Sob protesto, Botafogo reestreia no Carioca e goleia Cabofriense

Pedro Raul, Bruno Nazário e Luis Henrique em Botafogo x Cabofriense — Foto: André Durão

O Botafogo venceu a primeira partida oficial que fez em pouco mais de três meses depois da paralisação por conta da pandemia de coronavírus. O Alvinegro goleou a Cabofriense na manhã de hoje, no Nilton Santos, pela Taça Rio, por 6 a 2. Pedro Raul (duas vezes), Cícero, Bruno Nazário, Luis Henrique e Caio Alexandre marcaram para o Bota, enquanto Emerson Carioca e Diego Sales, de pênalti, descontaram. Contrário à retomada do futebol neste momento, o clube protestou antes e durante os 90 minutos.

Os jogadores entraram em campo com faixa que pedia respeito às vidas, ajoelharam-se já com a bola rolando em menção à luta contra o racismo e foram comandados pelo auxiliar Renê Weber. O técnico Paulo Autuori acompanhou o jogo da tribuna em protesto à punição que recebeu.

Com a vitória, o Botafogo vai a sete pontos no Grupo A da Taça Rio, na segunda colocação. Empatado em pontos com o Boavista, o Alvinegro leva vantagem nos gols pró (9 a 5). A Cabofriense segue sem pontuar no segundo turno do Campeonato Carioca.

O melhor: Pedro Raul Além dos dois gols no jogo de hoje, o atacante Pedro Raul teve um desempenho muito bom no Nilton Santos. Com muita movimentação, deu opções para os companheiros e confundiu a zaga rival.

Jogadores do Botafogo exibem faixa de protesto antes de jogo contra a Cabofriense - Thiago Ribeiro/AGIF

Os jogadores do Botafogo exibiram uma faixa aparentemente em alusão ao “Jogo Seguro”, protocolo elaborado pela Ferj para a volta da disputa do Campeonato Carioca. Depois, já com a bola rolando, o time se ajoelhou no gramado. A faixa, que acompanhou a equipe na entrada à partida, tinha os dizeres “protocolo bom é o que respeita vidas”. O Botafogo, vale destacar, foi um dos principais clubes contrários à volta dos jogos estaduais.

Punido por declarações contrárias ao retorno do Campeonato Carioca e à Federação de Futebol do Estado do Rio, o técnico Paulo Autuori não dirigiu o time do Botafogo. A missão ficou a cargo do auxiliar Renê Weber, já que Autuori quis marcar sua posição, ainda que o Bota tenha conseguido reverter a suspensão no STJD e ele estivesse liberado para dirigir a equipe.

O Alvinegro oscilou como um time que estava parado, mas controlou a maior parte do jogo. Sem o ritmo ideal, a equipe saiu em vantagem logo no começo e isso facilitou. Aos poucos o meio-campo criava jogadas e acionava o pessoal da frente. Foi assim que se destacou Pedro Raul e que a goleada foi construída. Ainda que tenha vencido, o time demonstrou cansaço, natural da ocasião. Houve cãibras, passes simples errados e algumas substituições.

Covid chega ao 6º mês e Brasil é visto como “ameaça global”

11/06/2020 - Manifestação da ONG Rio da Paz na praia de Copacabana; organização faz protesto contra a postura do governo federal no combate à covid-19 com a abertura de covas simbólicas nas areias da famosa praia carioca. 39.797 pessoas morreram no Brasil com a doença. - ERBS JR./FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Na próxima semana, o mundo completa seis meses de uma crise sanitária inédita, que abalou sociedades em todo o planeta e, como citou a ONU, virou o mundo de “cabeça para baixo”. A pandemia, porém, não dá sinais de perder força e, na próxima semana, o número de 10 milhões de casos será atingido. Se foram necessários dois meses para que os cem mil primeiros casos fossem registrados, hoje essa marca é atingida diariamente. Por semana, quase um milhão de novos contaminados são somados.

