Artigo que condenou a Portuguesa é ilegal

Por Carlos Eduardo Ambiel (*) – do Blog do Juca

A decisão que condenou a Portuguesa a perder 04 pontos no Campeonato Brasileiro 2013, rebaixando-a à segunda divisão, está toda fundada na regra expressa do art. 133 do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), segundo o qual o resultado de um julgamento desportivo produzirá efeitos imediatamente “independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores”, desde que previamente intimados para o julgamento. Como a Lusa foi comunicada da sessão do dia 06.12.13 (sexta-feira) e lá se fez representar por advogado, conclui-se que a pena de dois jogos de suspensão, aplicada ao atleta Heverton, deveria ser cumprida imediatamente, motivo pelo qual o jogador estaria impedido de atuar no domingo (08.12.13), quando foi escalado e gerou a capital punição ao clube paulistano.

Tal regra para o início imediato das penalidades da Justiça Desportiva é conhecida por todos os clubes e utilizada desde 10.12.2009, quando o Conselho Nacional do Esporte (CNE) resolveu que essa seria a redação do art. 133 do CBJD. Por isso, a decisão do dia 16.12.13 foi interpretada por muitos como a vitória da “legalidade” sobre o “clamor dos leigos”, afastando qualquer argumento pela moralidade ou razoabilidade da pena aplicada, sempre em nome da aplicação da legalidade estrita do CBJD.

No entanto, o que precisa ser observado – e até agora não foi – é que a Lei nº 12.299, de 27.07.2010, que alterou alguns dispositivos do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/03), modificou expressamente a forma de publicação de qualquer decisão da Justiça Desportiva, inclusive aquelas do STJD do futebol. O art. 35 do Estatuto do Torcedor, após afirmar que as decisões da Justiça Desportiva, em qualquer hipótese, devem ter publicidade igual a dos tribunais federais, determina expressamente que todas as decisões deverão ser disponibilizadas no site da entidade de organização do desporto – no caso, o site da CBF -, sob pena de serem nulas, conforme previsão expressa do art. 36 do mesmo Estatuto (Lei nº 10.671/03).

Importante esclarecer que somente a partir de 27.07.2010, quando o Estatuto do Torcedor foi alterado pela Lei nº 12.299/10 é que passou a ser obrigatória a publicação das decisões do STJD no site da CBF, pois, antes disso, as decisões deveriam ser publicadas apenas nos sites das competições (art. 5º, § 1º do Estatuto do Torcedor), que muitas vezes sequer existiam. Tal alteração buscou não apenas dar segurança aos clubes sobre o resultado nas decisões – evitando erros de comunicação ou compreensão entre clientes e advogados -, mas também e principalmente dar ao torcedor a ciência oficial e inequívoca sobre os resultados das punições desportivas, via site oficial da CBF, afinal o torcedor do futebol tem o direito de saber qual atleta está ou não punido, antes de decidir ir ao Estádio ou assistir a qualquer partida pela televisão.

Assim passou a haver um conflito entre o que diz o CBJD de 10.12.2009, que tem natureza de Resolução Administrativa do CNE (Conselho Nacional do Esporte) e regra diversa prevista Lei Federal (Estatuto do Torcedor). Nesse caso, assim como a Constituição Federal prevalece sobre uma Lei ou Decreto, a regra do Estatuto do Torcedor é hierarquicamente superior e prevalece sobre uma Resolução do CNE (CBJD), ainda mais quando o texto conflitante da Lei é posterior ao da Resolução. Trata-se de hipótese em que, embora conste do CBJD, a regra do art. 133 passou a ser ilegal, pois contrária ao que dispõe Lei Federal alterada em 27.07.2010. Para os leigos, é o mesmo princípio de hierarquia que explica como uma lei promulgada pelo Congresso Nacional pode, embora vigente, ser declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário sempre que conflitar com a Constituição Federal, norma hierarquicamente superior.

