
Por Cláudio Santos, especial para o blog
Entrevista, feita via e-mail, com o técnico Roberval Davino (59 anos, alagoano de Maceió), campeão pelo Remo no Brasileiro da Série C em 2005 e que também dirigiu o Paissandu em 2012. Depois de jogar futebol entre 1970 e 1992, assumiu a profissão de treinador, tendo dirigido vários clubes brasileiros, como CRB, Juventude, Goiás, Vila Nova, São Caetano, Ituano, Guarani, Inter de Limeira e Brasiliense. É o primeiro bate-papo de uma série que faremos com treinadores de renome que tenham algum tipo de ligação com o futebol paraense.
REMO 2005
Qual a principal dificuldade que o sr. encontrou em sua passagem pelo Remo, em 2005?
RD – A estrutura física do clube e alguns vícios existentes dificultaram um pouco, porém a dedicação dos funcionários de vários setores, assim como os torcedores, superavam estas dificuldades e faziam com essa dedicação um local alegre de trabalhar.
O plantel que encontrou no Remo dava para ser campeão da Série C ou os reforços indicados foram imprescindíveis para a conquista?
RD – Acredito que o grupo era grande, foi preciso qualificá-lo com algumas dispensas e contratações, dentro das necessidades apresentadas. Chegaram Rafael (goleiro), Boleta, Carlinhos, Ailton, Maurílio e Capitão. Com esse pessoal que chegou, fizeram crescer a competitividade interna e a equipe cresceu. Definimos uma maneira de jogar e, com isso, nasceu a confiança dos torcedores na equipe.
Taticamente falando, qual jogador foi fundamental nessa caminhada?
RD – Taticamente, encontramos uma maneira de jogar que era repetida em cada jogo. Tinha uma boa posse de bola, transição ofensiva, com qualidade no meio de campo e muita velocidade ofensiva com Landu e bem concluída pelos atacantes (Capitão, Osni, Douglas). Um goleiro que passava segurança nas bolas difíceis (Rafael). Uma defesa que cresceu muito com a chegada do Carlinhos e a força do Marquinhos Belém. Enfim, foi um grupo que conseguiu um belo feito. Se tivesse que falar de um só atleta desta campanha, eu falaria do Landu, como peça decisiva por incomodar os sistemas defensivos de nossos oponentes.
O que pensa sobre a estrutura encontrada no Remo à época. O que encontrou de certo e o que encontrou de errado no clube?
RD – Em relação à estrutura, na época, tinha o básico para trabalhar. O CT do Japonês, que foi cedido para alguns treinos, foi importante. Outro problema eram os atrasos de pagamentos, que atrapalharam um pouco na contratação de atletas. No final, deu tudo certo e todos fizeram sua parte, dentro de seus limites.
Rafael Levy, presidente do Remo, à época, em uma entrevista, disse que um funcionário enchia o garrafão de água mineral com água da torneira e que, quando o sr. viu, cobrou e só aí eles passaram a fornecer água mineral à concentração. Isso procede? O que pensa de tudo isso?
RD – As dificuldades eram grandes, porém o ambiente de trabalho e a convivência entre os funcionários superavam tudo. Tivemos problemas com água, com bola, com concentração. A mais complicada era a falta de credibilidade. Como nos foi passado antes, tivemos a tranquilidade de administrá-las. Eu vim de uma equipe que tinha para treinamento, uma ambulância equipada, CT bem qualificado. Porém, a paixão pela bola não encontrei em nenhum lugar no Brasil (referindo-se aos torcedores remistas). O próprio Rafael Levy nos alertou pra tudo. Pra mim, é um grande orgulho esse meu segundo título brasileiro da Série C, pelo Remo.
O sr. senhor deu o único título nacional ao Remo: a Série C 2005. Sente-se magoado de nunca mais ter sido lembrado para comandar o clube?