Mas meio ano depois do primeiro alerta oficial da China, em 31 de dezembro de 2019, e meses depois da emergência global declarada pela OMS no final de janeiro, é a situação no Brasil que ocupa em grande parte o centro das atenções nos debates a portas fechadas em Genebra. Com 200 milhões de habitantes e sem controle, o país é avaliado por parte dos especialistas como uma “ameaça global” na luta contra a pandemia, ao lado dos EUA. (Com informações de Jamil Chade)

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A frase do dia

“A cloroquina não serve para nada ‘no tocante’ ao coronavírus. Só tem efeitos colaterais. E o exército, sob a batuta de Bolsonaro, fez estoque para 18 anos. Esta é mais uma metáfora do descalabro bolsonarista. E, uma vez que o dinheiro é público, precisa ser investigada”.

Marcelo Backes, tradutor e jornalista

A boiada nas águas

Por Heraldo Campos

Como estamos vivendo um período difícil, com muita desconfiança, não faz muito tempo, surgiram boatos sobre a venda dos nossos recursos hídricos e, em especial, a venda das águas subterrâneas do Aquífero Guarani.Falava-se, a boca pequena, para não nos alarmarmos, porque eram apenas boatos e que a possível venda dos recursos hídricos seria inconstitucional. Na esteira desses boatos, chegou-se a dizer que estava em tramitação no Senado, um Projeto de Lei que alteraria a lei que proibiria essa venda e que a sua alteração introduziria os mercados de água, como instrumento destinado a promover a alocação e a destinação de verbas, supostamente, mais eficiente para os recursos hídricos.

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Se foram boatos ou não, a população precisa ficar, constantemente, ligada e esperta, para não sentir na pele a mudança, num golpe, com a introdução dos mercados de água, se um dia isso vier a ocorrer.A água, seja superficial ou subterrânea, é um bem público.O superficiário, ou o proprietário de terras, não é o dono dos rios ou dos reservatórios subterrâneos (aquíferos).

A União ou os Estados é que são os detentores do domínio dos recursos hídricos pela Constituição Brasileira promulgada em 1988.Se de fato ainda existe ou existiu um Projeto de Lei, no Congresso Nacional, não custa lembrar que essa modificação dependeria, necessariamente, de uma Emenda Constitucional. No momento, não acredito que essa mudança aconteça e que interfira junto aos interesses da população no uso das águas e, em especial, no uso das águas subterrâneas do Aquífero Guarani. Mas sabe como é que é: tem gente nesse governo que deve estar louca para passar a boiada nas águas.

Por isso, com relação ao denominado mercados de água, vale esclarecer que toda água a ser retirada, superficial ou subterrânea, com exceção de volumes pequenos, necessita de uma Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos, concedida pelo Poder Público, mediante o atendimento de condições que assegurem o interesse da população no uso das águas.

Além disso, ressalta-se que o seu uso não deve causar impacto de qualquer natureza como, por exemplo, a contaminação dos solos e das águas por elementos, compostos ou organismos que possam prejudicar a saúde do homem ou de animais. O impacto pela contaminação, tanto no meio urbano ou rural, dever ser uma das grandes preocupações do Poder Público e dos usuários públicos ou privados.

A água é um direito da população e o governo tem que garantir que nenhum cidadão fique à margem desse bem público. Ela deve ser fraternalmente compartilhada e não utilizada como uma mercadoria. Qualquer Projeto de Lei que ameace os interesses da população no uso das águas, incluindo as águas subterrâneas do Aquífero Guarani, merece uma atenção e um acompanhamento especial da sociedade civil organizada, para que seja barrada no Congresso Nacional uma possível iniciativa nesse sentido.

*Heraldo Campos é Graduado em geologia (1976) pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Mestre em Geologia Geral e de Aplicação (1987) e Doutor em Ciências (1993) pelo Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo – USP. Pós-doutor (2000) pelo Departamento de Ingeniería del Terreno y Cartográfica, Universidad Politécnica de Cataluña – UPC e pós-doutorado (2010) pelo Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo – USP.

O passado é uma parada

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Evento de abertura do Festival de Woodstock, em 1969.

