Papão vence e volta a sonhar

Por Gerson Nogueira

A primeira jogada, um cruzamento rasante da direita logo aos 2 minutos, sinalizou para a grande atuação que o Paissandu teria em Belo Horizonte. Marcelo Nicácio pulou atrasado, mas o lance evidenciou a disposição do time para buscar os três pontos. A vontade e a gana do Papão prevaleceram ao longo da partida, garantindo um triunfo sofrido, mas inteiramente justo. Como se sabe, a primeira ninguém esquece e a vitória de ontem à noite tem aspectos inesquecíveis para o torcedor bicolor.

bol_qua_301013_15.psDepois de armar mais duas boas jogadas pela direita, sem que os atacantes aproveitassem, o Paissandu aos poucos cedeu à pressão do América e recuou excessivamente. Foi o pior momento da equipe no jogo. Jailton, que entrou para auxiliar Eduardo Ramos na armação, teve que se virar como volante, ajudando Vânderson e Zé Antonio a combater na entrada da área.

Por sorte, o período de predomínio do América foi marcado também por muita afobação. O mais lúcido era Elsinho (ex-Remo) pela lateral-direita, mas os meio-campistas trabalhavam mal, errando muitos passes. Bady, o camisa 10, firulava muito, atrasando o avanço das jogadas. No centro do ataque, os zagueiros Fábio Sanches e Leonardo conseguiam bloquear bem as tentativas de jogo aéreo.

Quando passou a botar a bola no chão, com Jailton e Eduardo Ramos, o Paissandu tomou conta do jogo. Saía rápido com Zé Antonio e conseguia sempre manobrar sobre a lenta linha de zaga do América. Em contragolpe perfeito, aos 27 minutos, Nicácio entrou livre na área, mas permitiu o bote do goleiro Mateus.

O gol, aos 37 minutos, surgiu com uma bola recuperada no meio-campo. Os americanos reclamaram falta de Leonardo, mas o desarme garantiu um ataque rapidíssimo e com perfeita troca de passes.

Ramos recebeu de Zé Antonio, tocou na esquerda para Diego Barbosa, que até então era a peça destoante da equipe, improvisado como lateral. Por ironia, foi dele o mais lúcido cruzamento da noite. Na verdade, deve-se dizer que foi um passe perfeito, de primeira, para a entrada fulminante de Careca.

Com a desvantagem, o América ficou ainda mais afoito e o Paissandu sabiamente redobrou a preocupação com o passe e o desarme. Não se arriscava muito e bloqueava bem as articulações do adversário. Quando os mineiros ensaiavam um sufoco, incentivados pela torcida, o atacante William agrediu Pikachu e foi excluído, abatendo ainda mais seu time.

Na etapa final, o Paissandu veio pronto para o cerco previsível do América e conseguiu se safar bem. Com acerto nos passes e quase perfeito na marcação (chegou a estabelecer 38 desarmes contra apenas oito do adversário), o time voltou a levar perigo. Criou boas situações. Nicácio foi derrubado na entrada da área quando partia para o segundo gol, aos 11, e Pikachu demorou a concluir, permitindo a chegada da zaga, aos 25.

A aflição dos instantes finais deveu-se ao recuo exagerado do Papão, que mesmo com um jogador a mais se concentrava muito atrás da linha da bola. Benazzi tirou Barbosa e lançou Gaibu, sem alterar um milímetro na bolsa de Tóquio. Depois, fez mais do mesmo outra vez, tirando Nicácio para a entrada do lento e dispersivo Denis, que pegou na bola apenas uma vez e disparou um chute torto.

O técnico Silas apelou para as bolas aéreas, colocando Fábio Jr. e Marcão, mas não adiantou muito porque aí começou a despontar outro grande nome do Papão: o goleiro Mateus, que esteve impecável, defendendo bolas difíceis e transmitindo tranquilidade ao setor defensivo num instante crucial do jogo. Um dos melhores da noite, junto com Jailton e Zé Antonio.

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Até a pauta do STJD ajudou

Outro resultado foi muito importante para o Paissandu, ontem. O julgamento no STJD pelos incidentes no estádio da Curuzu foi adiado. Diante disso, surge a possibilidade de o Papão receber o Oeste no Mangueirão. Seria um tremendo lucro, pois é forte a tendência de que o clube seja condenado, sendo obrigado a cumprir mandos fora de Belém e longe da torcida.