Em síntese, desde julho de 2010 as decisões da Justiça Desportiva do STJD não mais produzem efeito a partir do julgamento – como ainda reza o citado art. 133 do CBJD -, mas somente passam a ter validade após sua publicação no site oficial da CBF. No caso do atleta Heverton, embora o julgamento tenha ocorrido no dia 06.12.13 (sexta-feira) a publicação do resultado no site da CBF só ocorreu no dia 09.12.13, as 18h45 (ver site da CBF). Como o Estatuto do Torcedor determina que qualquer decisão da Justiça Desportiva somente passa a valer após sua publicação na internet, a referida punição somente passou a produzir efeito na segunda-feira, dia 09.12.13 as 18h45, imediatamente após sua veiculação oficial no site da CBF.

Dessa forma, nenhuma irregularidade ocorreu na escalação no atleta no dia 08.12.13, domingo, quando a punição sequer produzia efeitos. E aqui não se trata de tese que defenda a aplicação da penalidade no primeiro dia útil seguinte à publicação, como alguns tentaram sustentar sem sucesso, mas sim do respeito à disposição legal que só considerava válida a penalidade após sua publicação oficial no site da entidade de organização da modalidade. Se a publicação na internet tivesse ocorrido na própria sexta-feira (06.12.13) ou no sábado (07.12.13), o atleta deveria cumprir a suspensão no domingo (08.12.13), mas como a divulgação oficial somente ocorreu na segunda-feira (09.12.13), nada impedia a escalação do atleta na última rodada do campeonato.

Aqueles que ainda defenderão a punição à agremiação lusitana dirão que todos os outros 19 clubes que disputaram a Série A cumpriram as punições a partir do dia do julgamento – como determina o superado art. 133 do CBJD, e não a partir da publicação na internet, como dispõe o atualizado Estatuto do Torcedor, inclusive alegando que outros clubes deixaram de escalar atletas chaves em jogos importantes, apenas porque cumpriram fielmente o que dizia o aclamado artigo 133 da Resolução do CNE (CBJD).

No entanto, o fato de os demais clubes continuarem aplicando a regra do CBJD durante os últimos anos em nada retira sua ilegalidade, afinal não cabe aos clubes a prerrogativa de alterar ou ajustar o texto do Código Desportivo às novas disposições da Lei (Estatuto do Torcedor), nem mesmo o poder de declarar o que ainda é válido ou o que já se tornou ilegal ou derrogado no CBJD, competência típica do STJD ou da Justiça Comum, quando assim forem demandados. Afinal, a prática equivocada dos demais clubes em cumprir voluntariamente as penas recebidas do STJD, mesmo antes da publicação no site da CBF, não afasta a ilegalidade do art. 133 do CBJD nem impede sua alegação ou declaração a qualquer momento, especialmente na atual situação da Portuguesa, em que referida disposição do CBJD (Resolução Administrativa) contraria o Estatuto do Torcedor (Lei Federal).

O julgamento do caso pelo Pleno do STJD certamente suscitará a discussão sobre a ilegalidade da regra do art. 133 do CBJD, que surpreendentemente ainda continua orientando o início das penas aplicadas pela Justiça Desportiva no Brasil, já a partir do julgamento, embora Lei Federal, hierarquicamente superior e alterada posteriormente, determine regra claramente diversa – valendo somente após publicação na internet.

Instado a se manifestar e constatando que o prolatado artigo 133 do CBJD contraria diretamente a regra do art. 35 e 36 do Estatuto do Torcedor, certamente os auditores do STJD concluirão pela sua ilegalidade – fundada na contrariedade do artigo da Resolução (CBJD) à Lei Federal -, fato que afastará qualquer irregularidade da Portuguesa, afinal, ninguém pode ser punido por não cumprir uma regra ilegal.