Bastidores da guerra entre Aras e a Lava Jato envolvem doleiro Messer, Moro, Queiroz e Tacla Duran

Por Luis Nassif

Dois fatos centrais vieram à tona ontem.

Uma, a possibilidade de uma delação premiada de Fabrício Queiroz. Outra, a atuação da Procuradoria Geral da República em relação à Lava Jato.

Vamos ao nosso Xadrez para entender os desdobramentos.

Peça 1 – a visita da subprocuradora a Curitiba

A subprocuradora geral da República, Lindora Araújo – pessoa de confiança do PGR Augusto Aras – foi a Curitiba analisar arquivos da Lava Jato.
Foi uma medida algo imprudente, já que tal trabalho cabe apenas à Corregedoria, quando instruída por desconfianças em relação ao procurador investigado.

De seu lado, a Lava Jato do Paraná passou a divulgar a versão de que se tratava de uma operação a serviço de Jair Bolsonaro, rompido com Sérgio Moro desde sua demissão.

O jogo é muito mais complexo.

Peça 2 – as investigações contra a Lava Jato Paraná

Há em curso, de fato, uma investigação ampla contra a Lava Jato Paraná, mas sem nenhuma relação com Bolsonaro. O caso surgiu com as investigações da Lava Jato Rio de Janeiro, que foram bater no doleiro Dario Messer.

Considerado o doleiro dos doleiros, Messer sempre foi poupado pelo grupo do Paraná desde a Operação Banestado. A atitude era inexplicável. Por duas vezes, a Lava Jato Paraná valeu-se de Alberto Youssef, doleiro inexpressivo perto de Messer, deixando o doleiro carioca livre, leve, solto e atuante.

No ano passado, a Lava Jato Rio de Janeiro mirou Messer e o deteve, depois de mapear seus contatos com uma namorada em São Paulo. Em seu celular, descobriu mensagens falando em uma mesada de US$ 15 mil bancadas pelos doleiros para garantir blindagem no Paraná.

O nome do intermediário, segundo o celular, seria Januário Paludo, o mais experiente e mais influente dos procuradores da Lava Jato. As investigações levaram a mais provas, que foram mantidos em sigilo. A Lava Jato Rio encaminhou os dados, então, para a PGR.

Ao mesmo tempo, a PGR decidiu ouvir Tacla Duran, o advogado que acusou os procuradores de Curitiba de oferecerem acordos indecorosos, através do primeiro amigo de Sérgio Moro, advogado Carlos Zucolotto.

Mediante pagamento de US$ 5 milhões, por fora, Zucolotto garantiu uma proposta da Lava Jato, de reduzir a multa de US$ 15 milhões para US$ 5 milhões. A proposta veio acompanhada de um e-mail da própria Lava Jato, com a nova proposta de acordo.

Todos esses pontos foram denunciados por Duran, e também a perseguição movida pelos procuradores, acionando a Interpol e o MPF espanhol – e ambos, segundo Duran, inocentando-o.

Quando Aras decidiu ouvir Duran, o procurador Celso Três – figura chave na Operação Banestado, mas não alinhado com o grupo de Paludo e Dallagnol – escreveu artigo na Folha manifestando estranheza pelo fato de Duran nunca ter sido ouvido pela Lava Jato.

Há mais elementos de posse do PGR.

A visita de Lindora a Curitiba visou, obviamente, levantar mais dados. Como os suspeitos são os próprios procuradores, Lindora não explicitou o que procurava. Mas há em andamento um inquérito bem fornido na PGR para pavimentar uma denúncia próxima.

Há um enorme cipoal a ser pesquisado, da milionária indústria das delações premiadas às inconsistências nas multas aplicadas, na qual o poder do juiz Moro e dos procuradores era suficiente para definir os valores.

Há também as inúmeras ligações de Rosângela Moro, a esposa de Sérgio Moro, com figuras polêmicas, como Zucolotto e Marlus Arns, um advogado parceiro dela nas ações da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Paraná) que ganhou um bom naco das delações premiadas, substituindo a pioneira Beatriz Catta Preta.