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Os descaminhos da nau vascaína

Gostaria de saber o que se passa com um clube que demite Dorival Junior num dia para contratar Adilson Batista no outro. Dorival não é a sétima maravilha, mas não pode ser comparado a Adilson. O Vasco, ameaçadíssimo de rebaixamento, perdeu o rumo e o prumo.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quarta-feira, 30)

Julgamento do Papão é adiado no STJD

PSCXAvai serieB-Mario Quadros (27)

O departamento jurídico do Paissandu conseguiu, no começo da tarde desta terça-feira (29), retirar da pauta de julgamento do STJD , o processo em que o clube é réu pelos incidentes ocorridos no jogo contra o Avaí, valendo pela 31ª rodada do Campeonato Brasileiro 2013 e realizado no estádio da Curuzu. O julgamento ocorreria hoje. Com a retirada de pauta, o clube ganha tempo para reforçar sua defesa. O diretor jurídico Alberto Maia viaja nesta quarta-feira para o Rio de Janeiro, a fim de incluir nos autos do processo novas provas, que mostram como o clube realizou todos os procedimentos necessários para identificar os causadores dos tumultos. Na ocasião, Maia será informado sobre a nova data do julgamento. O Paissandu foi denunciado em cinco artigos da legislação desportiva e corre o risco de perder dez mandos e ainda ser penalizado com multa. (Com informações da Ascom/PSC; foto: MÁRIO QUADROS/Bola)

Brasileiros culpam “organizadas” por violência

1ae40As torcidas organizadas ou os torcedores fanáticos são os grandes responsáveis pela violência nos estádios. Ao menos essa é a percepção de 84,5% do público que acompanha futebol no País, de acordo com pesquisa realizada no fim de agosto com 8.112 pessoas e que teve seus resultados divulgados agora. A margem de erro é 1,1%. O número de pessoas que culpam as organizadas pelos conflitos chega a 84,7% se forem considerados apenas os entrevistados que disseram frequentar estádios de futebol. O levantamento, realizado pela Stochos Sports Entertainment, empresa especializada em pesquisa e análise de mercado do esporte, aponta ainda que somente 8,4% considera o Poder Público ou os órgãos de segurança como os verdadeiros responsáveis pela violência nas arquibancadas.

A pesquisa é feita regularmente desde 2008 e, de acordo com César Gualdani, sócio-diretor da Stochos, os resultados têm sido semelhantes. “Constatamos esses números já há longa data e temos divulgado isso com o intuito de chamar a atenção das autoridades”, afirma. “Mas eu não tenho ilusão nenhuma de que os resultados possam mudar alguma coisa. Isso é um problema crônico.”

Para o advogado Eduardo Carlezzo, secretário da Comissão de Direito Desportivo e Conselho Federal da OAB, a violência nos estádios só diminuirá com mudança na legislação. “A gente vê cenas de torcedores se arrebentando, mas se eles não tiverem antecedentes o máximo que vai acontecer é serem proibidos de irem aos estádios por três meses. É preciso que sejam responsabilizados criminalmente”, defende. Carlezzo pede ainda uma maior atuação do Governo no controle aos torcedores que forem flagrados em confusão. “A fiscalização tem de vir de cima, de algum ministério ou órgão federal.” (Do Estadão)

A força do poder jovem

Por Gerson Nogueira

A Fórmula-1 já foi o segundo esporte nacional, quando brasileiros voavam nas pistas do mundo inteiro, sempre nos primeiros lugares. Coincidência ou não, as vitoriosas manhãs de domingo começaram a minguar com a entrada em cena de um alemão. Michael Schumacher chegou quando Ayrton Senna ainda estava no topo e estraçalhando recordes.

Naqueles tempos, o Brasil era a sensação das pistas, com oito títulos conquistados em menos de duas décadas. De lá para cá o interesse pelas corridas arrefeceu na mesma proporção em que os carros passaram a ficar mais perfeitos e inquebráveis, sendo que os pilotos passaram a ser coadjuvantes de luxo.

bol_ter_291013_11.psFoi justamente o súbito crescimento do alemão, na extinta Benetton, que botou pressão no tricampeão e grande ídolo nacional – de alguns, pois estou no grupo que prefere Nelson Piquet. Depois de triunfos seguidos de Schumacher no campeonato de 1994, Senna passou a correr contra algo inédito em sua carreira: a ameaça real e imediata de um novato.

