Por Cássio de Andrade
À guisa de introdução (tal como começavam as prédicas acadêmicas de priscas eras), o título desse texto soa denoxérico (quem não souber o que significa esse neologismo, que vá estudar a cultura de massa e publicitária oitocentista). Longe de se tratar de qualquer forma de rendição deste convicto tricolor morumbino à conquista mosqueteira, o artigo em tela (por favor, corintianos, não confundam com grade) diz respeito ao fenômeno nunca antes observado em situações congêneres de nosso futebol: o crescimento da torcida anti-corintiana em relação diretamente proporcional ao marketing agressivo do Corinthians, em especial da Era Sanches.
Muitos fatores podem ser apontados como fundamentais a essa estranha relação proporcional, entre os quais, faça-se justiça, a natural antipatia dos “secadores” rivais frente ao desempenho positivo de qualquer equipe de ponta e de massa. Essa antipatia atingiu o São Paulo de Telê e Muricy, e o próprio Flamengo das glórias e dos triunfos oitocentistas. Ainda assim, o que se viu em relação à torcida contrária ao Corínthians, foisui generis. Chegamos (ops, desculpem o ato falho), ao cúmulo de torcer por argentinos, tal o espírito que se espraiou em uma nação. Até pouco tempo, tinha a certeza que a segunda maior torcida brasileira era a que torcia contra o Flamengo. Hoje, sem dúvida os anti-corintianos superaram os anti-flamenguistas.
A intolerância, o ódio e as confusões patrocinados pela “Gaviões da Fiel”, a imparcialidade da mídia paulista, a arrogância da diretoria mosqueteira e a natural “violência marrenta” de sua torcida, são componentes históricos que acompanham o Corínthians elevados à quinta potência a partir da decisão da Libertadores. Durante o jogo, até que muitos torcedores rivais foram quebrando sua resistência, mas a “marra”, a “arrogância”, a “violência” que se seguiu a conquista, retornou à estaca zero nessa relação.
Por incrível que pareça, um segmento recentemente incorporado à enorme massa corintiana, podem indicar novas perspectivas á redenção mosqueteira: a presença crescente do público LGBT. A passeata gay de São Paulo, segundo o Datafolha, demonstrou uma enorme simpatia por esse público ao Timão, superando o São Paulo cuja representação midiática sempre associava o tricolor a essa clientela.
Nos dois jogos decisivos da Libertadores, verifiquei in loco esse fenômeno. Ao passar em frente ao Bar Veneza, em São Brás, agitado pontoGLS de Belém, seu público cativo acompanhava e torcia em frente ao telão armado no referido espaço. Após a conquista, de forma efusiva, carinhosa, sensível e humana, lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, abraçavam-se e comemoravam de forma emocionante a histórica conquista do timão. Infelizmente, nas ruas transversais, passavam os carros dos machos mosqueteiros soltando palavrões como a desafiar em desabafo os transeuntes, a frustração represada de 102 anos.
Esse é o ponto central. O aumento da torcida LGBT entre os “loucos pelo Timão” poderá ser positiva ao Corínthians. O amor, o carinho, a cumplicidade típica desse segmento social em suas relações públicas, pode se tornar a redenção mosqueteira, no sentido de quebrar a resistência ao tradicional clube paulista. O Timão, clube de massa, não pode ser tão antipatizado pela população brasileira. Afinal, quem não lembra a admirada “democracia corintiana” de Sócrates e companhia dos anos 80, caindo nas graças da torcida brasileira? Esse é o espírito corintiano a ser soerguido: o respeito às manifestações humanas e à defesa das liberdades. Deixemos o ódio, o rancor e o ranger de dentes às maltas, à mídia corintiana, ao Neto, ao Emerson e tudo o mais que represente a violência e o ressentimento.
Que a imensa torcida corintiana veja no segmento LGBT um exemplo a ser seguido. Quem sabe assim, podemos um dia olhar o Corínthians com as cores da diversidade. Não precisa todos seus torcedores sair necessariamente do armário. Basta ser tolerante. Quem sabe até dezembro, poderemos com essa nova postura, dizer com tranquilidade: Valeu, Timão! Sem medo de ser feliz….