Por Gerson Nogueira
Foi um raro momento de vida inteligente na televisão. Daqueles que a gente acompanha e lamenta quando termina. Na última quinta-feira, entrevistado pelo jornalista André Rizek (Sportv), o holandês Clarence Seedorf discorreu sobre vários temas, exibindo conhecimento e visão, sem fugir a críticas ao próprio futebol brasileiro. Em português mais fluente do que o de muitos boleiros nativos, falou francamente sobre concentrações, alfinetou a torcida botafoguense e revelou os motivos de sua saída do Milan.
Gostei particularmente quando ele respondeu sobre o nível cultural dos jogadores. Fugiu ao hábito gringo de exagerar na simpatia e escorregar na hipocrisia. Lastro cultural depende da educação, disse, antes de elogiar o verniz social dos nossos atletas. Citou como exemplo a facilidade de adaptação que os brasileiros têm nos clubes estrangeiros.
Humilde, definiu-se como um emergente, lembrando os muitos aperreios da infância e adolescência, com pais que trabalhavam como serventes em hospitais na Holanda. Vídeos da época entregam que Seedorf usava vasta cabeleira black-power, no estilo do Jackson Five.
Militante das grandes causas humanitárias, que une na mesma trincheira futebolistas e roqueiros, define o ativismo como obrigação pelo muito que acumulou ao longo da carreira. Mantém escolas de futebol e contribui com dinheiro para a construção de maternidades no Suriname, seu país de origem.
Com a serenidade dos que têm algo a dizer, defendeu o fim da concentração por acreditar na seriedade dos atletas. O bate-papo adquiriu tons mais ácidos quando chegou o Milan entrou na história. Seedorf garantiu que seu ciclo chegou ao fim no rubro-negro italiano por obra e graça de Massimo Allegri, técnico que minou suas oportunidades no time, preferindo volantes mais jovens, parrudos e bons de sarrafo.
Talvez estimulado pelos perrengues nas relações com treinadores, o maestro botafoguense investe alto no projeto de ser técnico quando parar de jogar. Para isso, estuda com afinco – em curso bancado pela Uefa. Não tem convites oficiais, ainda, mas fica claro que a seleção holandesa é seu objetivo natural, seguindo a tradição de outros ex-craques, como Cruyff, Koeman, Gullit, Rijkaard e Van Basten.
Um aspecto interessante foi a decepção dele com a média de público nos estádios brasileiros. O país da bola vê pouco futebol, avalia o holandês, mencionando as plateias minguadas do Campeonato Brasileiro. Em particular, mencionou a baixa adesão dos botafoguenses ao time, fazendo comparação com o papel desempenhado pela torcida do Cruzeiro, que impulsionou o time desde o primeiro turno.
Descarta exercer algum cargo na seleção da Holanda durante a Copa do Mundo. Observou, porém, que na prática já é um embaixador itinerante, pois tudo o que faz acaba indiretamente associado à imagem do país. E aí reside o único equívoco do craque: pela maneira admirável com que respeita sua profissão e pela categoria que dedica à bola, ele é, em verdade, o grande embaixador sem fronteiras do futebol atual.
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Sobre dissimulação e cinismo
Aos que imaginam que Felipão se aborreceu de verdade com Diego Costa, por ter rejeitado a Seleção Brasileira para se alistar à Fúria, é prudente observar que o experiente treinador jamais evidenciou drama de consciência ou desconforto ao abraçar outra nacionalidade, movido por interesse financeiro. Dirigiu a seleção portuguesa na Copa do Mundo de 2006. Para reforçar o time, convocou o brasileiro Deco e a questão nacionalista nem foi levada em conta.
Como grande parte dos profissionais do futebol, Felipão conduz seu conceito de patriotismo pela lógica da conveniência. Temia que, com a camisa da Espanha, Diego Costa lhe criasse problemas na Copa de 2014. Como marcou posição, convocando e depois se mostrando ultrajado com a recusa do atacante, criou uma vacina para a eventualidade de Costa vir a brilhar no mundial.
Ao mesmo tempo, cabe nota que a manobra midiática do técnico não significa que o discurso de gratidão à Espanha, utilizado por Costa, seja menos cínico.
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Direto do blog
“Reitero que nossos maiores adversários hoje são ABC e Atlético Goianiense e, em menor escala, Oeste e América RN. Contudo, temos entraves: poucas vitórias em relação aos concorrentes; logo, temos que ultrapassá-los em números de pontos, jamais igualá-los por conta dos critérios de desempate. O que é alentador ainda é que o time, embora tardiamente, parece demonstrar ter peito e não está se entregando fácil. Aguardemos as cenas do próximo capítulo”.
De Daniel Malcher, um alviceleste bom de cálculo, depois do tropeço em Joinville.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 03)