Em qualquer área de atividade é terrível a sensação de disputar espaço com um concorrente mais jovem, sem nada a perder e com reflexos mais afiados. Naquela época, Schumacher ainda não tinha um carro à altura do de Senna, mas já era muito veloz.

Logo depois da tragédia em Ímola, jornalistas ingleses levantaram a tese de que o acidente de Senna na fatídica curva Tamburello começou, na verdade, pela necessidade cada vez maior que o brasileiro tinha de se impor ao impetuoso alemão, que acabaria por conquistar o título mundial daquele ano. Difícil saber o quanto isso de fato afetava Senna, mas a pressão era indiscutível.

Pois agora, depois que Schumacher colecionou sete títulos mundiais e parecia inalcançável nas estatísticas, eis que aparece outro alemão rápido demais para os padrões normais. Sebastian Vettel vem pulverizando recordes com a mesma urgência que caracterizou o reinado do heptacampeão.

No domingo, o ás da Red Bull botou o pé no seleto rol de pilotos com quatro ou mais títulos na F-1. Juntou-se a Schumacher, ao francês Alain Prost e ao argentino Juan Manuel Fangio. Impressiona que chegou ao tetra com apenas 26 anos e 116 dias de idade.

Com a disposição para quebrar marcas a cada corrida, Vettel já iguala os feitos de Prost e Schumacher, encontrando resistência apenas nas médias estabelecidas por Fangio, que leva a vantagem de ter sido o que menos disputou corridas – foram apenas 51 em oito anos (de 1950 a 1958) com índice de vitórias na casa de 41,4%. Com 36 triunfos obtidos na curtíssima carreira, Vettel tem média de 30,7% vitórias. Perde para Fangio, mas bate Schumacher (29,7%) e Prost (25%).

Os recordes estabelecidos por Schumacher constituem hoje o maior desafio e também o principal estímulo para Vettel. Quase sem adversários (a exceção é o veterano espanhol Fernando Alonso), o alemão tem pista livre para acumular novos feitos nos próximos anos.

De quebra, impõe um novo patamar de idade para a glória nas pistas. Como no tênis e no futebol, a F-1 passa a ser um esporte dominado pelos jovens. Como carros cada vez mais inteligentes, o talento, a capacidade de ser rápido e o apetite para vitórias tendem a ser o maior diferencial. Vettel já provou ter as três coisas. Ainda vamos ouvir falar muito dele.

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Mapa da mina é pelas laterais

Com Diego Barbosa na lateral esquerda, Jailson no meio-campo e Marcelo Nicácio e Careca no ataque, Vagner Benazzi arma um Paissandu relativamente ofensivo para encarar o América-MG na Arena Independência. Contra um mandante que vai sair em busca da vitória, é previsível que o Papão disponha de espaço para contra-atacar.

Em pouquíssimas ocasiões nesta Série B, na condição de visitante, o Paissandu soube explorar essa situação de jogo. Talvez somente contra o Palmeiras no Pacaembu a estratégia tenha sido bem executada. Coincidência ou não, os laterais Pablo e Pikachu fizeram os gols bicolores naquele jogo.

O técnico é outro, mas os caminhos laterais continuam sendo os mais interessantes para chegar ao gol, tanto que Pikachu é o artilheiro (7 gols) do time no campeonato. A questão é saber se a equipe saberá criar as condições para que Pikachu e Barbosa avancem e surjam como elementos-surpresa. Vale lembrar sempre que o América é um dos mandantes mais fracos desta Série B, com mais derrotas que vitórias em casa.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta terça-feira, 29)

Uma crônica para Lou

Eduardo Graça, de Nova York

Intervalo da épica apresentação de Leonard Cohen no fim de março no Radio City Music Hall. Por uma série de coincidências felizes, estava sentado à beira do palco, na tal área vip. No intervalo do espetáculo de três horas e alguns caraminguás, passei correndo pelo banheiro a fim de limpar os óculos, devidamente embaçados depois de uma seqüência maldosa de clássicos do bardo canadense – se a memória não me trai, “Suzanne”, “Hallelujah” e “Take tarhis Waltz” – que haviam me derrubado de jeito. A cabeça ainda latejava com um dos muitos monólogos oferecidos por Cohen a seus devotos naquela noite, uma digressão irônica sobre completar 80 anos em 2014 ainda buscando, sem sucesso, alguma leveza d’alma, quando percebo meu vizinho de pia acompanhando atentamente os movimentos que eu fazia levando o sabonete às lentes e passando um pedaço de papel-toalha para secá-las. Era Lou Reed.

