Pensata: A gente se vê (o remix)

Por Xico Sá

Em uma megalópole como SP e outras tantas grandes cidades, haja encontros e desencontros, Sophia querida, alguns não tão graves, acontece, outros infinitamente dolorosos, que nos perturbam os sentidos, que fazem a gente maldizer os céus, os astros, o destino.

Fica tudo na base do “a gente se vê”… E fudeus, adeus!

Não que fosse acontecer um casamento ou algo do gênero  a partir daquele encontro, nada disso, mas foram encontros bonitos, fortes, que se acabam ali mesmo, na poeira da estrada, numa tarde fria, em um café da manhã, numa simples despedida sob a neblina na Dutra ou Anchieta.

 “A gente se vê.”  Pronto, eis a senha para o terror, o “never more”, o nunca mais do corvo do escritor Edgar A. Poe.

A gente se vê. Corta para uma multidão no viaduto do Chá.

A gente se vê. Corta para uma saída de estádio lotado em dia de decisão do campeonato.

A gente se vê. Corta para “onde está Wally”.

Nada mais detestável de ouvir do que essa maldita frase. Logo depois a porta bate e nem por milagre.

Jovens mancebos, evitem essa sentença mais sem graça. Raparigas em flor, esqueçam, esqueçam.

Melhor dizer logo que vai comprar cigarro, o velho king size filtro do abandono. Melhor dizer que vai pra nunca mais. Melhor o silêncio, o telefone na caixa postal, o telefone desligado, o fora da área, a clandestinidade amorosa, o desprezo on the rock´s.

A gente se vê uma ova. Seja homem, troque de palavras, use o código do bom-tom e da decência. A gente se vê é a mãe, ora, ora.

Como canta o Rei, use a inteligência uma vez só, quantos idiotas vivem só…

Esse “a gente se vê” deveria ser proibido por lei. Constar nos artigos constitucionais, ser crime inafiançável no Código Penal.

A gente se vê é pior do que a gente se esbarra por ai. Pior do que deixar ao acaso, que jamais abolirá a saudade, que vira uma questão de azar e sorte.

Melhor dizer logo “foi bom, meu bem, mas não te quero mais”. YO NO TE QUIERO MÁS, como na camiseta mexicana que ganhei de una hermosa chica. Dizer foi bom meu bem e pronto, ficamos por aqui, assim é a vida, sempre mais para curta do que longa-metragem.

 A gente se vê é a bobeira-mor dos tempos do amor líquido e do sexo sem compromisso. A gente se vê é a vovozinha, foda-se!

Seja homem, seja mulher, diga na lata.

Não engane a moça, que a moça é fino trato, que não merece desdém.  

A fila anda, jogue limpo.

 A gente se vê. Corta para uma multidão no show do Morumbi. A gente se vê. A gente se vê. Corta para a multidão no Campo de Marte. A gente se vê. Corta para o formigueiro do Maracanã.  A gente se vê. Corta para a São João com a Ipiranga. Corta para a 25 de Março em véspera natalina. A gente se vê. Corta para um engarrafamento gigante na marginal do Tietê…

 A gente se vê. Então aproveita e vai olhar se eu estou na esquina!

Coluna: No mundo da fantasia

Um velho amigo rubro-negro, que trabalha há anos no mundo do futebol, costuma telefonar sempre que escrevo um artigo enaltecendo o lado romântico e épico do esporte. Misto de crítica e benevolente compreensão, as intervenções buscam trazer-me para o mundo real, segundo sua própria definição. Nem sempre concordamos, mas, nas últimas semanas, certos acontecimentos fizeram com que lembrasse bastante de seus conselhos. Leio, por exemplo, que o Palmeiras está acumulando déficit mensal de R$ 5,6 milhões com o futebol profissional, o que resultará num acumulado superior a R$ 112 milhões no final da temporada.
As explicações para tamanho desperdicio de dinheiro surpreendem pelo tom simplório. Parceiro do grupo Traffic e capitaneado hoje por um ilustre economista, Luiz Gonzaga Belluzzo, que colaborou para a gestação do Plano Cruzado e deu boa parcela de contribuição ao Plano Real, o Palmeiras é o mais destacado candidato ao título brasileiro da temporada, objetivo a que se lançou com fúria extrema. Percebe-se a importância extraordinária que é dada à conquista pelo grau de irresponsabilidade nos gastos.
Os R$ 64 milhões mensais que o Palmeiras gasta com futebol dividem-se em salários de jogadores e comissão técnica (82%) e despesas diversas (18%). Só o técnico Muricy Ramalho ganha incríveis R$ 450 mil. O jogador Vagner Love, importado do Leste europeu, leva outros R$ 400 mil. É o orgulhoso autor de três gols desde que chegou ao Brasil. Além dos encargos trabalhistas, o clube resolveu adotar um sistema de premiação “por permanência na liderança”. Significa que cada rodada como ponteiro da tabela custa R$ 340 mil aos cofres palestrinos. Por força do acordo, até derrotas acabam sendo premiadas.
 
Tanto dinheiro para gastar sem freios gera muitas dúvidas. Entra em ação meu amigo realista para observar que não há mistério. O futebol brasileiro é inviável financeiramente, diz, calmamente. Os clubes que sobrevivem e se mantêm vencedores – São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Grêmio, Inter e Cruzeiro, principalmente – não executam nenhum plano de multiplicação dos recursos. Recorrem apenas ao velho expediente da sonegação fiscal e, em determinadas vezes, até ao caixa-dois. “Ou você acha que o título da Série A será capaz de devolver todos esses recursos que o Palmeiras está gastando para ser campeão?”, pergunta, desafiador.
Por aquelas ironias típicas da realidade brasileira, meu interlocutor assevera que estão mal das pernas os clubes que caíram na besteira de pagar o que devem e demonstram temor das garras do fisco. Quem seguiu sua vida, indiferente às montanhas de pendências em impostos e taxas, vai muito bem das pernas. É uma inversão completa de prioridades que se sustenta na lei das aparências, de difícil entendimento para quem não está familiarizado com as falcatruas e jeitinhos brazucas, conclui o atento personagem. Desconfio que ele está certíssimo.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta terça-feira, 3)