Num futuro não muito distante, especialistas irão estabelecer a relação entre o mau futebol praticado hoje no país e o excesso de jequices que contaminam boleiros de todas as divisões. Trancinhas nos cabelos, brincos, colares, madeixas descoloridas, penteados esquisitos e chuteiras pintadas nos matizes mais exóticos viraram objeto de uso e abuso de jogadores de todos os times, desde os mais badalados até contumazes sacos de pancadas, como Íbis e Naviraiense. A breguice, como se vê, é ampla e democrática.
Quando um perna-de-pau qualquer surge desfilando, impávido, com uma chuteira vermelha ou verde-limão fico logo a imaginar o que seria da geração de ouro – Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Zito & Cia. – se naquela época já vigorasse essa verdadeira orgia fashion poluindo o mundo do futebol e tirando a concentração dos caras.
Como estamos falando de um esporte cuja característica mais forte é a simplicidade, desconfio que muitos daqueles dribles geniais nem teriam acontecido se a preocupação maior dos craques fosse exibir um apetrecho qualquer ao distinto público, ao invés de se concentrarem nos planos para superar adversários através da técnica refinada.
No mundo de hoje, onde muitas vezes a aparência importa mais que a essência das coisas, a apresentação visual adquire excessivo espaço na vida dos jogadores, com os excessos previsíveis e prejuízos óbvios, como o desperdício de tempo na produção de arranjos de cabelos e maquiagens.
O cálculo é simples, basta subtrair as três ou quatro horas diárias de treinamento de cobranças de faltas ou cabeceios, correspondentes ao tempo que o sujeito dedica ao capricho no figurino e à escolha de bálsamos, cremes e ungüentos para a pele e os cabelos.
Trata-se do triunfo do estilo metrossexual sobre a aplicação espartana. Brilha quem tem o chamado algo mais a mostrar. Não basta fazer um golzinho aqui, outro ali. Os teóricos da imagem dizem que os impulsos de ousadia estética têm a ver com o desejo primitivo de se destacar na multidão. É o que devem pretender Beckham, Ronaldinho Gaúcho, Cristiano Ronaldo, Vagner Love, Drogba, Fred, Léo Moura, Neymar e outros ícones da superexposição visual nos gramados.
Dos craques vaidosos do passado, o que mais lembra essa linhagem é Heleno de Freitas, apelidado de “Gilda” pelos torcedores rivais. Além das camadas de pó no rosto e da pomada nos cabelos imaculadamente pretos, Heleno se destacava pelo porte elegante e o gênio intempestivo. Passou à história como um craque excêntrico de fim trágico, inesquecível pela sua vocação de artilheiro.
O consolo é que os deuses da bola parecem zelar pelo talento, daí a abissal vantagem que os passes e dribles de Ganso levam sobre suas chuteiras de cores esfuziantes – mix de roxo, pink e lilás. Há gosto para tudo, obviamente, mas a torcida se satisfaz mesmo é com fintas, passes e gols.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quarta-feira, 28)