Onda conservadora ou apenas cretinos com orgulho?

POR LEANDRO KARNAL, via Facebook

O Enem colocou um texto da filósofa Simone de Beauvoir, de 1949: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino”.

O texto não é uma novidade ou uma controvérsia. É um texto histórico que relembra o óbvio: a construção do feminino é um processo dado pela civilização. Houve grita na internet. Vários falam hoje de uma onda conservadora; mas vejo uma onda de estupidez apenas. Quem reclamou não leu, não inseriu no contexto, não aprofundou.

Não é apenas conservadorismo: é burrice declarada. Dá para debater com gente conservadora, pois vários conservadores do passado eram brilhantes: Burke, Tocqueville etc. Mas não dá para discutir com gente tapada e que se orgulha da estupidez. Com este grau de atualização filosófica, em breve esta malta vai gritar contra Newton na prova.

9 comentários em “Onda conservadora ou apenas cretinos com orgulho?

  1. Entre outras coisas, Simone de Beauvoir ensina uma lição interessante sobre o machismo. Segundo Beauvoir, a mulher é o eixo político da família. Não é “um dos”, é “o” eixo político. A mulher é a voz que pergunta, que orienta, que reflete. A mulher é aquela que vai fornecer o material de reflexão às crianças para pensar, para criar, para se indignar, para crescer. Ao calá-la, a sociedade perde politicamente porque perde a voz feminina, a voz política mais ativa no seio familiar. Calar a mulher é condenar o homem, condenar as crianças e condenar a família à obscuridade política, lançar as bases do conformismo e formar toda uma geração politicamente ignorante e obediente, sem iniciativa para refletir, para reivindicar direitos. Enfim, o maior perdedor do machismo é o homem.

    Para quem gosta de frases, Beauvoir disse essa: ” O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.”

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  2. A explicação de Leandro Karnal é bastante oportuna, Simone de Beauvoir refere-se ao processo machista de formação feminina, ao olhar machista de como deve ser a mulher, à introdução de um conceito de mulher como resultado de construção social baseado nos valores machistas históricos. Que se dê pela civilização, incute um valor pesado, o machismo vem de todos os tempos e de todos os povos. É uma grande opressão sobre a mulher, é uma ação política, uma escolha que passa ao largo da vontade da própria mulher. Beauvoir disse que ser mulher, como o machismo define mulher, não é uma escolha consciente, é uma imposição. Karnal é certeiro ao dizer, com todas as letras, que se trata de burrice, de preguiça ou de incapacidade para inferir sobre a frase. O conservador brasileiro é um cara que não quer pensar, está mais interessado em absorver uma cultura pronta, acabada e imutável, mesmo depois de o sec. XX ter apontado que essa direção não serve mais.

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  3. É, amigo Lopes, talvez o autor da postagem tenha querido dizer tudo isso que você disse muito bem. Pena que a questão da prova não desceu a um milimetro desta profundidade que tem a sua tão bem concatenada explanação.

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  4. Bom, caro Oliveira, a questão da prova é a prova de que não dão a mínima para filosofia estudantes, escolas e Estado. Dificilmente haverá questão que seja tão profunda quanto estas reflexões de Simone de Beauvoir. O problema não é a profundidade da questão, se alcança o âmago do pensamento da autora ou não, o problema é não conhecê-la, sequer ter a mínima ideia de que as ideias dela representam para o sec. XX e para nós mesmos. Veja bem, as ponderações colocadas aqui nos comentários não são minhas, mas dela. Seria de esperar que os estudantes tivessem compreendido o que ela quis dizer, mas observa-se que eles nunca ouviram falar nem dela, nem da obra, e ostentam a ignorância raivosa baseados nos mesmos valores que se quis combater com aquelas palavras. E nem sequer houve esforço para compreender a mensagem, analfabetos funcionais que demonstram ser esses críticos. Isso é muito grave e, para mim, representa o fracasso do modelo de escola de que dispomos, isto é, o fracasso retumbante da pedagogia nacional, seja na pedagogia como área profissional e nas licenciaturas, seja na estratégia de pensar a educação do homem e da mulher do futuro. Sabe?, isso me dá calafrios, teremos cada vez mais e mais dificuldades de superar crises e de crescer como país e como nação. Estaremos cada vez mais vulneráveis aos vieses políticos oportunistas e econômicos de mercado financeiro, de bolsas de valores e as famigeradas agências de risco. Não diria que a educação precisa ser salva, e precisa mais que ser valorizada e respeitada, precisa ser amada.

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  5. Amigo Lopes, mesmo sendo objetivas, as provas podem ser verdadeiramente avaliativas do quanto os candidatos conhecem do assunto, do tema, do ponto. Não foi o caso desta questão, cuja alternativa correta poderia ser assinalada independentemente de qualquer conhecimento sobre a Simone, sua vida e o seu trabalho.

    Quanto aos candidatos ao exame e aqueles e aqueles que o preparam sinceramente não sei se os mesmos dão tão pouca importância assim à filosofia e aos filosófos, em geral, e à Simone, em particular. Aliás, já a algum tempo filosofia e sociologia passaram a integrar o conteúdo programático alusivo ao ensino médio. Mas, uma coisa me parece clara, questões como esta certamente nivelam aqueles que conhecem e se interessam pela temática, com os demais.

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