Perigos da gourmetização

POR GERSON NOGUEIRA

O futebol paraense vive uma encruzilhada como negócio. O Papão, que disputa a Série B e tem calendário alvissareiro para 2017, quando jogará a Copa Sul-Americana, é uma espécie de oásis em meio à tempestade de areia que ronda os demais clubes, exceção no balaio de agruras. A coisa é tão periclitante que a simples boataria sobre suspensão do patrocínio do Governo do Estado já provocou resmungos de aflição.

unnamed (42)A dura realidade é que, sem a ajuda oficial, somente os dois grandes da capital conseguiriam sobreviver sem maiores percalços – embora o Remo dependa hoje bem mais das verbas públicas do que seu tradicional rival.

Boa parte dos problemas dos titãs estaria sanada se ambos tivessem pleno controle sobre o processo de venda de ingressos. Refiro-me à adoção de práticas mais realistas e coerentes com a natureza do cliente final – no caso, o torcedor comum, não vinculado a programas de sócio-torcedor.

Tomemos o exemplo do Remo, que depende exclusivamente do estádio Jornalista Edgar Proença para mandar suas partidas, sejam contra adversários ilustres ou do baixo clero futebolístico. Nessa hierarquia de cobrança de ingressos, em face das despesas que o estádio estadual impõe, o clube é forçado a fixar preços nem sempre adequados ao perfil do torcedor e à importância do jogo.

Resulta disso tudo um caos na tabela de preços, que pode levar o clube a cobrar por um jogo classificatório, como o mais recente, diante do Confiança, a quantia de R$ 40,00 pela arquibancada, quando os demais confrontos em Belém saíram a R$ 30,00, inclusive o penúltimo, contra o River, quando cerca de 20 mil espectadores foram ao Mangueirão.

Pelo aperreio que ronda as finanças do clube, a diretoria preferiu não manter os valores até então praticados. Apostou que a majoração resultaria em aumento de receita. Tiro no pé. O público encolheu pela metade, provando que o torcedor médio não aceita reajustes tão bruscos. Mesmo que esteja a fim de comparecer, não pode pagar 30% a mais entre um jogo e outro.

Na Curuzu, onde manda seus jogos pela Série B, o Papão tem mantido os preços entre R$ 30,00 e R$ 40,00, dependendo de adversário. É uma maneira mais gentil de tratar o torcedor, além da óbvia facilidade de acesso oferecida pelo velho estádio, localizado em área central da cidade. Ainda assim, diante do Ceará, o público minguou também.

Muito se comenta sobre a gourmetização que contamina o futebol brasileiro desde a Copa de 2014 e a construção das suntuosas arenas. Clubes do eixo Sul-Sudeste passaram a tratar os jogos como um produto para destinado a segmentos sócio-econômicos mais privilegiados, como ocorre na Europa.

Acontece que aqui o futebol, mesmo recebendo partidas em arenas milionárias, ainda fica muito aquém do padrão europeu, até mesmo na capacidade de atender necessidades básicas do torcedor. O problema é que, num efeito vertical, o futebol no Pará também passou a ambicionar os preços praticados por Corinthians, Palmeiras, Internacional, Atlético-PR, Flamengo e outros, que se situam entre R$ 50,00 e R$ 300,00, em média.

Seria plenamente legítimo se a oferta fosse vantajosa para o torcedor. Além dos conhecidos transtornos nos estádios de Belém, o típico torcedor de arquibancada não dispõe de recursos para suportar a agenda de duas, às vezes até quatro, partidas mensais de seu clube. Precisaria gastar cerca de R$ 120,00 a R$ 160,00 somente com ingressos, o que compromete quase 25% do valor líquido do salário mínimo.

Por isso mesmo, a dupla Re-Pa podia providenciar um estudo pormenorizado sobre os segmentos sócio-econômicos que consomem futebol como lazer – e se dispõem a pagar por isso.

Pesquisas informais indicam que o universo de clientes regulares de jogos em Belém não ultrapassa, em cada torcida, 30 mil. E mais de 70% desse total pertencem às classes C, D e E, justamente as de menor poder de compra. Os outros 30% podem pagar mais caro pelo espetáculo, mas não garantem volume suficiente para contemplar anseios (e necessidades) dos clubes.

