Constrangimentos no mensalão

Por Paulo Moreira Leite/Revista Época

Sabemos que os esquemas financeiros da política brasileira são condenáveis por várias razões, a começar pela principal: permitem ao poder econômico alugar o poder político para que possa atender a seus interesses. Os empresários que contribuem com campanhas financeiras passam a ter deputados, senadores e até governos inteiros a seu serviço, o que é lamentável. O cidadão comum vota uma vez a cada quatro anos. Sua força é de 1 em 100 milhões. Já o voto de quem sustenta os políticos é de 100 milhões contra 1.

Por isso sou favorável a uma mudança nas regras de campanha, que proíba ou pelo menos controle essa interferência da economia sobre a política. Ela é, essencialmente, um instrumento da desigualdade. Contraria o princípio democrático de que 1 homem equivale a 1 voto. Pela mesma razão, eu acho que todos os fatos relativos ao mensalão petista precisam ser esclarecidos e examinados com serenidade. Casos comprovados de desvios de recursos públicos devem ser punidos. Outras irregularidades também não devem passar em branco.

Não vale à pena, contudo, fingir que vivemos entre cidadãos de laboratório. Desde a vassoura da UDN janista os brasileiros têm uma longa experiência com campanhas moralizantes para entender um pouco mais sobre elas. Sem ir ao fundo dos problemas o único saldo é um pouco mais de pirotecnia.

No tempo em que Fernando Henrique Cardoso era sociólogo, ele ensinava que a opinião pública não existe. O que existe, explicava, é a “opinião publicada.” Esta é aquela que você lê. O julgamento do mensalão começa em ambiente de opinião publicada. O pressuposto é que os réus são culpados e toda deliberação no sentido contrário só pode ser vista como falta de escrúpulo e cumplicidade com a corrupção.

Num país que já julgou até um presidente da República, é estranho falar que estamos diante do “maior julgamento da história.” É mais uma opinião publicada. Lembro dos protestos caras-pintadas pelo impeachment de Collor. Alguém se lembra daquela da turma do “Cansei”? Também acho estranho quando leio que o mensalão foi “revelado” em junho de 2005. Naquela data, o deputado Roberto Jefferson deu a entrevista à Folha onde denunciou a existência do “mensalão” e disse que o governo pagava os deputados para ter votos no Congresso. Falou até que eles estavam fazendo corpo mole porque queriam ganhar mais.

Anos mais tarde, o próprio deputado diria – falando “a Justiça, onde faltar com a verdade pode ter mais complicações – que o mensalão foi uma “criação mental”. Não é puro acaso que um número respeitável de observadores considera que a existência do mensalão não está provada. A realidade é que o julgamento do mensalão começa com um conjunto de fatos estranhos e constrangedores. Alguns:

1. Roberto Jefferson continua sendo apresentado com a principal testemunha do caso. Mas isso é o que se viu na opinião publicada. Na opinião não publicada, basta consultar seus depoimentos à Justiça, longe dos jornais e da TV, para se ouvir outra coisa. Negou que tivesse votado em projetos do governo por dinheiro. Jurou que o esquema de Delúbio Soares era financiamento da campanha eleitoral de 2004. Lembrou que o PTB, seu partido, tem origens no trabalhismo e defende os trabalhadores, mesmo com moderação. Está tudo lá, na opinião não publicada. Ele também diz que o mensalão não era federal. Era municipal. Sabe por que? Porque as eleições de 2004 eram municipais e o dinheiro de Delúbio e Marcos Valério destinava-se a essa campanha.

2. Embora a opinião publicada do procurador geral da República continue afirmando que José Dirceu é o “chefe da quadrilha” ainda é justo esperar por fatos além de interpretações. Deixando de lado a psicologia de botequim e as análises impressionistas sobre a personalidade de Dirceu é preciso encontrar a descrição desse comportamento nos autos. Vamos falar sério: nas centenas de páginas do inquérito da Polícia Federal – afinal, foi ela quem investigou o mensalão – não há menção a Dirceu como chefe de nada. Nenhuma testemunha o acusa de ter montado qualquer esquema clandestino para desviar qualquer coisa. Nada. Repito essa versão não publicada: nada. São milhares de páginas. Nada entre Dirceu e o esquema financeiro de Delúbio.

