Inclinadas, quase caindo

Por Janio de Freitas

A intervenção do ministro Joaquim Barbosa, de franqueza incomum em pronunciamentos internacionais, durante encontro na Costa Rica sobre liberdade de imprensa desvendou uma situação algo extravagante.

O diagnóstico da imprensa brasileira feito pelo palestrante aparenta duas vertentes que, na realidade, têm iguais pontos de partida e de chegada. A primeira delas resume-se bem em poucas frases do pronunciamento:

“O Brasil tem hoje três principais jornais nacionais impressos, todos mais ou menos inclinados para a direita no campo das ideias”;

“Eu não seria sincero se concluísse a apresentação sem trazer a público desvantagens que vejo em meu país acerca da informação, da comunicação, da liberdade de expressão e de imprensa: o problema está, basicamente, na falta de um pluralismo forte [na imprensa]”.

Entremeadas, citações à ausência de “pluralismo” e à “fraca diversidade política e ideológica da imprensa brasileira”.

IRRETOCÁVEL

Curioso, no entanto, é que o fulminante prestígio de que Joaquim Barbosa vê-se munido, também fora do Brasil, foi elaborado exatamente por aquelas características políticas e ideológicas identificadas na imprensa brasileira pela visão crítica do ministro. A contrariedade da “inclinação para a direita”, com a vitória sem precedentes de adversários políticos e ideológicos, encontrou no relator Joaquim Barbosa um veio para sua ansiedade de reverter o país à tradição conservadora. A razão e a desrazão, o equilíbrio e o atropelo não importariam mais do que a efetivação do objetivo intermediada por Joaquim Barbosa e nele heroizada.

O próprio convite para falar na reunião da Unesco, portanto, foi fruto do que Joaquim Barbosa lá descreveu como identidade da imprensa brasileira.

O outro componente do diagnóstico, como aparência de fator à parte do anterior, também se acomoda em referências breves:

“No Brasil, negros e mulatos representam 50% a 51% população. Mas não brancos são bem raros nas Redações, telas de televisão, sem mencionar a quase abstenção deles nas posições de controle ou liderança na maioria dos veículos. É quase como se não existissem no mercado das ideias. Raramente são chamados para expressar pontos de vista ou especialidades, salvo nas situações de estereótipos”;

“As pessoas são tratadas de modo diferente de acordo com seu status, sua cor de pele e o dinheiro que têm”.

Não poderia ser diferente em uma imprensa “inclinada para a direita” e com “fraca diversidade política e ideológica”. O conservadorismo político e ideológico é conservadorismo social que é conservadorismo também racial. Aqui, está tudo no mesmo trono. Sem que a raridade de não brancos seja uma peculiaridade da imprensa, e sem que haja nas Redações, em geral, uma predisposição pensada.

Entre as inevitáveis respostas sobre o Judiciário, não muito menos críticas, o ministro mencionou, segundo uma das notícias a respeito, certo dado perturbador: “(…) a Suprema Corte, que tem 60 mil casos aguardando julgamento, casos que afetam a sociedade (…)”.

A “imprensa se inclina para a direita” e o Judiciário se inclina para a inutilidade social, pois. O que dá no mesmo, como inclinação.

8 comentários em “Inclinadas, quase caindo

  1. Este artigo mal consegue disfarçar o indisfarçável que é a mágoa pelas condenações no caso do mensalão, e o interesse de certa parcela partidarizada da imprensa brasileira em demonstrar seu apoio ao governo.

    Senão, porque tratar o Ministro como “relator” se o objetivo é apenas comentar os pronunciamentos internacionais do Magistrado. É o que se constata dentre outros, no seguinte trecho: (…) A contrariedade da “inclinação para a direita”, com a vitória sem precedentes de adversários políticos e ideológicos, encontrou no RELATOR Joaquim Barbosa um veio para sua ansiedade de reverter o país à tradição conservadora” (…).

    E essa menção ao “relator”, certamente não é um mero ato falho do jornalista governista, é, na verdade, a marca deliberadamente deixada no artigo para que os chefes partidários possam identificá-lo como um ato de apoio às respectivas causas.

