Por Gerson Nogueira
Não sei o que doeu mais, se a impiedosa sova de 8 a 0 ou se o ar de discreta pena dos catalães pelo estropiado Santos à saída do gramado do Camp Nou depois do amistoso de estreia de Neymar, sexta-feira à tarde. Apesar de não valer rigorosamente nada, a queda de agora foi mais cruel que aquela, de 2011, no Mundial Interclubes.
Fiquei a matutar sobre o que faz um torcedor quando seu time leva uma peia desse porte. E, de repente, constatei que não apenas os santistas ficaram envergonhados com o placar imposto pelo Barcelona. A goleada não golpeia somente o Santos, fere todo o futebol brasileiro.
Sempre vai haver quem minimize essas chineladas em amistosos. De fato, em termos práticos, não se perdeu nada. Mas, no aspecto moral e da respeitabilidade que a hierarquia do futebol exige, pegou muito mal. Perdeu-se muito. Perdemos todos.
É preciso entender que o Barça de Messi não massacrou o São Cristovão ou o ABC de Natal. Surrou, com requintes de crueldade, o grande Santos. Não é um clube qualquer – apresentou Pelé ao mundo e revelou uma coleção de craques, sendo Neymar apenas o último deles.
Com 11 minutos, 2 a 0. No fim do primeiro tempo, 4 a 0. O intervalo exibiu jogadores santistas cabisbaixos na saída para os vestiários. Do lado espanhol, aquele ar de enfado dos seres supostamente superiores.
Pode ter sido um mero placar de jogo-treino, mas o Barcelona está em pré-temporada e o Santos já se encontra em atividade normal, em plena disputa do Campeonato Brasileiro. Um descompasso abissal entre os times e suas maneiras distintas de jogar.
A dispersão e os erros de passe do esquadrão peixeiro foram duramente punidos pela eficiência das triangulações do adversário. A objetividade de Messi, Iniesta e Xavi contrastavam, terrivelmente, com a lentidão dos ex-colegas de Neymar. Um vexame monumental, daqueles que jamais se apagam na memória do tempo.
Daqui a 3 mil anos haverá alguém lembrando que o Santos foi massacrado pelo Barcelona. A história nem sempre detalha e contextualiza os eventos. No fim, importa e prevalece o placar sinistro, como maldição eterna.
Quando o mesmo Santos foi humilhado na final do Mundial Interclubes, o futebol brasileiro parou para fazer um balanço. O resultado foi positivo e se refletiu um ano depois com o triunfo do Corinthians sobre o Chelsea e, dois anos depois, na Copa das Confederações. As lições foram assimiladas e o Brasil parecia ter reencontrado o prumo.
Agora, depois que Santos e São Paulo amargam derrotas para equipes em fase de treinamento, novos questionamentos se impõem. A insegurança está de volta. O que se passa com um futebol que conseguiu, na Seleção, igualar o ritmo alucinante da até então imbatível Espanha?
É fato que os clubes não exibem a disciplina tática e o nível de concentração que o time de Felipão exibiu na Copa das Confederações. Acima de tudo, há uma brutal carência de craques. Persiste um deserto de ideias inovadoras nos sistemas que os técnicos empregam. Tudo isso junto ajuda a explicar a chocante inferioridade brasileira diante do Barcelona.
Para reagir, em médio prazo, será preciso revolucionar métodos de treinamento, estruturas de preparação e desenhos táticos. Será necessário reeducar técnicos. E formar jogadores que dominem os fundamentos. Desde a base, como faz há tempos o melhor time do mundo.
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Futebol não sabe quanto vale
O processo de elitização do futebol brasileiro, exposto nos preços praticados nas novas arenas, parece cada vez mais irreversível, mas parece longe de um formato definitivo. As diferenças nos preços dos ingressos – de R$ 28,00 a R$ 300,00, em média – indicam que os promotores de jogos ainda não sabem o valor exato do evento.
Descobrir quanto vale um jogo de futebol não é tarefa tão simples como parece. A maioria dos torcedores, depois de anos de acesso barato, rejeita preços acima de R$ 20,00. No comparativo direto com o cinema, o futebol perde feio, sempre perdeu.
A baixíssima taxa de ocupação dos estádios é outro item a desafiar os novos gestores dos estádios. Enquanto na Europa, campeonatos bem organizados e atraentes conseguem até 80% de ocupação média, no Brasil a realidade aponta para 31% de espaços ocupados nas arquibancadas. Significa um encalhe de 70% dos ingressos.
Por enquanto, a fase é de adaptação e de transição entre torneios internacionais da Fifa para a realidade nacional. Com o tempo, porém, o futebol precisará encontrar um jeito de conciliar a modernização das arenas com a capacidade de compra dos torcedores. Priorizar uma torcida de elite pode não ser a saída mais inteligente.
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Bola na Torre
Rogerinho Gameleira, técnico interino do Paissandu, é o convidado deste domingo. A apresentação é de Guilherme Guerreiro, com participação de Giuseppe Tomaso e deste escriba baionense. Começa por volta de meia-noite, logo depois do Pânico na Band.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 04)