Março reúne os 31 dias mais insuportáveis – seguido pelos 30 de novembro, quando o horário de inverno entra em vigor – no calendário muito particular de quem vive em Nova York. É o sexto e derradeiro mês de frio, ninguém mais agüenta o vento congelante das ilhas de Manhattan e Long Island, os casacos parecem pesar mais e devo ter soltado – não, deixei escapar sim, e em voz alta – um comentário ranzinza, em bom português, ao observar, pela enésima vez, a americanada sair do sanitário sem lavar as mãos. Pois aquele que o “New York Times” classificou, em anúncio, hoje, pouco depois das três da tarde, horário local, de sua morte, aos 71 anos, como “pioneiro do rock’n’roll, cantor popular, compositor e escritor”, deixou escapar algo que identifiquei como uma curta gargalhada, antes de sentenciar um “brasileiros são mesmo muito limpos”. Ainda teve tempo de me mostrar sua armação, as lentes cristalinas, antes de voltar num vapt-vupt para sua cadeira. Obviamente à frente da minha.

Direto, simples, objetivo, nova-yorkino por excelência, nascido no Brooklyn no meio da Segunda Guerra Mundial, um dos raros artistas de sucesso no universo da cultura popular local que de fato viveu nas ruas da cidade, freqüentador altivo de seus becos mais assustadores, Reed não precisaria ter feito nada além de “The Velvet Underground And Nico”, o “disco da banana” de Andy Warhol, para ser ungido como um dos novos patriarcas do rock. O trabalho de 1967 é considerado o álbum de rock de influência mais duradoura na história da música americana. “É difícil imaginar um outro disco que tenha alterado tão dramaticamente o vocabulário do rock, que tenha modificado de forma tão radical seus parâmetros”, escreve Alexis Petridis no “Guardian” que chega às bancas em poucas horas na Grã-Bretanha.

Não existiriam o glam rock, o punk, a new wave e o indie rock sem o Velvet. “Se o disco só vendeu 30 mil cópias em seus primeiros cinco anos, todos os 30 mil que o compraram certamente o escutaram e criaram, cada um, uma banda”, disse Brian Eno, em 1982, em entrevista-reflexão sobre a importância daquela coleção de onze canções. E o Velvet, por sua vez, deve muito de sua crosta intelectual à paixão – e profundo conhecimento – de Reed pelo jazz de vanguarda, a música experimental, a arte contemporânea e, acima de tudo, a poesia.

Em sua introdução, a banda oferecia uma série impressionante de petardos, já reveladores do cronista singularíssimo da vida mundana naquela que se afirmava de vez como nova capital cultural do planeta:  “Heroin”, “I’m Waiting for the Man”, “Venus in Furs”, “All Tomorrow Parties”. Também escancarava seu lado desesperadamente romântico, seja em “Sunday Morning”, parceria com John Cale, ou na belíssima “I’ll Be Your Mirror”, dos versos “when you think the night has seen your mind/that inside you’re twisted and unkind/let me stand to show that you are blind/please put down your hands/’cause I see you/I’ll be your mirror, reflect what you are”. (em livre tradução: “quando você pensar que a noite invadiu sua mente/que por dentro tudo parece revirado e indelicado/deixe-me mostrar que você está cega/por favor, descanse suas mãos/porque eu a vejo de fato/eu serei o seu espelho/refletindo o que você é”). As duas cantadas por Nico.

image_previewCom o fim do grupo, Reed foi resgatado das ruas de Nova York por David Bowie e Mick Ronson, responsáveis diretos por “Transformer”, uma obra-prima, tão síntese do rock dos anos 70 quanto o Velvet o fora na década passada. “Vicious”, “Andy’s Chest”, “Perfect Day”, “Walk on the Wild Side”, “Satellite of Love”, “I’m so Free”, uma maravilha pop atrás da outra, com acenos do dôo-wop à broadway e o vaudeville nova-yorkinos, e uma sucessão de personagens heroicamente vadios, drag queens, proxenetas, michês, fofoqueiras da Park Avenue. Em seguida vieram “Berlin”, “Rock’n’roll Animal”, a loucura experimental de “Metal Machine Music”, as declarações de amor à cidade tão imunda quanto querida em “Coney Island Baby” e “New York”, o reencontro com Cale na linda homenagem a Warhol “Songs for Drella”, as reedições ao vivo, os trabalhos que mesclavam artes plásticas, outra de suas obsessões, com a mulher Laurie Anderson na Brooklyn Academy of Music (BAM), a reunião de escritos em livro de luxo, o livro de fotos “Transformer”, das quais as imagens que ilustram este texto foram extraídas, e o ato derradeiro, uma improvável parceria com o Metallica, no disco “Lulu”, lançado há dois anos.