Peça 3 – Entendendo episódio recentes

As descobertas da Lava Jato Rio e as investigações da PGR ajudam a entender alguns episódios políticos recentes. Um deles é o afastamento entre Bolsonaro e Sérgio Moro. Para Moro é muito mais prático pedir demissão de um governo que o desrespeitava e se apresentar como vítima política do governo, nas investigações da PGR.

Entende-se, também, a recente aproximação de Aras com o Supremo Tribunal Federal, e de medidas contra figuras do governo Bolsonaro, como o enquadramento do ministro Augusto Heleno, depois de bazófias dele sobre crises políticas.

Para ganhar legitimidade política para avançar sobre a Lava Jato, Aras terá que mostrar independência em relação a Bolsonaro. A luta contra a corrupção ganha nas duas frentes.

Nos próximos meses, Aras enfrentará o maior desafio de um Procurador Geral da República, o de cortar na própria carne, em cima da operação que lançou definitivamente o Ministério Público Federal no mundo da política.

Peça 4 – a cadeia improdutiva da Lava Jato

Não será tarefa fácil.

A Lava Jato criou uma cadeia improdutiva, com chupins de toda ordem.

Conseguiu um impeachment de presidente da República. Desfraldando sua bandeira, ministros do Supremo Tribunal Federal, procuradores, jornalistas, jornais, emissoras saíram sambando e faturando em palestras, reputação, audiência.

E ajudou a lançar Moro como a esperança branca para 2022. Por isso mesmo, vindo à tona, haverá uma enorme guerra de narrativas. Daí a importância de um trabalho isento e tecnicamente bem feito.

A visita de Lindora a Curitiba visou, obviamente, levantar mais dados. Como os suspeitos são os próprios procuradores, Lindora não explicitou o que procurava.

O sucesso da empreitada dependerá de Aras se cercar de procuradores profissionais e isentos, que não cometam erros básicos durante as investigações.

De qualquer modo, os episódios desta semana dão um xeque em duas figuras chaves para as próximas eleições.

Uma, Sergio Moro. Outra, o próprio Bolsonaro que, em breve, terá que enfrentar a delação premiada de Fabricio Queiroz e, provavelmente, de Frederick Wassef.

2022 começou esta semana.

A lógica da delação e exculpação

Por Celso Três*, na Folha

Ainda cicatrizando a unificação italiana, na qual Giuseppe e Anita Garibaldi, dantes bravos combatentes no Brasil meridional e Uruguai, tiveram heroico destaque, 1894, Nicola Framarino dei Malatesta, à luz do iluminismo, escreve “A lógica das provas em matéria criminal”, tendo influenciado a elaboração do nosso ainda vigente Código de Processo Penal, entre tantas preciosas e perenes sentenças, dito: “A verdade, em geral, é a conformidade da noção ideológica com a realidade; a crença na percepção desta conformidade é a certeza. A certeza é, portanto, um estado do espirito, que pode não corresponder à verdade objectiva”.

Mais de século, 2015, o procurador Deltan Dallagnol pluralizou o título lançando “As lógicas das provas …”.

Futuro ainda poderá dizer se disse algo a ser lembrado.

Prova é, muito além de ser a essência, ao fim e ao cabo o que de fato interessa no processo judiciário, dos grandes temas humanos.

Pontua o jornalista, professor e escritor Juremir Machado da Silva: “Ao contrário do que imaginam os seus críticos, a pós-modernidade é louca por provas. O problema dos pós-modernos com os modernos é que os primeiros acham que os últimos aceitam como prova tudo aquilo que corresponde às suas crenças”.

Jean-François Lyotard, autor do livro que praticamente deu o pontapé inicial ao debate sobre pós-modernidade nas ciências humanas, “A Condição Pós-Moderna”, questionava, escavando na história da filosofia, certezas modernas: o que prova que uma prova é uma boa prova e prova alguma coisa? Jorge Luis Borges, citando Agripa, o cético, sugeria que é impossível se provar alguma coisa, pois, “toda prova requer uma prova anterior” (Correio do Povo, 08/04/2016).

