
Por Xico Sá
Amigo torcedor, amigo secador, no princípio foi aquele abraço coletivo, o grito de alerta, um “se liga”, cartola, um “tome tento”, seu Marin, um olha o bom senso, dona Globo. Nesta semana veio o gesto político de classe mais contundente da história do futiba, o manifesto no campo de batalha, e não era apenas por 20 segundos – se a regra é clara, a desobediência civil ficou explícita.
Você mudava de canal e lá estava o mesmo gesto, só trocava o nome dos times, com um bate-bola em que o pé-de-obra, como preferia chamar o doutor Sócrates, mostrou quem manda no jogo. Rogério Ceni foi na mosca, na sua assertiva: “Isso aqui tem uma conotação muito maior do que imaginam”. Bote maior nisso. E, em Itu, óbvio ululante, o gesto foi hiperbólico, gigantesco, naquele São Paulo 2×0 Flamengo.
Ah, se temos que esperar pelo fim da novela, como não esperar mais um pouco pelo início do embate que interessa. Nunca esperei com tanto gosto. Abri uma cerveja e brindei aos velhos rebeldes que abriram caminho, cavaleiros muita vezes solitários no faroeste da cartolagem. Tintim, Paulo Cézar Caju, tintim, prezado amigo Afonsinho – o homem do passe livre ainda nos anos 1970 -, tintim além-mar, meu caro Eric Cantoná, tintim, de novo e sempre, Sócrates Brasileiro, tintim, velhos e novos rebeldes da pelota.
Naquele minuto de Itu passou pela cabeça um longa-metragem. Um jantar inteiro, um dos últimos com o doutor corintiano, em um japonês da ministro Rocha Azevedo, em São Paulo, o olhar atento do zagueiro Paulo André em troca de ideia com o filósofo do calcanhar greco-paraense. Este cronista envelhecido em barris de bálsamo, Kátia Bagnarelli, Vladir Lemos e Mazinho Chubaci –o Sancho Pança do Magrão quixotesco–, por testemunhas oculares da história.
Nesta quarta, guarde a data, 13 de novembro do ano da graça de 2013, isto é história, na noite em que o cosmonauta russo Yuri Gagarin repetia “a terra é azul”, em louvor aos cruzeirenses, apontando o dedo lá de cima, mochileiro das galáxias, para o amigo Trajano, mineiro exilado à beira do Capibaribe.
É, como grasna aqui o meu corvo Edgar, o secador-mor do país, se a regra é clara, o poder do pé-de-obra ficou explícito. Nunca é por 20 centavos, nunca é por 20 ou 30 segundos, é para fazer parte do jogo.
E que o país inteiro atinja o bom senso, a imunização racional, como cantava Tim Maia, em nome dos caboclos evoluídos, em nome da leitura, a salvação da história, em nome dos que jogam bola no Cruzeiro ou nos times do salário mínimo convertido ainda em cruzado, em nome do Araripina, o bode do sertão, e de outros times que atuam poucos meses no ano, em nome das bocas que esperam em casa, independentemente do resultado do futebol.