Por Gerson Nogueira
Cinco e trinta da manhã de domingo, palco principal do Festival Se Rasgum no Hangar. Lobão manda ver “Corações Psicodélicos” em ritmo rascante e sugere brincando que a platéia saia dali direto para a padaria, a fim de tomar o café da manhã aproveitando os primeiros raios de sol – foi o que eu fiz, indo bater na Doca. Aliás, aproveitei o Se Rasgum em sua sexta edição para fazer as pazes com a música de Lobão, um dos mais subversivos de nossos roqueiros. Não ouvia nada do encrenqueiro-mor desde que cuspiu declarações fascistas (e debochadas) sobre vítimas da ditadura militar. Presepada tem limites e com repressão e morte não dá pra fazer piadinha.
Acontece que um fã de roquenrou em férias não pode se amofinar, nem desperdiçar a chance de ver ao vivo, de uma só tacada, vários bons shows em Belém. Primeiro, revi as pérolas do DeFalla do quase mitológico Edu K e seus asseclas – Flávio Gomes, C. Daudt e a fera Biba Meira nas baquetas. De óculos de aro pink, Edu mandou ver em hits do indie nacional, como “Não Me Mande Flores”, “Melô do Rust James”, “Repelente”, “Sobre Amanhã” e “Caminha (Que aqui é de Osasco)”, com direito a recadinhos sacanas de Edu para estabelecer a conexão entre os números. Lá pelo meio lançou até um tal projeto de masturbódromo. Negativa apenas foi a fria recepção do público, que teve ainda a suprema indelicadeza de não aplaudir o final do show.
Pude acompanhar também, pela primeira vez assim de perto, a performance de palco dos uruguaios do El Cuarteto de Nós, veterana e competentíssima banda de Montevidéu, mui recomendada pelo amigo Marcelo Damaso, a cabeça pensante por trás do Se Rasgum, que há três anos tentava trazer os caras a Belém. Valeu a espera. Ao ver o estrago (no bom sentido) causado junto à platéia fica ainda mais evidente a tolice que é menosprezar o som produzido pelos irmãos de continente. Ritmo forte, guitarras decentes e letras furiosas. Uma agradável surpresa. Lembra Soda Stereo, mas tem contornos mais alegres.
Vi, logo em seguida, sem pausa para descanso, a apresentação da Gang do Eletro, grupo liderado por Maderito. Suíngue paraense para as pistas de dança. Pop energético de qualidade, desde que ninguém fique reparando nas letras e se concentre no ritmo que sai das picapes do DJ Waldo. Não sou fã do gênero, mas reconheço que o set da Gang eletrizou muita gente. Ainda mais quando Gaby Amarantos apareceu para uma participação especial.
Aí quando o sono já fazia muita gente desabar nos corredores do Hangar irrompe a figura sempre altiva do Grande Lobo. O relógio marcava 3h40. À frente de uma banda discreta, mas afiada, desfilou várias composições mais recentes na primeira parte do show. De guitarra em punho, arrebatando até os mais sonolentos com solos de quem domina por completo o instrumento, Lobão foi tomando conta da noitada. “Rádio Blá”, “Bambino”, “Canos Silenciosos”, “Me Chama”, “Decadence avec Elegance”, “Vida Bandida” e uma versão demolidora e pesadíssima de “Vida Louca Vida” (com direito a uma inocente sacaneada no amigo Cazuza) constituíram a base da segunda parte do show. No instante mais romântica do repertório, mandou ver “Essa Noite, Não” e a clássica “Noite e Dia” (tributo dele e de Júlio Barroso a Marina Lima). Houve espaço para uma versão cadenciada de “Help!” antes do encerramento sensacional com “Corações Psicodélicos”, depois de quase duras horas de bola rolando. Não à toa, momentos depois, Lobão escreveria no Twitter que havia feito um puta show, elogiando o público que segurou a onda até 5h30 da matina.
Como é próprio de um evento com atrações simultâneas, acabei perdendo as aprontações do Laboratório de Música Paraense, que teve até um set especialíssimo pilotado pelo jornalista e DJ Marcelo Costa, editor do Scream & Yell. Não deu para ver direito Juca Culatra & Cristal Reggae, como também perdi Bidê ou Balde, Eddie, Marcelo Jeneci e Leoni. Fica para a próxima edição do Se Rasgum, projeto que vi nascer e ao longo do tempo se tornar um tremendo canal para quem consome música alternativa em Belém. (De quebra, a ida ao Hangar permitiu momentos felizes ao lado de amigos como Esperança Bessa, Raul Bentes, Márcio Sousa Cruz, Anna Carla Ribeiro, Pedrox & Mariana Almeida, Syanne Neno, Caco Shack, Amanda Aguiar, Léo Fernandes, Anderson Araújo, Lázaro Magalhães, Ana Lídia Campos, Christian Nascimento, Rafael Guedes e o próprio Damaso). (Foto 1: Caio Brito/Maveka; foto 2: Taiana Laiun; foto 3: Thiago Araújo)











