Nossos clubes vivem tomando sustos a todo instante. Melhor dizendo: nossos grandes clubes, pois broncas trabalhistas só atormentam as duas maiores forças, Remo e Paissandu. Nos últimos dias, a aflição dominou os arraiais bicolores, com o imbróglio envolvendo o atacante Moisés, que reivindica pagamento de pendências diversas e o não recolhimento do INSS – prática, aliás, corriqueira nos clubes de futebol em todo o país. Além de Moisés, o Paissandu ainda se debate com uma dívida antiga, de R$ 279 mil, com o goleiro Alexandre Fávaro.
São situações que exprimem a balbúrdia contábil e administrativa das duas agremiações. Sempre que alguém fala em modernidade, marketing ousado, salto para o futuro e outros delírios, costumo pedir que os clubes comecem pelo bê-a-bá, cumprindo suas obrigações básicas, que é respeitar contratos e pagar seus compromissos em dia.
Enquanto não houver a preocupação em cuidar desses deveres primários, dificilmente o futebol do Pará sairá da era da pedra lascada. O caso de Moisés, bem emblemático da caótica gestão – de agora e sempre – dos clubes, chama atenção porque envolve uma daquelas jóias surgidas quase que por acaso na Curuzu.
Garoto humilde, morador da periferia de Belém, Moisés se destacou num grupo que tinha vários outros bons valores – Jênison, Japonês, Billy. Só foi valorizado, porém, com a chegada do técnico Luís Carlos Barbiéri, que o promoveu ao elenco principal, depois de ter sido praticamente descartado.
Sob o comando de Charles Guerreiro seu futebol finalmente explodiu, foi artilheiro do time no campeonato estadual e passou a ser tratado com o devido reconhecimento pelos torcedores. A partir daí, passou a ter seus ganhos aumentados, com a respectiva ampliação da multa rescisória, para resguardar os interesses do clube.
Veio, então, a proposta tentadora do Santos, time mais badalado do país no momento. O encantamento do garoto com a idéia de jogar com Ganso e Neymar é natural. O clube teve dificuldades de compreender essa aspiração e simplesmente repeliu a investida santista. Com isso, descontentou seu jogador, que passou a alimentar sonhos legítimos de independência.
Assessorado por advogados e procuradores, Moisés decidiu pelo rompimento da relação. Foi à Justiça do Trabalho denunciar o clube. Pelas regras não escritas do futebol, buscou um caminho sem volta. A própria torcida, que o venerava, já o hostiliza nos treinos e o presidente não economizou grosserias para desqualificar o que seria um gesto de suprema “ingratidão” para com o clube.
Até prova em contrário, Moisés não cometeu nenhuma heresia. Reivindica seus direitos, o que é inteiramente legítimo. A Justiça, no próximo dia 26, deve decidir quem tem razão, mas a sentença já está dada. O Paissandu já não quer ficar com o atacante, que talvez tenha pecado na dose do remédio usado. Já o clube, na figura de seus dirigentes, deve aproveitar o episódio para se organizar e evitar dissabores (e prejuízos) tão dolorosos.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta sexta-feira, 13)