3. O inquérito da Polícia Federal ouviu 337 testemunhas. Deputados e não deputados. Todas repetiram o que Jefferson disse na segunda vez. Nenhuma falou em compra de votos para garantir votos para o governo. Ou seja: não há diferença entre testemunhas. Há concordância e unanimidade, contra a opinião publicada.

4. A opinião publicada também não se comoveu com uma diferença de tratamento entre petistas e tucanos que foram agrupados pelo mesmo Marcos Valério. Como Márcio Thomaz Bastos deve lembrar no julgamento, hoje, os tucanos tiveram direito a julgamento em separado. Aqueles com direito a serem julgados pelo STF e aqueles que irão para a Justiça comum. De ministros a secretárias, os acusados do mensalão petista ficarão todos no mesmo julgamento. A pouca atenção da opinião publicada ao mensalão mineiro dá a falsa impressão de que se tratava de um caso menor, com pouco significado. Na verdade, por conta da campanha tucana de 1998 as agências de Marcos Valério recebiam verbas do mesmo Banco do Brasil que mais tarde também abriria seus cofres para o PT. Também receberam aqueles empréstimos que muitos analistas consideram duvidosos, embora a Polícia Federal tenha concluído que eram para valer. De acordo com o Tribunal de Contas da União, entre 2000 e 2005, quando coletava para tucanos e petistas, o esquema de Marcos Valério recebeu R$ 106 milhões. Até por uma questão de antiguidade, pois entrou em atividade com quatro anos de antecedência, o mensalão tucano poderia ter preferência na hora de julgamento. Mas não. Não tem data para começar. Não vai afetar o resultado eleitoral.

É engraçada essa opinião publicada, concorda?

15 comentários em “Constrangimentos no mensalão

  1. Que o julgamento seja justo e que sejam condenados pelos crimes que ocorreram.

    A questão se é ou Nao o maior julgamento, acredito que seja uma opinião. E na minha acredito que sim.

    Concordo que isso tenha que servir de base para correção dos reais problemas, mas um erro Nao justifica o outro, portanto, espero que esses caras sejam condenados pelos seus reais crimes e que sirvam de exemplo.

    Acho muito interessante esse tipo de debate e opinião aqui no site.

    Valeu gerson.

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  2. O interessante e que a Globo ta fazendo aquela condenação previa de todos os acusados, e faz questão de frizar que o mensalão e só do PT, deveriam abrir a caixa preta das privatizações do Fernando Henrrique esse sim movimentou bilhões de reais.

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  3. Jaime, na verdade, o mensalao, se de fato existiu(?), começou no governo tucano, em BH…antes, portanto, deste que entro em julgamento ontem…a ”plim plim” distorce alguns fatos mas nao pode ir contra a historia..vide 82 diretas já…

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  4. Penso que os julgamentos do Presidente e dos participantes do mensalão se equiparam em grandeza.

    Tenho orgulho de viver à época desses acontecimentos pois sou, quiçá, testemunha do começo de uma nova era nesse meu Brasil tão sofrido. O fim da impunidade está apenas começando.

    Esperemos apenas que a nossa Justiça não nos decepcione como sempre sói acontecer.

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  5. Sempre vejo Edimilson posar como candidato da moralidade e resolvi checar isso. Inacreditavelmente, Edmilson Brito Rodrigues responde a nada menos que 44 processos, sendo um deles por desvio de recursos da saúde. ( Processo 17910-63.2010.4.01.3900 no TRF )

    Em outro deles, Edimilson teve de devolver cerca de R$84mil aos cofres públicos por irregularidade em programa de atenção à pessoa idosa. ACÓRDÃO Nº. 47.692
    (Processo nº. 2004/53335-0)
    http://www.tce.pa.gov.br/busca/Forms/FileViewAcordao.aspx?NumeroAcordao=47692

    Só no STF existem estes 2 processos.
    http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=2227147
    http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=2120952

    Só no TRF 1ªRegião existem estes 13 processos.
    9428-44.2001.4.01.3900
    10093-60.2001.4.01.3900
    2355-84.2002.4.01.3900
    305-80.2005.4.01.3900
    306-65.2005.4.01.3900
    1058-37.2005.4.01.3900
    1763-35.2005.4.01.3900
    1764-20.2005.4.01.3900
    4395-34.2005.4.01.3900
    11179-85.2009.4.01.3900
    25936-50.2010.4.01.3900
    22881-57.2011.4.01.3900
    17910-63.2010.4.01.3900 (É acusado de irregularidades envolvendo recursos do sus)

    No STJ existe este processo.