Ou seja, se os auditores do STJD forem realmente legalistas – deixando de observar apenas o texto original do CBJD para passar o aplicar a que determina uma Lei Federal vigente (Estatuto do Torcedor) -, não há duvidas que a Portuguesa deve ser absolvida. E se assim não ocorrer, como todos os fundamentos para a absolvição encontram-se no Estatuto do Torcedor, qualquer torcedor, da Portuguesa ou de outra equipe que jogou a Serie A, terá legitimidade e bastante facilidade em obter na Justiça Comum o restabelecimento da legalidade, devolvendo ao clube paulistano os pontos regularmente obtidos na competição.

Como ironia maior aos que brindaram a “legalidade” no julgamento do caso em primeira instância, nota-se que a Portuguesa não precisa implorar por moralidade nem pedir qualquer compaixão dos auditores do Pleno do STJD para continuar no lugar que conquistou em campo: basta apenas que o Tribunal Desportivo tenha a coragem de ser realmente legalista para aplicar o que manda a Lei (aqui grafada com “L” maiúsculo), sem olhar a quem.

*Carlos Eduardo Ambiel é advogado e Mestre em Direito do Trabalho pela USP. Professor de graduação e pós-graduação da FAAP. Professor e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Esportivo da Escola Superior da Advocacia da OAB/SP.

**Os trechos em negrito são do blog.

12 comentários em “Artigo que condenou a Portuguesa é ilegal

  1. Colegas.

    Agora que o circo está armado. A tese é bastante pertinente. Conversando com minha irmã, a mesma destaca que publicidade é a necessidade de tornar o julgamento público. Não no sentido de ser aberto a todos. E sim no sentido de ser oficilizado e dusponibilizado a todos.

    Vale dizer que mesmk o STJD mantendo a decisão, a Portuguesa tem tudo para conquistar a vaga na justiça comum. E sem grito.

    O caso é: o Fluminense escapou, pois dois times desrespeitaram a leia. Mas a Portuguesa é amparada pelo Estatuto. O Flamengo não está amparado por nada.

    Será que o Flamengo conhecerá a série B ou teremos virada de mesa, devido ao problema encontrado no regimento?

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  2. Se tiver uma reviravolta nesse caso da portuguesa, quem cai é o flamengo e ai eu quero ver como é que vai ficar, se o flamengo alegar o mesmo da portuguesa e o flu cair, a questão é saber se por conta das pressões ele vai deixar para lá ou se vai recorrer. Caso o fluminense recorra a situação vai piorar. Ainda mas ano que vem com a copa.

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  3. Seria mais um passo importante pro futebol brasileiro a absolvição da Lusa, sou tricolor e não tenho dúvida em afirmar isso.
    Porém, creio que não mudarão a sentença.
    Talvez ocorra até uma revisão da lei para as próximas competições, mas não creio em rebaixamento de um grande numa situação polêmica.

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  4. Como o post falou no art. 35 do Estatuto do Torcedor mas não transcreveu o respectivo texto, tive que ir pesquisá-lo. E o resultado da pesquisa me mostrou que a opinião do advogado Mestre da USP não é assim algo livre de controvérsias. Aí vai o texto do art. 35 para que todos possam fazer o seu julgamento:

    “art. 35. As decisões proferidas pelos órgão da justiça desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.
    (…)
    “§2o. As decisões de que trata o caput serão disponibilizadas no sitio de que trata o “§1o. do art. 5o.

    Enfim, me parece que se o Pleno do STJD confirmar a decisão inicial não estará cometendo nenhuma aberração, tampouco poderá ser acusado de estar favorecendo um “time grande’ em detrimento de um “time pequeno”.

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  5. Caro Antônio. O sítio em questão é o site da CBF. Que promulgou o resultado apenas na terça em seu site. Dizer que não existe controvérsias (ou seja, outras interpretação) é agir como o procurador do Fluminense, melhor dizendo, da CBF. Que tem a lei como cabresto. O Caso é claro, como citaste, tem que ter publicidade para ser legalizado.

