Um passo em falso e muitos pontos positivos no conjunto de mudanças do Estatuto do Torcedor, que começaram a vigorar no último fim de semana. A medida mais importante, para brecar a onda de violência que varre os estádios brasileiros, é o rigor em relação às torcidas organizadas. A partir de agora, essas entidades devem manter cadastro completo, com foto, de seus associados. É um senhor avanço no sentido de desfazer as verdadeiras quadrilhas disfarçadas de agrupamento de torcedores.
Ainda em relação às torcidas, a lei barra a entrada de bebidas, objetos que possam se transformar em armas, faixas com mensagens ofensivas, xingamentos discriminatórios, arremesso de objetos, fogos de artifício, invasão do campo e incitação de violência. A pena imediata é a expulsão do estádio, mas o baderneiro fica sujeito a sanções mais duras, como afastamento dos estádios e até prisão.
O simples detalhamento das normas já é educativo e permite acreditar que a lei será realmente aplicada. Por exemplo, o velho hábito mania de invadir o gramado de jogo e as arruaças e arrastões num raio de até cinco quilômetros do estádio serão punidos com pena de um a dois anos de cadeia, mais multa a ser estipulada pela Justiça. Deve facilitar esse trabalho de identificação dos criminosos o sistema de monitoramento eletrônico nos estádios com capacidade mínima para 10 mil espectadores.
Outra providência crucial diz respeito às maracutaias envolvendo árbitros, jogadores e dirigentes. Está lá, bem claro, no novo Estatuto: pedir, oferecer ou aceitar dinheiro ou outra vantagem patrimonial para fraudar o resultado do jogo será passível de pena de até seis anos de prisão e multa a ser definida. Ninguém é ingênuo de pensar que a bandalheira vai acabar, mas certamente irão diminuir bastante.
Cambistas, que no Brasil sempre desfrutaram de ampla tolerância, serão presos e multados. A lei não diferencia o negociante do torcedor que desiste de assistir o jogo e resolve vender ingresso em frente ao estádio. Fornecer ingresso para cambistas renderá pena mais alta, de até quatro anos de prisão, o que deve deixar em alvoroço a cartolagem do nosso futebol. A pena será maior se o fornecedor for servidor público, dirigente da organização do evento ou da empresa que confecciona os ingressos.
A lei institui, ainda, ouvidoria para cada competição e obriga os promotores de jogos a publicarem, na internet, os nomes dos torcedores turbulentos impedidos de comparecer ao jogo. A relação ficará afixada à entrada dos estádios. E uma velha exigência dos torcedores parece que finalmente será atendida: a publicação da súmula até 72 horas depois de cada jogo.
Diante de tão alvissareiras notícias, quase esqueci o tal passo em falso, mencionado lá na primeira linha. Trata-se do gesto politiqueiro do ministro dos Esportes, Orlando Silva, que saiu em defesa das torcidas organizadas, questionando a “generalização” das penas. Só a ignorância justifica uma posição desse tipo, que incentiva a impunidade. Mais grave ainda por partir de uma autoridade. Certamente, o ministro nunca freqüentou estádios de futebol no Brasil na condição de cidadão comum.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta terça-feira, 3)