtenham visibilidade.
A participação deste ano deve servir para reflexão de todos os que estão envolvidos no processo, principalmente clubes e FPF. Até mesmo o envio de equipes para o torneio deveria ser reavaliado, pois de nada adianta gastar dinheiro com viagens para realizar campanhas tão pífias.
As mudanças devem ser imediatas, começando pela reformulação do certame estadual, que dura menos de um mês. Ao mesmo tempo, o Ceju, construído com dinheiro repassado pela Fifa e hoje subaproveitado, deve ser o ponto de partida para a revitalização das divisões de base, abrindo as portas para os garotos vindos dos bairros e cidades vizinhas.
O assunto é denso e complexo, o comentário ficou mais longo que o previsto, mas o debate é necessário e deve ser priorizado. O futuro do futebol do Pará está diretamente ligado ao resgate das divisões de base.
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Bola na Torre
Guilherme Guerreiro apresenta o programa, a partir das 21h, na RBATV. Na bancada, Giuseppe Tommaso e este escriba baionense. Em pauta, os preparativos dos clubes para o Parazão. O telespectador participa e concorre a prêmios via internet.
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Ciranda do futebol não para de criar artificialismos
Percebe-se de verdade que o futebol está refém do gigantesco polvo da especulação quando um zagueiro mediano como Leandro Almeida é posto em disponibilidade pelo Palmeiras, que se dispõe a emprestar e pagar o salário de R$ 180 mil mensais, assim como se não fosse nada. Veja bem: é um reserva sem aproveitamento num time cujo titular é Edu Dracena!
Só por aí é possível ter uma ideia do nível técnico do jogador. Ainda assim, o salário é hipertrofiado, mais ou menos como são deformadas as linhas que regulam o bom senso no negócio futebol no Brasil – e no mundo.
O certo é que se perdeu a exata noção dos valores desde que, há duas décadas, dinheiro farto passou a jorrar na conta dos gigantes europeus, proveniente de bancos árabes, asiáticos e do Leste Europeu.
A banca ficou supervalorizada, as apostas ficaram mastodônticas e a valorização dos jogadores passou a não depender tanto do talento de cada um. Ou como explicar que o meia-atacante francês Pogba tenha sido o de maior monetização, há quatro anos?
Um jogador acima da média, mas não tão superior assim aos demais. Por ironia, nunca fez nada de especialmente relevante em campo, embora tenha jogado em esquadrões repletos de craques.
Em seguida, veio a transação envolvendo Neymar. E, por fim, a renovação multimilionária de Messi no Barcelona. Dois craques, mas o dinheiro que mensura suas qualidades é inegavelmente um exagero, quase um escárnio.
No Brasil de Leandro Almeida, há também a inacreditável situação de clubes falidos bancando jogadores semi-aposentados, como Fred, que se transferiu para o Cruzeiro com salários em torno de R$ 1 milhão.
Óbvio que, em meio à vertigem das cifras, muitos – além dos atletas – ganham fortunas sem precisar bater um tiro de meta.
(Coluna publicada no Bola deste domingo, 07)