
POR GERSON NOGUEIRA
De Fernando Redondo a Ezequiel Barco, passando por Juan Verón, Ariel Ortega, Juan Riquelme, Pablo Aimar e Ángel Di María, além de Lionel Messi e Diego Maradona, obviamente acima de todos, a Argentina tem nos brindado com meio-campistas de alto coturno, legítimos usuários da camisa 10 – aliás, número de qualificação cabalística consagrado por um brasileiro, o Rei Pelé.
Todos os citados, alguns outros esquecidos, são jogadores que honram e honraram como poucos aquele território sagrado demarcado simbolicamente entre uma intermediária e outra, mas de dimensões incalculáveis quanto à importância para a beleza (e a existência) do jogo.
Na decisão da Sul-Americana, anteontem, deu para observar o quanto pode ser incompreensível o fato de que boa parte dos brasileiros amantes do futebol menospreza a qualidade técnica de nossos vizinhos argentinos.
À frente de qualquer elogio ou manifestação de admiração vem sempre aquele ronco travoso, repleto de comentários desairosos e depreciativos, carregados de preconceitos transmitidos de geração a geração.
Aprendemos muito cedo, ainda com nossos avós, que argentino é milongueiro. Não joga, catimba. Não sofre falta, encena. Ainda que Alfredo Di Stéfano tenha provado lá nos anos 50 que eles sabiam jogar muito bem, a má vontade persiste.
Quando Diego Maradona irrompeu, altaneiro e liso com a bola nos pés, incontido e avassalador na aurora dos anos 80, a torcida brazuca preferiu apedrejá-lo. Rancorosa, deu um jeito de procurar defeitos no homem. Com aquela gosma venenosa do ressentimento escorrendo pelo canto da boca, vibrou com suas desditas.
Ao ser apanhado em exame antidoping na Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, Maradona caiu em desgraça, atacado impiedosamente de todos os lados, incompreendido pelos que não entendiam que vício é doença. Piadas sujas foram criadas, ainda na era pré-internet, desancando El Pibe. E seguem sendo repetidas gratuitamente.
No Brasil, a vingança burra contra o genial camisa 10 está no achincalhe, como se isso diminuísse o gigantismo de seu futebol. Os mais cínicos costumam dizer que a torcida deles age assim em relação a Pelé. Ora, se age de maneira tão bovina, não deve servir de exemplo.
Maradona vai continuar a ser o que é, imenso, do mesmo que Pelé está acima de todos, absoluto. A diferença é que Dieguito sempre foi ele mesmo. Assumiu suas incoerências e jamais hesitou em declarar guerra aos poderosos, atacando a Fifa de Havelange e Blatter, no que se revelaria depois extremamente certeiro.
Acabei me entusiasmando com a linhagem de craques hermanos e quase esqueci da valente atuação do Independiente diante de 60 mil empolgados rubro-negros. Mostrou um jogo seguro e qualificado, com Gigliotti, Benitez e o jovem Barco, autor do gol em penalidade e responsável por algumas das mais bonitas jogadas da noite no gramado do Maraca.
Disciplinado taticamente, o Independiente jamais fugiu ao script desenhado pelo inovador Ariel Holan: dominar as ações a partir da posse de bola e sair sempre em velocidade, empreendendo contra-ataques perigosos, trocando passes e avanços pelos lados. Podia ter marcado pelo menos dois gols no começo do segundo tempo, domando as tentativas rubro-negras de impor pressão. Um bom time, sem dúvida.
El Rojo conquista a competição por franco merecimento, coerente com a mais bela história copeira do continente: sete finais de Libertadores e sete títulos (1964, 1965, 1972, 1974, 1975, 1984); duas finais de Sul-Americana (1995 e 2017), dois títulos – sem esquecer dois mundiais (1973 e 1984). Como negar-lhe o título de Rei de Copas?
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Final marcada pela selvageria das hordas criminosas
Enquanto os argentinos do Independiente festejavam pela segunda vez (a primeira foi em 1995) no Maracanã, as gangues davam um show de selvageria nas cercanias e nas áreas de entrada da arena, com a expressiva contribuição dos homens da lei. Sem alcançar os baderneiros, os policiais descarregavam a ira gratuita nos torcedores comuns, mesmo diante das câmeras de TV. Até quando tal descalabro será permitido¿
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De perdão em perdão, o Remo vai se perdendo
Novo perdão foi concedido à gestão Manoel Ribeiro no Remo, a título de voto de confiança e – talvez, quem sabe – para que os esforços atuais de recuperação não sejam afetados. Os conselhos internos e deliberativos do clube voltaram a usar de tolerância extrema, abençoando prestação de contas com inúmeros remendos. A aprovação, com ressalvas, equivale a empurrar as impurezas para debaixo do tapete.
Permite ao gestor seguir trabalhando de maneira pouco convencional. Pior é perceber que as instâncias fiscalizadoras do clube caem em permanente descrédito. Quando as contas foram apreciadas, ganhando prazo extra para correção, veio a desconfiança de que tudo ficaria por isso mesmo. E ficou.
Por essas e outras é que o Remo patina no plano administrativo, sofrendo com erros antigos sem dar mostra de que pode aprender com suas próprias mazelas. A semidestruição do estádio Evandro Almeida há quatro anos é um marco negro na história recente do clube, quase em pé de igualdade com o célebre e misterioso assalto à sede social.
Nos dois episódios, um mesmo cenário: nenhuma responsabilização aos que estavam no comando. Quem desmanchou o Baenão, acarretando sérios prejuízos cumulativos nos últimos anos, segue sem sofrer qualquer tipo de punição ou sequer advertência pública. Quem agiu de maneira temerária com o dinheiro do clube segue presidente, sem sofrer qualquer embaraço.
E la nave va…
(Coluna publicada no Bola desta sexta-feira, 15)