    2011/0041068-1

    Só no TJEPA existem 12 processos.

    0013105-91.2005.814.0301
    0014852-31.2007.814.0301
    0026163-82.2005.814.0301
    0000248-62.1991.814.0301
    0003638-69.2004.814.0301
    0013106-86.2005.814.0301
    0013998-67.2004.814.0301
    0014223-09.2004.814.0301
    0035556-10.2007.814.0301
    0004943-43.2004.814.0301
    0004992-89.2004.814.0301

    Só no TRE-PA existem 16 processos.

    53.296/2012

    16035/2006

    17.528/2000

    17.917/2000

    17.922/2000

    17.961/2000

    19.122/2000

    19.123/2000

    19.692/2000

    19.861/2000

    3.450/2001

    13.969/2001

    10.877/2004

    11.162/2004

    11.161/2004

    11.194/2004

    12.352/2004

    12.427/2004

    1.999/2002

    16.285/2006

    11033/2004

    Vale consultar além dos processos, o site transparência Brasil:
    http://www.excelencias.org.br/@candidato.php?cs=14&id=75915

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  6. Bela pesquisa caro Paulo Sérgio continue pois verás que os outros também estão cheios de processos, se gritar paga ladrão, não fica um mermão!!!!!

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  7. No final das contas quando a justiça der o veredito e assim não condenar alguns por falta de provas e absolvelos, como a rede globo já os condenou com suas reportagens caprichadas, o povo vai achar que não temos justiça. Pois o tribunal globo já os condenou.

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  8. Sobre os ditos constrangimentos referidos no post:

    Procurando saber da opinião não publicada, busquei ler as alegações finais do Roberto Jeferson, disponíveis no site da Folha de São Paulo, e ali verifiquei algo um tanto diferente do que diz no post. Deveras, o que ali está escrito pela defesa do RJ deixa bem claro que ocorreram dois tipos de pagamentos: um para o financiamento da campanha das eleições municipais de 2004 (o que ele teria recebido) e outro para a obtenção da adesão dos parlamentares beneficiários aos projetos do governo por ocasião das votações (o mensalão). Nas alegações finais O RJ repete claramente o que declarou para a mídia sobre ter denunciado o Mensalão ao próprio Presidente Lula. Aliás, a defesa prévia o RJ chega a insistir que o Lula também deveria estar respondendo ao processo. Bom, isso é a opinião não publicada. Mas, a princípio não quer dizer muita coisa, pois, que, ao contrário do que diz a postagem, o RJ não é testemunha, e, sim, réu. E, como tal, não terá nenhum problema se não disser a verdade, já que ao réu é admitida a mentira.

    Pode não ser verdadeira a versão do ministério público. Todavia não se trata de simples opinião publicada a que coloca o JD na chefia do Mensalão. Nada disso, esta versão consta tanto da denúncia, quanto das alegações finais do Ministério Público. Isto é, JD era o Chefe segundo a versão oficial. É dizer que na sua defesa prévia JD ele alega veementemente que não há nenhuma prova contra ele. Cabe aos Ministros do STF avaliar se realmente existem ou não.

    Enfim, vejamos como vai decidir o Supremo.

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  9. O PT criou o mensalão se beneficiou dele até quando pôde e agora vem uns comédias afirmando que quem criou o mensalão foi o psdb em bh?

    Depois dessa vou dar uma cochilada.

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  10. Acordei… A Globo lá condena alguém rapaz… ainda não vi ninguém afirmar categoricamente quem algum mensaleiro é culpado. O que ví foi a leitura das acusações contra os mensaleiros, e isso não é julgar, não é culpar, é sim expôr os motivos por quê cada figurinha está sendo julgada.

    Mas isso ofende quem gosta dessa bobajada que aí está.

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  11. Paulo Sergio, todos postulantes a cargos publicos respondem processos…nosso Lula responde processo..FHC responde… Joao Batista Figueiredo responde…seus post me pareceu pouco receptivo a uma possivel volta do Ed ao poder…rs rs rs

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  12. José Mariano, eu tenho certeza que vc tem o “bico grande” viu, mermão..? Nunca ví defender com essa cegueira toda. Tú não leu o texto do “blogger”, não, cara..?

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