Malandragem dá um tempo

Por Gerson Nogueira

Para os permissivos padrões brasileiros, a decisão foi surpreendente e sua aplicação promete dar muito pano pra manga. A Comissão de Arbitragem da CBF, estimulada pela onda de críticas ao atacante Neymar, anuncia rigor absoluto contra boleiros flagrados em simulação de faltas.

A intenção é boa e pode, de fato, beneficiar o torcedor que aprecia o espetáculo futebolístico sem truques. A dúvida que se impõe é de outra natureza. Que critérios serão seguidos pelos árbitros para avaliar se uma falta foi ou não encenada? Sabe-se que a aplicação da maioria das regras é puramente interpretativa, o que sempre dá margem a erros cabeludos.

Até hoje, por exemplo, discute-se aquele pênalti sobre o volante Tinga não marcado por Márcio Rezende de Freitas no jogo Corinthians x Internacional, no Brasileirão 2005. A poucos metros do lance, o árbitro entendeu que o jogador colorado havia se atirado na área, embora as imagens mostrassem claramente que ele tinha sido derrubado. O erro pavimentaria o caminho corintiano até o título nacional daquele ano.

Por ironia, a onda de caça aos malandros da bola foi detonada por reclamações do técnico corintiano Tite contra Neymar e suas seguidas quedas em campo. Para o treinador, Neymar precisa ser mais fiscalizado e punido pelos árbitros. O santista de fato costuma dar mergulhos cinematográficos, levando na lábia os apitadores desatentos.

Ocorre que Neymar também é alvo de perseguições implacáveis em campo. Leva trombadas e pontapés que provocam muitos tombos e contusões. Como as arbitragens irão distinguir queda provocada de tropeço fingido é um enigma não esclarecido até agora. Na dúvida, fico sempre com o craque, pois seu talento deve ser preservado justamente pelos homens do apito.

Tite é parte interessada – e suspeita –, pois seus zagueiros são vítimas preferenciais do craque santista. Enquanto se preocupa com a segurança da retaguarda, o técnico finge não ver que no ataque corintiano está um dos mais refinados atores dos gramados brasileiros: o arisco Jorge Henrique, useiro e vezeiro em mergulhos teatrais que rendem faltas preciosas para seu time.

Na Europa, a rejeição aos simuladores é de natureza cultural. A própria torcida repudia comportamentos enganosos. O anti-jogo é visto de maneira inteiramente negativa, como tentativa de burla. É comum observar jogadores interpelando companheiros que fingem ter sofrido faltas.

Na América do Sul, a catimba faz parte do arsenal dos boleiros e chega a ser reverenciada por algumas torcidas. Uruguaios e argentinos sempre foram especialistas nessas artimanhas. No Brasil, a moda é relativamente recente, alimentada por árbitros coniventes. Neymar não é o único a apelar para o ardil, mas hoje, até pela fama, é o mais visado.

Por tudo isso, a Comissão de Arbitragem terá um trabalho árduo pela frente. Precisará ir contra hábitos antigos e terá dificuldade para tipificar as simulações. O reverso dessa cruzada é o estímulo disfarçado ao jogo bruto. Faltas violentas podem vir a ser atenuadas pela suspeita de simulação.

No país das leis que não pegam, corre-se o risco de instituir uma norma que pode ter efeito contrário ao desejado. Não seria a primeira, nem a última.

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O centenário de Nelson Rodrigues foi reverenciado nesta semana. Frasista afiado e dramaturgo genial, ele brota particularmente inspirado em crônica de homenagem pelos 60 anos de vida do Flamengo. Não custa lembrar que Nelson era tricolor roxo. Acima de tudo, porém, era um apaixonado por futebol. O trecho a seguir é revelador dessa paixão indomável:

“Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo, a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas tremem então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável”.

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O técnico Marcelo Veiga, do Remo, é o convidado do programa Bola na Torre (RBATV, às 23h45). Guerreiro apresenta, com a participação de Tomazão e deste escriba baionense.