Portanto, é bom ir devagar com o andor da gourmetização porque o dinheiro anda curto.

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Direto do Facebook

“Paralimpíada é um troço tão errado, mas tão errado, que eu até hesitei antes de postar sobre o assunto. Mas a capa da Vogue deste mês resume todos os problemas e me dá a oportunidade de explicar porque detesto esse evento. (…) Em 2007, fui convidado para ser repórter no Parapan. Aceitei porque era um moleque inseguro de 21 anos, louco para ter uma experiência jornalística real. Mas aceitei cheio de receios. Não tava fazendo faculdade de jornalismo para virar repórter sobre deficiência, ou para pessoas com deficiência. Queria ser um repórter com deficiência, ponto. Isso não deveria dizer nada sobre a qualidade ou o foco do meu trabalho. Durante a cobertura, todos os meus receios se confirmaram. Na redação, fui usado como uma espécie de mascote deficiente para um evento de deficientes.

É esse o problema do paraesporte – a ideia de que exista um troço para deficientes. No caso da paralimpíada, cria-se uma competição de segunda classe, com ingressos a preços ridículos, porque ninguém quer pagar caro para assistir um evento de segunda classe. A mensagem é uma só: os atletas são de segunda classe. Enquanto isso, pessoas sem deficiência sentam-se em seus sofás e permitem que os olhos encham-se d’água com as histórias de superação que assistem no Jornal Nacional.

Mascara-se o fato de que pessoas com e sem deficiência podem perfeitamente concorrer em pé de igualdade em vários esportes. Não vejo porque uma pessoa cega bem treinada ficaria prejudicada na natação ou no judô. Meu amigo Luiz Alberto Carvalho me conta que pessoas cegas sempre competiram perfeitamente na prova de adestramento. Já houve ginasta sem uma perna competindo nas olimpíadas. A paraolimpíada é um evento segregado, trata pessoas com deficiência como merecedoras de admiração primariamente por conta da deficiência”

Por Lucas de Abreu Maia, repórter – cego desde a infância.

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Sobre sedes de Olimpíada e Copa

Nada como ter leitores de primeiríssimo nível. O Paulo César Alves, um dos 27 baluartes da coluna, faz uma correção à errata que publiquei na coluna de anteontem sobre os países que sediaram Olimpíada e Copa do Mundo, seguidamente.

Além de Alemanha, Estados Unidos e Brasil, ele lembra que o México também promoveu as duas maiores competições esportivas do mundo num intervalo de apenas dois anos, em 1968 (Olimpíada) e 1970 (Copa).

(Coluna publicada no Bola desta sexta-feira, 26) 

7 comentários em “Perigos da gourmetização

  1. Há um mantra na administração científica atual, que ainda tenta superar Taylor e Ford: “agregar valor”. Taylor e Ford fizeram despencar o custo de produção, o que tornou muitos produtos acessíveis à população. Era o esforço pela popularização, que tem a ver com o preço final ao consumidor. Estranhamente, o movimento da administração hoje em dia é a busca por encarecer o produto. É bom que se tenha em mente que isso, agregar valor, quer dizer apenas cobrar mais pelo mesmo. É evidentemente um engodo. Embutir valor no produto é acrescentar algo pelo que o consumidor não faz a mínima questão ou que não faz lá muita diferença entre com ou sem o tal “plus”, ou mesmo induzir uma informação falsa, como a de que certos alimentos “enriquecidos” com vitaminas substituem alimentos naturais, como frutas e verduras. Aliás, “enriquecer” já é lá um termo que merece desconfiança, afinal, como todo bom marxista sabe, é de se estranhar que a burguesia resolva “vender” qualquer tipo de “riqueza”. A gourmetização do futebol é a inclusão do engodo, da suntuosidade das arenas, da cobertura pela TV digital e em tempo real pela internet ao futebol, e isso é como vender muito mais caro o suco de cupuaçu industrializado em plena Belém do Pará, a tentativa de não mais vender o suco fresco feito na hora e impor o suco adicionado de conservantes e que passou por uma máquina, por uma logística e recebeu um código de barras no estoque. Para mim, essa gourmetização do futebol implica ainda mais na industrialização do futebol, principalmente pelo que se quer expor no rótulo: o melhor futebol do mundo. Já foi né?… Basta abrir os olhos e enxergar a realidade. Não há mesmo justificativa para os preços dos ingressos nem aqui em Belém, nem em São Paulo e Rio. O que é preciso realemente é melhorar a qualidade dos dirigentes, da gestão melhor dizendo. Profissionalizar o futebol, livrando-o de seus perenes(?) sanguessugas seria a melhor maneira de agregar valor.

