
POR GABRIEL VASCONCELOS, no blog Ultrajano
Enquanto os jovens empunham faixas contra o imperialismo, montam barricadas e enfrentam a repressão policial, o mandatário estadunidense se reúne com ditadores plantados por seu Departamento de Estado, entre os quais o paraguaio Alfredo Stroessner e o nosso Artur da Costa e Silva
Estive em Santiago do Chile, no último mês de julho, para entrevistar uma série de cineastas ligados a Cine Experimental, movimento que surgiu dentro da Universidad de Chile no final dos anos 1950 e foi extinto logo após o golpe militar, em setembro de 1973. Nada mais natural. Afinal, como acontecia por toda a América Latina, seus jovens integrantes dedicaram boa parte de seus filmes à denúncia do subdesenvolvimento e uma de suas fiadoras, a dependência externa, mais especificamente, aos Estados Unidos.
Ao todo, conversei com cinco ou seis senhores, entre os quais Pedro Chaskel e Carlos Flores, cujos filmes já deram as caras por aqui. Dedicando suas vidas ao cinema, produziram arte genuinamente latina: peças políticas plenas do espírito libertário terceiro-mundista, filmes que foram mundialmente reconhecidos à sua época, mas terminaram vencidos pela força bruta, quando não abafados pela estética comercial que pretendiam afrontar.
Inevitável perguntar a seus autores, quais eram as suas influências. E aí a surpresa. São bem conhecidos os intercâmbios do movimento com o escocês John Grierson e o holandês Joris Ivens. O último chegou a realizar três filmes no Chile, entre os quais o clássico À Valparaiso (1962), sobre a cidade portuária que vivia seu auge econômico.
No entanto, nenhuma das respostas exaltava este cinema reconhecidamente importante, mas feito nos limites metrópole. Todos, sem exceção, apontam sistematicamente dois nomes: o cubano Santiago Álvarez, notabilizado por filmes cheios de intertextos, como o clássico Now (1965), e o uruguaio Mario Handler. O último vinha sempre seguido de uma descrição calorosa de seu filme Me gustan los estudiantes (1968).
Curioso notar que ambos cineastas eram pouco ou nada mais velhos que os entrevistados, o que reforça a importância do intercâmbio cultural em encontros anuais, como os lendários Festivais de Viña Del Mar, exclusivos para películas latinas. Em tempos de comunicação onipresente, arrisco dizer, as trocas entre os países do bloco pouco avançaram. Pior ainda no caso do Brasil, eterna “ilha na costa do atlântico”. Grata exceção é o site Retina Latina, que reúne produções antigas e recentes de seis países latino-americanos (Bolívia, Colômbia, Equador, México, Peru e Uruguai). Foi lá que pude assistir, pela primeira vez, a Me gustan los estudiantes. O acesso, vejam só, é restrito a cidadãos latino-americanos, como nós brasileiros.
Mario Handler já disse, em entrevistas, não ser adepto da livre exibição de seus filmes, seu ganha pão ao lado da cátedra. Confessa ter se irritado com a difusão incontrolável de seu primeiro filme, Carlos, cine-retrato de un «caminante» en Montevideo (1965), que o fez conhecido mundo afora. O mesmo aconteceria três anos depois, com Me gustan los estudiantes, que se tornou uma febre compreensível num mundo pré-1968.
Em pouco menos de seis minutos, Handler alterna cenas do encontro anual da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Punta del Leste, e protestos de estudantes contra a presença do então presidente norte-americano Lyndon Johnson no país. Enquanto os jovens empunham faixas contra o imperialismo, montam barricadas e enfrentam a repressão policial, o mandatário estadunidense se reúne com ditadores plantados por seu Departamento de Estado, entre os quais o paraguaio Alfredo Stroessner e o nosso Artur da Costa e Silva. Também na roda, alguns presidentes democraticamente eleitos, como o chileno Eduardo Frei e o anfitrião Oscar Gestido, cujas cadeiras seriam tomadas por generais seis anos mais tarde.
Importante ao sentido do filme, as música de Violeta Parra, homônima à obra, e a canção Vamos Estudiantes, de Daniel Viglietti, vêm e vão, incidindo somente sobre as imagens dos estudantes. Aí, a letra conversa com o que se vê: estudantes que levantam o peito, arremessam pedras contra a polícia e seguem de punhos cerrados. Para as autoridades, o silênci
o. Uma dinâmica que acusa a postura militante de Handler.
Símbolo dos movimentos estudantis dos anos 1960, este filme inspirou toda a geração do Nuevo Cine Latinoamericano, seja no tocante ao argumento, seja na forma do filme, que prioriza a filmagem direta, alegoriza a imagem de anônimos e usa a música latina como recurso à ausência do som direto.
O cineasta, que preza pelo trabalho individual e rechaça o modelo de entrevistas, já relatou, em entrevista de 2012, que custou a entender o fenômeno em que o filme se converteu. De fato, após sua primeira exibição, num domingo de 1968, os jovens deixaram a sessão e foram direto protesta
r na Praça de Cagancha, na Avenida 18 de Julio, uma das principais da capital uruguaia. Como no filme, usaram os bancos públicos para montar barricadas.
Perguntado sobre o que pensa da militância jovem de nossos tempos, Handler foi claro: “Há uma grande diferença para os protestos modernos, como o Occupy. Naquela época (1967), os estudantes eram muito conscientes. Agora, acho que (os jovens) ainda não encontraram o seu lugar ideológico”, opina. Tem certa razão. Vide as nossas jornadas de junho de 2013, até hoje uma incógnita.
Assista o filme Me Gustam los Estudiantes aqui.