Por Marcelo Moutinho
As caixas chegavam, uma após a outra, pela longa escada que dava acesso ao sobrado. Fechadas em papelão bege, só serviam à adivinhação. Em qual delas estaria o suspiro? A cocada? As maria-moles?
Aos poucos, revelações. Que apontavam para os doces de sempre e no entanto alegravam pelo reencontro tão esperado, fazendo jorrar cor no quarto opaco da tia Aurora. Guloseimas de um lado. Do outro, saquinhos brancos com a imagem de São Cosme e São Damião desenhada em verde e vermelho. Um mundo a se organizar a partir desses dois pedaços de infância, tão complementares.
A experiência de encher os saquinhos era talvez tão boa quanto flanar com os primos e amigos pelas ruas do bairro, atento aos carros que poderiam de repente brecar, abrir as portas e oferecer o que há de mais desejado para uma criança no 27 de setembro: doces de Cosme e Damião.
Algumas pessoas preferiam fazer a festa em suas próprias casas, abdicando dos saquinhos e estendendo os doces na mesa da sala. O “Cosme e Damião de mesa”, assim chamávamos. Mas a gente não gostava tanto. Na mesa, tudo estava por demais dado, já não havia a surpresa de abrir o saquinho, a tentativa de ainda por um ínfimo profetizar o conteúdo e imaginar o mel do melhor: o desejado coco-de-rato, o não tão comum doce de batata doce, e ainda mais raro caramelo Zorro.
Quando eu morava em Madureira, sair atrás de doces era uma consequência natural do dia de Cosme e Damião. Rodávamos desde a manhã e, no fim do dia, despejávamos tudo o que foi arrecadado numa bacia, comparando o montante que cada um conseguiu. Então se iniciava outro ritual: as trocas.
Eu oferecia maria-mole por doce-de-abóbora. Um chocolate valia dois doces mais ordinários, como aquelas gelatinas de duas cores. Coco-de-rato nunca entrava em negociação.
Um dia me mudei para a Barra com meus pais, depois para a Zona Sul, e foi como se essa tradição desaparecesse. As ruas, no dia 27 de setembro, eram apenas as ruas, com sua incessante monotonia. Às vezes, um parente lembrava de nós e mandava um saquinho de doce. O que não era igual, nem brincando, às nossas expedições.
Nunca entendi muito bem por que o costume de distribuir doce, seja por pagamento de promessa ou mera praxe familiar, com o passar dos anos ficou restrita ao subúrbio da cidade. Em Cascadura, Marechal Hermes, no Engenho de Dentro, em Piedade ou na já mencionada Madureira, ainda se pode ver meninos e meninas cruzando as ruas, bolsas plásticas imensas nas mãos, em busca dos saquinhos.
O hábito persiste mesmo com a marcação rígida de algumas igrejas evangélicas, que tentam impedir seus fiéis de distribuir, ou mesmo pegar, doces. O motivo da resistência é a vinculação dos santos com o Candomblé e a Umbanda: nas duas religiões, Cosme e Damião são associados aos ibejis, gêmeos amigos das crianças que teriam a capacidade de, em troca de guloseimas, agilizar qualquer pedido que lhes fosse feito.
Meu pai, que nunca foi da curimba, mantinha uma pequena estátua deles na sua loja. Num “Cosme e Damião de Mesa” em que estive certa vez, a manicure de minha mãe recebeu santo e começou a falar que nem criança. Eis o tal sincretismo, nossa riqueza, ainda mais bonita quando a gente vê a meninada fazendo algazarra sem se preocupar com o futuro que aguarda logo à frente, sem saber das tantas pessoas queridas que irão embora e não voltarão, e então a gente lembra que correu por aquelas mesmas vias, com a mesma ânsia, a mesma a pressa sem motivo para quem ainda tem tempo, muito tempo.
Não substimem os evangelicos, pra bom entendedor, meia palavra basta!!!
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Acho que se vc não faz parte da cultura, da felicidade alheia… não tente tirar isso dela.. afinal é só uma tradição… qual o problemas com doces, festas e crianças??? O brasil é muiticultural… Tenho certeza de que Deus que no final é o foco de todo mundo não gosta dessa diferença… seja católico, seja evangélico, candomblecista, umbandista, budista ou qqr coisa… A vida da gente está aí pra ser vivida…por inteiro e não multilada (não pode isso ..não pode aquilo)… impor pras pessoas oque se pensa é hipocrisia já que NINGUÉM nessa terra é perfeito … E viva a minha liberdade de expressão e a minha sagrada liberdade de acreditar naquilo que EU quiser…
Ao Autor.. já me imaginei em minha cecizinha(1993/1994) .. feliz da vida por estar cheia de maria mole e cocada (adooorooo) … sentindo já o cheiro do algodão doce e com a certeza de estar dançando de rostinho colado com Deus e rindo com minha inocência de criança… (tempos dourados)
Cosme e Damião que te faça alegre.. inocente … feliz e com muita mas muitaaaaaaa saúde!!!
amém??? amééééemmmmmmmm
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A manicure deve ter gostado de receber o espirito maligno no corpo…
Eu também tenho minha liberdade de expressão, que é sagrada também, de descrer no que eu bem entender.
Que Deus te faça feliz!!!!
Ok??? Okkkkkkkkkkkkkk
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um salve a sua ignorância e preconceito, descrer é seu direito… me chamar de manicure (Graças a minha fé, minha faculde.. me permitiu ser uma médica e ótima profissional) .. e dizer que eu recebo espíritos malígnos não (isso é intolerância religiosa,, demonize a sua fé não a minha) … respeito é bom e te mantém fora da cadeia…
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É um absurdo ver tantas pessoas ignorantes, preconceituosas. Te pergunto alguém voltou do além para dizer qual a melhor religião ? Que eu saiba não. Independente da crença de cada um, o que devemos ter é caracter e respeito pelo outro. Sou umbandista, e ao contrário do que alguns “ótimos cristãos” dizem não sou demoniaca, não idolatro o diabo, e na nossa religião, pregamos o amor e a caridade. E ref. ao diabo nas nossas reuniões praticamente não os mencionamos, sabemos que eles existem, mas não queremos traze-los para nossa vida. Já em algumas religiões “extremamente perfeitas” o que é falado em todos os cultos é somente do capeta. Começem a falar de respeito ao próximo, humildade e assim começaremos a viver em um mundo melhor, mais tolerante.
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