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O DIÁRIO comemora 30 anos de existência e aproveito o ensejo para agradecer aos companheiros que formam a incansável tropa de choque da Redação. Repórteres, fotógrafos, produtores, revisores, paginadores, colunistas, ilustradores/infografistas e editores constroem diariamente o jornal, vivendo emoções e angústias que só este ofício incomparável proporciona. Todos têm meu respeito e admiração pelo empenho em fazer sempre o melhor jornal possível para o público leitor paraense. É uma honra integrar time tão guerreiro.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 26)

8 comentários em “Malandragem dá um tempo

  1. Tite não poderia ficar calado com o tamanho daquele apito amigo. Um absurdo de sequências de erros em um só lance que não é permitido a um profissional tamanha lambança. Quanto a Neymar, é uma combinação de malandragem, audácia (por não se intimidar com os zagueiros) e porte físico (ser leve).

    Vale lembra que o Felipão só mão botou a boca na vuvuzela naquele jogo passado contra o Botafogo, mata mata da Sul-americana, porque o Palmeiras eliminou a estrela solitária, quando claramente um gol em impedimento beneficiou e um penal não marcado a favor do verdão beneficiaram o time carioca.

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  2. Amigo Gerson, parabéns a toda equipe do jornal diario do Pará pelos 30 anos de edição. Acompanho o jornal desde sua criação e sei da evolução, aprimoramento e credibilidade junto aos seus leitores diários como eu.

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  3. O Papão também esteve presente na crônica de Nelson Rodrigues. ele também se banhou de felicidade com vitória de 3 a 0 do bicolor em cima da seleção uruguaia travestida de Peñarol.

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  4. O apito amigo nunca vai deixar de existir,pois algumas equipes de jornalismo quando transmitem algum jogo de futebol,nunca vão aos estádios para cobrir as partidas sem a camisa de seus clubes de coração por baixo dos seus uniformes, e isso se vê claramente com a galera da globo e band, aqui no Pará mesmo existe isso,e depois, qual arbitro vai querer ficar na mira dessas duas emissoras se por acaso Flamengo ou corinthians(Que as vezes transmitem até jogos sofríveis dessas equipes,principalmente do Flamengo ultimamente) forem rebaixados ou os seus resultados não for o esperado, e mais podem verificar que ultimamente o juiz mais tem punido com cartões o jogador de sofre e reclama das faltas do que os que cometem essa infração,dando uma grande ajuda ao time do jogador que comete faltas.Ainda vai demorar muito para que os nossos arbitros cheguem ao nível que torne o futebol e os nossos campeonatos sem manchas e digno de ser 5 vezes campeão do mundo.

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  5. Wagner Cabano concordo inteiramente com voce.Sei que serei moderado,mas será publicado meu post.A maioria da imprensa ,pricipalmente no Norte e Nordeste ainda insiste em cunhar o árbitro de MEDIADOR.”Fulano mediará tal encontro entre clube a x Clube B
    .Mediar é aparar arestas,conciliar,tentar um consenso para uma lide.
    Arbitrar é analisar as interpartes e INCISIVAMENTE tomar uma DECISÃO e IMPOR as interpartes
    .Ainda ñ sou advogado ,mas já estudei isso em Direito Civil e Teoria Geral do processo.Como o árbitro atua como se fora um juiz(Ainda assim chamado nacionalmente) o termo correto é esse :Árbitro.
    Em uma terra onde o cara vai mediar , conciliar, agradar as interpartes com certeza não sairá decisão justa.Há advogados que postam nesse blogue e certamente corroborarão com o que digo sobre a diferença entre MEDIAR E ARBITRAR.
    Infelizmente é o que vem acontecendo no campeonato brasileiro.Juizes tão fracos ou mal intencionados que estão MEDIANDO. MEDIANDO ,TENTANDO SER SIMPÁTICO às interpartes,COMETEM erros.
    Fui árbitro e na fração de décimos de segundos que se tem para trilar o apito INTERVINDO INCISIVAMENTE em decisão imposta aos dois clubes é preciso ter certeza dessa decisão NÃO É PARA PENSAR ” AH FOI PENALTI ,MAS SE EU TRILAR O APITO, SEREI SIMPÁTICO,ESTAREI CONCILIANDO OS FATOS”.É PARA PENSAR : FOI PENALTI OU NÃO E TRILAR O APITO SE FOR O CASO..Botafogo foi, RARAMENTE, auxilaido contra o Palmeiras.Aliás esses dois clubes são ultimamente os dois clubes mais prejudicados pelos ” MEDIADORES”.

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