As 206 pessoas que pagaram ingresso anteontem para ver o amistoso entre Remo B e seleção de Tomé-Açu participaram, sem querer, de um ato histórico. Foram os últimos torcedores a presenciar um jogo do Remo em seu tradicional estádio, Evandro Almeida. Isso se confirmada a operação de venda sacramentada pelo presidente do clube, Amaro Klautau, com as incorporadoras Agre e Leal Moreira.
O fechamento do negócio ocorreu na segunda-feira, longe das vistas (e da endosso) do Conselho Deliberativo do clube, que precisava aprovar os números e termos finais do acordo. À noite, AK completou o serviço, ordenando a derrubada do escudo remista do pórtico, retirando os vestígios de patrimônio que poderiam vir a embasar algum tipo de recurso judicial contrário à transação.
Começou ali, de fato, o processo de demolição física do estádio de 75 anos, embora o desmanche de imagem já venha se desenrolando desde que começou o mandato da atual diretoria. Desde os primeiros meses, o único projeto apresentado foi o da venda do estádio, como se não houvesse qualquer outra saída.
Apostou-se tanto no desastre que ele acabou se concretizando. A cada entrevista ou reunião, o presidente anunciava que a Justiça do Trabalho iria levar o imóvel a leilão, sem qualquer providência para tentar sustar o processo de perda. O Paissandu, com dívidas até maiores, sempre respeitou os prazos, daí estar a salvo de qualquer execução de seus bens.
AK ignorou os compromissos para salvar dívidas antigas e recentes. Empenhou tanto esforço na transação do Baenão que pareceu mais um corretor imobiliário do que um dirigente de clube. Como um legítimo profissional da área, festejou ruidosamente ontem o “nó tático” aplicado nos conselheiros que se opunham à venda.
Desgraçadamente, o tal nó talvez jamais possa ser desatado e, ao invés de lesar opositores circunstanciais, atinge mesmo é a torcida de um dos clubes mais tradicionais do país. Clube sem estádio – ainda mais com a localização privilegiada do Baenão – é clube sem identidade e referência visual, condenado à morte lenta e irreversível. Um caso exemplar desse descaminho é o Botafogo, que até hoje busca se recuperar dos danos causados pela perda de General Severiano, em 1972.
Mesmo que, de boa fé, alguém creia na hipótese improvável da arena em Marituba (cuja capacidade, aliás, já foi drasticamente reduzida de 22,5 mil para 15 mil pelo próprio mandatário), as dúvidas quanto à funcionalidade desse estádio superam qualquer análise lógica e objetiva. A distância de Belém é apenas o menor dos muitos problemas para atrair o torcedor.
Hoje, não há mais dúvida quanto à ficção esboçada há meses: a promessa de um novo estádio foi alimentada exclusivamente para legitimar a venda do Baenão, dando tintas modernas e sérias ao negócio. Daqui a três meses, findo o mandato de AK, talvez nem sobre dinheiro para se falar na ex-futura Arena do Leão. Azar do Remo e dos remistas lúcidos.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quinta-feira, 26)