Lou Reed tinha então 69 anos. Fisicamente, parecia ter mais de um século. As escolhas artísticas, no entanto, mostravam que a cabeça continuava a mil. Um dos poucos críticos brasileiros a se empolgar com o disco, o gigante Jamari França escreveu n’O GLOBO, depois de ouvir o disco duplo por sete vezes, que “quando acabei o CD1 bateu uma angústia, pelos temas fortes e pela narrativa dramática de Lou, com reforço, aqui e ali, de um não menos dramático James Hetfield, e o som denso, lúgubre e pesado da banda. Uma perfeita integração entre dois mundos do roquenrol. Conclusão: Uma grande obra que vai resistir ao tempo”. Hoje, em sua página no Facebook, ele definiu de modo belo e certeiro a trajetória do artista: “Lou Reed foi o menestrel da América subterrânea, dos refratários ao sonho americano, dos que se escondem à noite em ambientes escuros, das sombras que vagam em becos e ruelas, dos que afogam nas drogas o desespero de uma vida sem sentido, dos que não sonham, nada esperam da vida e nem se importam me deixá-la. Dos que vivem o aqui e agora, dos que trazem ‘no future’ tatuado na alma”.

Ao deixar o SoHo para trás em direção ao norte do Brooklyn depois de uma manhã dominical de trabalho, atravesso, como de hábito, o velho Lower East Side, imortalizado por Reed, seus limites indo do Bowery à “Cidade Alfabeto”, as Avenidas A, B e C, já no East Village, outrora o quinhão de fato selvagem da cidade. Penso no encontro de raspão no banheiro do Radio City no início do ano. Lamento não ter deixado a irritação com o inverno de lado e ter investido mais em minha porção fã. Mas penso na fama de emburrado e nas entrevistas raivosas do roqueiro, da famosa ziquizira com Lester Bangs em 1975, dos ataques de mau-humor com colegas de várias nacionalidades. Tento lembrar em vão do único show dele que vi, no rebatizado Metropolitan, na zona oeste do Rio, lá pelos idos de 1996. Até que, na esquina de East Houston com Suffolk, a cinco quadras da ponte de Williamsburg, um negro de meia-idade, barba por fazer, desafiando a tarde fria de outono com um amontoado de velhos trapos, grita, sem preâmbulo ou conclusão: “Lou Reeeeeed!”. E parte em direção aos projetos habitacionais à beira do East River. Não parecia triste nem desafiador, mas decidido a registrar a homenagem da rua, dos bares, da gente dos prédios encardidos em tom marrom de New York City a Lou Reed.

Que texto. Quando crescer quero escrever assim.

Mané Garrincha, 80

Por Juca Kfouri

20130118-194424Mané Garrincha completaria, ontem, 80 anos. Ele foi um dos três maiores, quem sabe um dos dois, certamente um dos cinco. Marcá-lo individualmente era tão despropositado como era uma improbabilidade que ele andasse, um joelho para fora, outro para dentro.

Ele e Pelé, juntos, jamais perderam um jogo pela Seleção Brasileira, 35 vitórias e cinco empates em 40 jogos. Se Pelé deixava os estádios perplexos, boquiabertos, Mané os fazia rir, às gargalhadas, garantia de diversão, Charles Chaplin dos gramados.

20130118-193204Não é nenhum exagero dizer que, em Copas do Mundo, o Brasil deve mais ao eterno número 7 do Botafogo do que ao 10 do Santos. Como afirmar que nunca mais haverá um time como o da Seleção campeã mundial em 1958, na Suécia, porque com ambos infernais.

Ao passo que em 1962, com o Rei machucado, Mané teve de jogar pelos dois. E jogou! Sim, em 1970, no México, só estava Pelé, mas é possível pensar que o Brasil ganharia o tri mesmo sem ele, algo impensável em 1962, no Chile, sem Garrincha.

Viva Mané!