RD – O que me chateia, até hoje, é que o Remo tem comigo um débito pelo título de 2005, no valor de R$ 15.000, que era a metade da premiação daquele título, e não cumpriram. Olhe, desde aquela época, falei com quase todos os dirigentes que me procuraram sobre atletas, e não falaram da dívida. Alguns, quando me faziam proposta para retornar ao clube, reconheciam e até juntavam essa dívida ao próximo contrato. Como não acertei…. É uma pena, mas a entidade onde prestei este relevante serviço tem esse débito até hoje. Vida que segue, lembro daquela temporada e tenho um grande carinho pelo clube.
Considero o sr. um dos técnicos mais estrategistas e conhecedores de futebol no Brasil. O que faltou para treinar um Flamengo, Corinthians ou outro clube de ponta no futebol brasileiro?
RD – Como profissional, recebi algumas oportunidades para trabalhar em equipes de maior tradição. Porém, por não ter um administrador do “meio” e não concordar com algumas situações fiquei nesse patamar de ser reconhecido como bom, mas sem alguns requisitos que fugiam aos que chegavam às grandes equipes. Em relação à minha carreira, não tenho o que reclamar, tenho consciência de minha capacidade para o exercício da profissão. Aliás, hoje é que melhorei, e muito, e não por experiência, mas principalmente por estudar o futebol e estar bem atualizado sobre tudo que cerca este esporte emocionante.
Sente vontade de treinar o Remo ainda?
RD – Algumas vezes fui lembrado para retornar e nesses momentos estava empregado e não pude atender ao convite. Muitas vezes fui consultado pra saber sobre a qualidade de algum jogador que estava sendo sondado para jogar no Remo. Sempre atendia bem, e com informações firmes e conscientes, como faço pra muita gente e equipes que me procuram.
PAYSANDU 2012
Por que não deu certo no Paysandu?
RD – No Paysandu, só não fui até o final, mas deixei uma equipe bem treinada e levei alguns atletas importantíssimos para conclusão do trabalho com o acesso.
O que pensa da estrutura encontrada no Paysandu?
RD – Em relação a estrutura, o Paysandu, como o Remo, tem o básico necessário para tocar o futebol.
Houve interferência no seu trabalho no Papão?
RD – Quanto à influência no meu trabalho, nunca existiu e não seria no Paysandu que aconteceria. Alguns vícios, não deixei acontecer, fiz a diretoria entrar em contato direto com atletas ou clubes para a contratação de jogadores. Dei noção do valor de salários para alguns atletas, o que diminuiu em muito os custos para o clube. No Paysandu, o que prevaleceu pra minha saída foi que um dia eu falei com o presidente (LOP), que elogiou meu trabalho e então lhe falei que era legal que o trabalho fosse bom, mas que no futebol o que vale é o resultado. O resultado negativo contra o Treze-PB, equipe que era considerada pela imprensa (paraense) como muito fraca, foi o causador de minha demissão. Logo após o acesso, recebi telefonemas de quase todos os dirigentes e atletas do Paysandu, agradecendo a participação que tive no trabalho.
LUVERDENSE 2013
Quem montou o time do Luverdense, que conquistou o acesso à série B em 2013?
RD – Cheguei ao clube em janeiro e já tinha uma base. Elaboramos um valor por posição para reforçarmos a equipe com atletas dentro da necessidade. Zagueiro, até 7 mil; lateral, até 8 mil; meias, até 10 mil, e atacantes até 12 mil. Porém, consegui levar o Tosin por 7 mil e o Marcelo Maciel por 6 mil (dois atacantes). Então montamos o complemento da equipe, com 7 atletas e ficou uma equipe legal e enxuta
Qual a importância de se ter um gerente de futebol? Sérgio Papelin, hoje, gerente de futebol do Paysandu, foi importante na montagem do elenco do LEC? Quantos e quais jogadores ele contratou?
RD – Acredito que é bom, para montar uma equipe, ter um gerente de futebol que conheça de atletas e tenha um bom relacionamento, como é o caso do Papelin. Outra maneira de trabalhar é quando a equipe tem uma filosofia de jogo e de jogador. Então, contrata-se o grupo ou o mantém dentro dos princípios dessa filosofia de trabalho. No final do campeonato, chegou a Copa do Brasil e veio o Papelin, que conseguiu trazer o Mizael e o zagueiro Luiz Eduardo. Após duas etapas da Copa do Brasil, que nós passamos de fase, eu tive um desencontro com o presidente, e saí.