De standard probatório, corroborando Aury Lopes e Alexandre da Rosa, a partir da matriz teórica bem elaborada, a anglo-saxão, são os seguintes padrões:

– prova clara e convincente (‘clear and convincing evidence’);

– prova mais provável que sua negação (‘more probable than not’);

– preponderância da prova (‘preponderance of the evidence’); e

– prova além da dúvida razoável (‘beyond a reasonable doubt’).

Aqui, tratamos da lógica do meio específico de prova, a delação.

Na economia, a inflação decorre do desequilíbrio entre mais dinheiro/procura e menos bens e serviços/oferta.

A relação entre crime e justiça também é pautada por um mercado próprio.

Toda delação traz apenas duas certezas: a) delator é um confesso criminoso; b) o delinquente não será punido, eis que perdoado ou brandamente sancionado (prisão domiciliar, pena de estudo, etc.) pelo Ministério Público/Judiciário.

A condenação do delatado dependerá, não da palavra do delator, mas das objetivas provas que corroborem o que ele diz. Daí a decorrência frequente: “Delação da Odebrecht gera poucos resultados em um ano” (Folha, 29.jan.2018).

Portanto, o delator é um criminoso convertido em assistente da acusação, remunerado pelo mercado da justiça mediante seu perdão, moeda da impunidade, na proporção direta em que ofertar delitos que outros tenham cometido. Assim, tudo passa ser crime.

Empreiteiro delinquente, mesmo tenha ele, sem qualquer contraprestação de corrupção, alcançado benefícios a políticos, dirá que eles foram criminosos.

Este cenário é agravado pelo interesse das instituições de justiça (fiscalização, polícia, Ministério Público) em sobrevalorizar sua importância, igualmente inflando mais delitos.

Tanto é mercado que, em 28 de agosto de 2016, a Folha revela a ‘bolsa delação’, ou seja, as corruptoras Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez garantem até 15 anos de salários para que seus subalternos delatem políticos, salvaguardando os patrões.

Delação é de ser instrumento negocial com os peixes, periferia da delinquência, para apreender os tubarões, gangsters do crime organizado. Do contrário, torna-se, invés de investigação, meio de exculpação.

Nenhum sentido em pactuar com Al Capone a prisão dos estafetas da máfia. Sem essa premissa, a invocação isolada de qualquer das hipóteses à colaboração (art. 4º da Lei 12.850/13) torna-se engodo, artifício a fazer do crime negócio vantajoso aos seus empreendedores.

Jamais, por exemplo, poderia ter sido firmada delação com Antonio Palocci. Ele foi ministro da Fazenda, no bolso, chave de cofre do erário, responsabilidade inigualável.

Na antiguidade, qual a resposta ao caixa que apropriasse o tesouro do rei? Leniência, comiseração? Era esquartejado em praça pública. Delito de lesa-majestade.

Estupefata, a nação acompanhou o duelo público entre Marcelo Odebrecht e Joesley Batista para definir quem teria mais políticos em sua carteira. Um, cerca de 500, outro, xeque-mate, 1,8 mil. Troféu Al Capone dos corruptores. Ambos foram aquinhoados, exculpados com delação.

E outros de somenos status no submundo do crime, a exemplo de Tacla Duran, por que não tiveram idêntica sorte?

Insolitamente, a Lava Jato protestou de público contra disposição do chefe da instituição, Augusto Aras, em levar adiante negociação com Tacla Duran.

Esse advogado, de longa data, aponta que fora alvo do pedido de propina, US$ 5 milhões para ter êxito na sua negociação da delação em Curitiba.

Solicitação da vantagem indevida teria vindo do também advogado, amigo, padrinho de Sérgio Moro, quem, juntamente com outro causídico que teria recebido parcela inicial de US$ 612 mil, trabalharam junto com a esposa do ex-juiz.

Desde sempre, o ex-ministro da Justiça certificou de público a inocência de seu dileto.