    Com todo o respeito, o Jânio não está honrando seu qualificado currículo. É uma pena. É uma pena que com sua inclinação meramente partidária jogue pra escanteio temas tão importantes como são estes que ele usa como motes no seu artigo, nomeadamente o difícil acesso dos não brancos em postos mais elevados imprensa e em outro setores, bem assim a quase imobilidade do Judiciário.

    Curtir

    1. Seu comentário também revela má vontade com Janio de Freitas, um dos mais sérios jornalistas brasileiros. Quando ele se refere ao Barbosinha como “relator” está dando o tratamento que o próprio reivindica para si, conforme amplo noticiário nos últimos dias, com aval do sempre solícito Gurgel. Não nos iludamos, amigo Oliveira, o jogo é mais pesado do que se possa imaginar. Ou o amigo acha que o ‘mensalão’ mineiro, de feições tucanas, ainda corre risco de vir a ser julgado?

      Curtir

  2. “O relator do processo do mensalão ministro Joaquim Barbosa”, é assim que PIG inicia seu noticiários quando se refere ao processo. Tem que ser identificado como o ministro relator implacável, rigoroso nas suas sentenças mas sabemos que não é bem assim, O companheiro Gerson foi feliz quando afirma “que o jogo é mais pesado do que se possa imaginar”.

    Curtir

  3. “Seria uma desgraça total no Brasil, aprovar uma lei que tira do STF o direito de investigr políticos acusados de corrupção”
    Joaquim Barbosa, futuro presidente do Brasil!

    Curtir

  4. Joaquim Barbosa indicado para receber título de cidadão do Pará

    O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa, foi indicado pelo deputado estadual Augusto Pantoja (PPS), na manhã desta quarta feira (10), para receber o título honorífico de cidadão do Pará

    Curtir

  5. Joaquim Barbosa é excelente orador, dono de retórica irretocável, ele realmente impressiona na tribuna. Mas, devemos estar atentos para o momento em que a justiça deixa de ser positiva e passa a ser subjetiva. O objetivo da lei é ser positiva, científica, clara, e não subjetiva, dogmática e obscura. Barbosa discursa dizendo o que quer ouvir, punição aos corruptos. Desse modo, por que não houve ainda o julgamento do mensalinho mineiro? Paciência, no Brasil é assim, quando tudo parece caminhar para um final feliz…

    Curtir

  6. Gerson, depois de reler meu comentário, num primeiro momento cheguei mesmo a reconhecer que os respectivos termos traduzem uma certa má vontade. No entanto, depois de também reler o próprio artigo do Janio e outros comentários que eu já fizera a respeito de artigos anteriores do mesmo jornalista postados, aqui no Blog, concluo, afinal, que não há má vontade.

    O que há, apenas, é uma serena elevação do tom, inteiramente compatível com o acentuado partidarismo que impregna o artigo. Na realidade, é só uma certa frustração e desencanto em verificar que um profissional desperdiça todo o seu inegável talento jornalístico colocando-o a serviço de projetos e interesses pessoais de determinados políticos.

    Quanto ao mais, meu amigo, acredite que avalio muito bem o peso do jogo, máxime porque verifico que um dos jogadores é alguém da estatura do Janio de Freitas. E sobre o mensalão tucano, como diria o velho Anaice, ‘o diabo é quem duvida’. Mas, registro que será uma pena se ele realmente não vier a ser julgado. Afinal, com o precedente do mensalão petista, a chance dos tucanos que forem julgados culpados saírem impunes é muito pequena.

    Na realidade, até agora, como ainda não se conhece a tendência do Ministro Teori e a do novo Ministro a ser nomeado, a expectativa é que só dois Ministros, o Dias Toffoli e o Lewandovsk, venham a absolver os réus do mensalão tucano. O problema é se o mensalão tucano for usado como salvo-conduto dos réus do mensalão petista, e vice-versa.

    Curtir

Deixar mensagem para Lopes Junior Cancelar resposta