OUTRAS QUESTÕES
Sempre digo que todo técnico tem seu limite. Existe técnico de série A, B, C, D ou futebol pelada… O sr. concorda?
RD – Em relação a técnico, ou ele tem conteúdo ou não. Ou ele tem liderança ou não. E em equipes profissionais, como as de hoje, ou você demonstra seus conhecimentos ou é engolido pelos atletas. Mas, mesmo assim, cada qual tem sua área de atuação ou seu perfil que vai fluindo com o tempo. E os rótulos: “treinador de time pequeno”, “só trabalha com garoto”, “treinador copeiro” – enfim, são poucos os paus pra toda obra
Qual o tempo necessário para se montar um time, com condições de alcançar seus objetivos?
RD – Em relação a tempo, no nosso país, é complicado, mas hoje estou no CRB por 4 meses e foi mantida uma base. Se for dada uma sequência lógica, acredito que nas próximas 4 competições, os objetivos serão alcançados em pelo menos duas.
Existe alguma coisa que o sr. queria conquistar no futebol e não conquistou?
RD – Gostaria de ter tido uma oportunidade de ter trabalhado em Portugal, aonde acho que os técnicos gostam de estudar o desporto. Gostaria, também, de ter trabalhado no Atlético Paranaense, que considero uma das equipes mais avançadas, em condições de trabalho, no país.
Qual o seu esquema preferido de jogo, caso tivesse tempo e condições de trabalho?
RD – Em relação a esquema eu levo muito em consideração o grupo que tenho ou encontro. Algumas equipes já têm uma filosofia de trabalho e até o sistema já está embutido. Mas, no Brasil, isso ainda vai demorar a acontecer.
Aqui em Belém as divisões de base são precárias, mas Remo e Paysandu, em início de trabalho, insistem em dizer que vão formar o time profissional com garotos da base e contratar 3 ou 4 reforços, profissionais, pontuais, pra conquistarem seus objetivos. O que o sr. pensa disso?
RD – Em relação a divisões de base do Norte e Nordeste, tirando Sport, Bahia, Vitória, Fortaleza e Ceará, os demais são verdadeiros milagres, pelas condições que dão e ainda aparecerem grandes jogadores. Mas acredito que um dia será diferente. Vamos torcer por isso.
Muito se fala do livro “O Rugido do Leão”, sobre a conquista remista de 2005. O sr. ganhou algum dinheiro com a venda do livro?
RD – Acredito que não, pois, só foi feita uma edição e aí em Belém. Acredito que pagou as despesas de publicações, de viagens e hospedagem minha e do Vinicius para o dia do lançamento. Após, deixei alguns livros em alguns locais e não chequei se vendeu ou não. Fiz um lançamento em Maceió e vendi uns 60 livros e depois, presenteava mais do que vendia. Acredito que atingiu meu objetivo que foi deixar editado um feito fantástico de minha carreira. Tenho certeza de que se eu tivesse tino comercial, teria tido lucro financeiro, porém meu objetivo foi alcançado e nada paga aquela história ali narrada.
Considerações finais sobre o futebol paraense.
RD – O prazer e a paixão pela bola, por clubes de seguidores fanáticos, merecem um cuidado especial de quem os dirigem (Confederações, Federações e Dirigentes). Continuem lutando pelas melhoras dessas lendas do Norte e que seus seguidores continuem não só torcendo, mas cobrando e participando por melhores condições de trabalhos para os que fazem o clube. Que a credibilidade reine, e só assim essas equipes serão tão fortes, como seus fanáticos seguidores.
NOTA: Roberval Davino foi escolhido por já ter passado por Remo e Paysandu e ser considerado um dos dos mais competentes técnicos em atividade no futebol brasileiro. Espero que os amigos tenham gostado. Até a próxima, já com a marca inédita de 4 milhões de acessos no blog campeão.