Quando o mundo finalmente resolveu retaliar a África do Sul e segregou o país de competições esportivas importantes, a F-1 correu alegremente no país, nas décadas de 60, 70 e 80. Só em 1985 a categoria se dobrou às pressões internacionais e deixou de realizar seu GP, que ignorava olimpicamente o apartheid. Quando a Argentina era governada por militares tresloucados, nos anos 70, nada impedia que os carrinhos coloridos desfilassem pomposamente pelo autódromo de Buenos Aires.
Quando o Brasil tinha no comando generais sanguinários, era como se nada estivesse acontecendo nos porões do país, e Interlagos servia de palco de exibição para uma ditadura patética e assassina. Quando a China massacrava opositores no Tibete, um autódromo faraônico foi erguido em Xangai e lá foi a F-1 lamber as alpercatas dos comunistas mais capitalistas da história da humanidade.
Por isso, não é surpresa alguma o ar de “não estamos nem aí” diante do que acontece no Bahrein, que, na onda de levantes no mundo árabe detonada pelo povo da Tunísia, vê a população nas ruas exigindo o fim da monarquia absolutista que oprime a maioria xiita e faz da pequena ilha no golfo um parque de diversões sórdidas e mulambentas. Mas se houver o cancelamento da corrida, não será por uma tomada de posição política da F-1, mas sim pelo temor em relação à segurança de seus intocáveis atores e diretores, que não dão a mínima para o mundo real que os cerca.
Não se ouvirá, da boca de nenhum piloto, manifestação alguma contra o governo barenita, muito menos uma negativa individual de correr num país que ordena a repressão violenta aos seus cidadãos nas ruas e nas praças. As equipes, se Bernie Ecclestone mandar, correm até com frases de apoio ao xeique de plantão pintadas em seus carros.
Piloto de F-1 não pensa, não se posiciona, não reage a nada que não diga respeito ao seu ofício, guiar carros, o que é uma pena. É a perda de uma oportunidade de ouro de mostrar que seus neurônios servem para algo que vá além de acelerar, frear, apertar botões e falar frivolidades.
Sempre foi assim, como se vê pelos exemplos que abrem este texto. Não me lembro, sinceramente, de casos de pilotos que tenham boicotado os GPs sul-africanos por razões políticas. O colega Rodrigo Mattar menciona a ausência da Ligier e da Renault do GP de 1985, atendendo a um pedido do presidente socialista francês, François Mitterrand, mas acho que é só. Mattar, por sinal, defende a neutralidade da F-1, opinião das mais respeitáveis (para ler, entre em
http://tinyurl.com/6k8g65r). Mas diametralmente oposta à minha. Não acho que deva haver neutralidade em determinadas questões. Não se trata de uma discussão partidária ou ideológica. Trata-se de saber distinguir o bem do mal. E de ficar do lado certo. Mas seria pedir muito para a F-1, que está longe de ser do bem.