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  2. E, de fato, pela inclusão, não haveria de existir paralimpíadas, mas somente olimpíadas. Os jogos adaptados para atletas com dificuldade de mobilidade, como basquete para cadeirantes e futebol para cegos, poderiam, ou deveriam, ocorrer ao mesmo tempo, nas mesmas instalações das olimpíadas como partes, ou modalidades olímpicas, e não paralímpicas. Nunca o termo inclusão foi tão significativo. Incluir os paratletas é não livrar os atletas de conviver e às vezes até de competir com eles. Incluir paratletas seria incluir os jogos paralímpicos nas olimpíadas e tornando esse evento da história do esporte um capítulo da evolução social do esporte. Isso traria mais dignidade, creio, aos paratletas. E mais felicidade, consequentemente. Tem razão esse cego, que enxerga muito a frente!…

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  3. Há outras variáveis embutida no custo de ir no Estádio que aumenta o custo total.

    Para tanto penso que o mangueirão deve ser urgentemente demolido. Para sim construir uma Arena que atenda a sociedade de classes.

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  4. Creio que a extinção do setor da “Geral” nos estádios tirou essa possibilidade de adequar o valor dos ingressos ao perfil econômico dos torcedores, de forma a ser mais justo na cobrança dos ingressos e permitir a participação de todos e com ganhos ao Clube pela lotação do estádio.
    Hoje essa diferença de preços só pode ser obtida entre cadeiras e arquibancadas. Porém, não precisamos demolir o Mangueirão para construir outro estádio, basta um pouco de criatividade pra alcançar esses objetivos. Assim, por que não cobrar um ingresso mais barato na parte das arquibancadas que ficam atrás dos gols?
    Outra constatação: qual o percentual de ocupação das cadeiras cativas no Mangueirão? Pelo que observo, é bem baixo. Será que o preço mais caro das cadeiras compensam a ocupação baixa? Então, poderia ser cobrado o mesmo preço da arquibancada para as cadeiras cativas. Isso seria um atrativo para o torcedor e beneficiaria aqueles que comprassem o ingresso antecipadamente, garantindo receita certa para o Remo.

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  5. Pra mim, não é nem a gourmetização em voga que nos atormenta, mas o canibalismo societário do governo do estado e o grupo de comunicação que lhe dá sustentação. Assim como Gilmar Mendes usou vazamentos midiáticos contra um colega de toga pra obstruir a Lava-Jato, com a clara intenção de impedir o avanço de denúncias calientes contra a dupla privata Aécio Neves e José Serra, o governo do Pará vale-se de malfeitos cometidos dentro da própria SEEL e em alguns clubes para anunciar o fim do patrocínio ao Parazão.
    Na prática, sai o Parazão e entra o Faustão e agregados, dando à emissora amiga(do governador) a oportunidade de se livrar da responsabilidade pelos mais baixos índices nacionais da rede televisiva a que pertence.
    Quanto ao nosso futebol, maior vítima dessa antipática medida, tende a andar pra trás, ficando, como diz o Gerson, restrito a Remo e Paysandu. Pior: nem a Caixa Econômica será capaz de salvá-lo.

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  6. Nossos estádios são sucatas. A curuzu eh o melhor atualmente, mas ainda longe de entregar conforto ao torcedor. Sou sócio torcedor do Paysandu, mas tenho evitado ir ao estádio. Vários motivos, falta de conforto, falta de estacionamento, insegurança publica, horários esdrúxulos dos jogos, etc. No mangueirao então eh suicídio ir em jogos a noite.

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