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  6. Antonio é por isso que te considero como um grande azulino, tanto por ser mais conseciente e menos fanático que muitos e também pelos comentários pertinentes. Nesse caso sa Portuguesa, fostes incisivo, mostrando, que esse Mestre e Doutor em Direito Carlos Ambiel não é dono da verdade, em que pese seu conhecimento na área jurídica. Ele não é dono da verdade, como não era muitos doutores em direito, inclusive daqui de Belém, que diziam que o Naviraiense tinha razão e dificilmente se perdeira a causa e o Paysandu estava perdendo tempo e dinheiro levando a frente o caso. A tese desse “doutores em direito” para dar razão ao Naviraí, era falarem que estava sendo desreipeitado o regulamento geral das competições da CBF porque ele se sobrepunha a todos os outros. Quase me convenceram, mas alguém aqui mostrou, que postou que a Copa do Brasil por ser uma competição curta, sistema de mata mata, tem um regulamento específico e claro, o qual deve ser cumprido, caso contrário não adiantaria esse regumaento. Pois bem depois que postaram isso, tive certeza que o Pleno do STJD daria ganho de ao Papão tramquilamente e foi o que coorreu. Nesse caso da Portuguesa, não sei por qual motivo continua essa polêmica. O jogador estava irregular e entrou em campo pelo vacilo da diretoria e do jurídico lusos. Por isso o clube merece ser punido severamente

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  7. Amigo (8), por que eu disse que há controvérsia?

    Eu disse que há controvérsia porque a postagem colocou a opinião do mestre advogado como verdade absoluta, isto é, como se a decisão do stjd estivesse desenganadamente errada.

    E eu disse que há controvérsia porque fui pesquisar o artigo da lei que a postagem citou mas não disponibilizou e notei que o mesmo não diz que os efeitos da decisão só começam a surtir após a publicação no site da cbf.

    Vai daí que estando a Lusa ciente do julgamento, tendo, inclusive, sido representada no evento por um advogado, o qual foi indubitavelmente cientificado do resultado do julgamento, não se pode dizer que o Clube não ficou sabendo do resultado do julgamento.

    Então, se o estatuto do torcedor não impõe o início dos efeitos das decisões à data da publicação no site da cbf e se o Clube estava presente no julgamento, pelo seu representante, o advogado, é, no mínimo, controvertido dizer que a decisão do stjd foi errada e que o regulamento onde se apoiou a decisão do stjd é ilegal.

    Por último, a possibilidade da existência de mais de uma interpretação sobre qualquer assunto, inclusive sobre o teor de uma lei, é próprio da democracia, é coisa comum em se tratando de manifestações humanas, como o são o julgamento deste caso, e a reação causada em todo o país. Enfim, a controvérsia é natural quando há mais de uma pessoa examinando a mesma questão.

    Ah, só mais uma coisa, numa democracia, é impositivo ter um norte objetivo para basear a resolução dos conflitos. Então, submeter-se à lei, estabelecida objetiva e previamente ao fato, não é sujeitar-se a cabresto, mas, sim, livrar-se de regras de ocasião, criadas subjetivamente para resolver as questões segundo a cara do fregues ou ao que esteja interessando no momento.

    Por exemplo, agora, neste caso, o que parcela considerável da mídia quer é ver o fluminense rebaixado, daí se querer, agora, depois do fato já ocorrido, criar uma regra subjetiva para resolver o problema, como esta solução, segundo a qual se manteria a Lusa na série A e ela entraria no próximo campeonato com saldo negativo de pontos.

    Pois bem, agora, encerrando de verdade mesmo, minha opinião é que a regra que vale para o caso Lusa/fluminense é a que foi aplicada pelo stjd, a qual acredito ainda estar em vigor, que é muito específica sobre o momento em que começam a surtir os efeitos das decisões do Tribunal, e sobre o modo de considerar os clubes notificados da decisão, e não a regra do Estatuto do Torcedor que de tão genérica que é, não chega nem a tratar do assunto de quando começam a surtir os efeitos da decisão, ou de quando o clube pode ser considerado cientificado da decisão.

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Deixar mensagem para Édson tem time q tá 33 meses sem divisão, quem? kkkk Cancelar resposta