Duran teve vitória cujos precedentes não têm presença no rotina judiciária. A Interpol, órgão de estado, reunindo as polícias do mundo (fundado ainda 1923, sediado na França), reconheceu a suspeição de Moro, invalidando a busca internacional do mandado de prisão por ele expedido. Desmoralização à Justiça brasileira.

O que fez, afinal, Tacla à tamanha mobilização da persecução?

Rogo a quem honra-me com a leitura deste breve escrito que acompanhe a análise, acessando a íntegra das denúncias ajuizadas contra Duran (lavajato.mpf.mp.br).

Consoante acima exposto, a própria Lava Jato estabelece a hierarquia do crime nas denúncias: 1ºnúcleo (corruptores, empreiteiras); 2º núcleo (servidores públicos corruptos, agentes da Petrobrás, empossados pelos políticos corruptos); 3ºnúcleo (políticos corruptos); 4ºnúcleo (operadores do tráfego da propina, financeiros, lavadores).

A relevância de cada função é medida pela sua imaginária subtração e reflexo no resultado, ou seja, excluído corrupto ou corruptor, inexistirá delito. Porém, operador (4º núcleo), até porque facilmente substituível, presente ou não, jamais determinará o resultado.

O mais importante delator da Lava Jato é, precisamente, operador Alberto Youssef, quem já fora delator no caso Banestado/2004, tendo reincidido na criminalidade, fato que levou a Justiça Estadual do Paraná, com quem o Parquet local também pactuara colaboração premiada, determinar a revogação do benefício.

Claro nas denúncias que Duran nada mais é que um reles operador.

Do total de seis processos, emblemática a penúltima ação contra Tacla, 25.03.2019, com seis acusados. Porém, quatro são delatores, apenas dois são propriamente acusados, Duran e outro também operador, ou seja, as figuras centrais da delinquência, corruptos e corruptores, são colaboradores, exculpados pela delação.

Qual o sentido desta persecução? Mais. A principal atuação de Tacla foi em face da Odebrecht, a quem foi outorgado benefício a 78 delatores, ou seja, a todos, incluídos capos e estafetas.

Sergio Moro e amigos têm o inexorável presunção de inocência. Tacla Duran têm o ônus de provar. Porém, também inexorável que, com ou sem delação, a ele a Lava Jato mais que permitir, exija provar (art. 3º-B, §4º, Lei 12.850/13).

Recorrente a práxis tipificada como tráfico de influência (art. 332 do Código Penal), segundo o qual penaliza-se quem apresenta-se pedindo vantagem a pretexto de influir na atuação de agente público, sem a consciência desse, ‘in casu’, eventualmente imputável a circunstantes do ex-juiz.

Igualmente gravemente sancionado, ação pública incondicionada, a denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal), ‘in casu’, eventualmente imputável a Tacla.

Portanto, seja pela eventual corrupção, tráfico de influência ou denunciação caluniosa, certo mesmo é que a Lava Jato jamais poderia remanescer inerte ante a narrativa e apontamentos de Duran.

Firmasse ou não acordo de delação, sendo Tacla – não autor! — vitimado pelo delito (corrupção ou tráfico de influência), tem ele o dever de colaboração com a Justiça, não sendo o caso de descartar prova da delação malograda, eis que nada do que o próprio alcançou ao Parquet será utilizado contra o denunciante.

Excluídas essas hipóteses, incorreria Duran em denunciação caluniosa. Afinal, noticiou à autoridade delito de ação incondicionada, provocando sua inelutável atuação investigativa, agindo de má-fé (art. 3º-B, §6º, Lei 12.850/13).

Ante o exposto, pode-se dizer que a Lava Jato atentou, sim, contra a lógica da delação no caso Tacla Duran. Correto o PGR Aras em reexaminar.

Aliás, por que tamanho desconsolo da Lava Jato com a eventual mitigação de pena a reles operador?

*Procurador da República em Novo Hamburgo

“Viva São João, viva a Refazenda/viva São João, viva Dominguinhos…”