O dedo de Lula

Por Emir Sader

A sociedade brasileira teve sempre a discriminação como um dos seus pilares. A escravidão, que desqualificava, ao mesmo tempo, os negros e o trabalho – atividade de uma raça considerada inferior – foi constitutiva do Brasil, como economia, como estratificação social e como ideologia.
Uma sociedade que nunca foi majoritariamente branca, teve sempre como ideologia dominante a da elite branca, Sempre presidiram o país, ocuparam os cargos mais importantes nas FFAA, nos bancos, nos ministérios, na direção das grandes empresas, na mídia, na direção dos clubes – em todos os lugares em que se concentra o poder na sociedade, estiveram sempre os brancos.
banner_35539A elite paulista representa melhor do que qualquer outro setor, esse ranço racista. Nunca assimilaram a Revoluçao de 30, menos ainda o governo do Getúlio. Foram derrotados sistematicamente pelo Getulio e pelos candidatos que ele apoiou. Atribuíam essa derrota aos “marmiteiros”- expressão depreciativa que a direita tinha para os trabalhadores, uma forma explicita de preconceito de classe.
A ideologia separatista de 1932 – que considerava São Paulo “a locomotiva da nação”, o setor dinâmico e trabalhador, que arrastava os vagões preguiçosos e atrasados dos outros estados – nunca deixou de ser o sentimento dominante da elite paulista em relação ao resto do Brasil. Os trabalhadores imigrantes, que construíram a riqueza de Sao Paulo, eram todos “baianos” ou “cabeças chatas”, trabalhadores que sobreviviam morando nas construções – como o personagem que comia gilete, da música do Vinicius e do Carlos Lira, cantada pelo Ari Toledo, com o sugestivo nome de pau-de-arara, outra denominação para os imigrantes nordestinos em Sao Paulo.
A elite paulista foi protagonista essencial nas marchas das senhoras com a igreja e a mídia, que prepararam o clima para o golpe militar e o apoiaram, incluindo o mesmo tipo de campanha de 1932, com doações de joias e outros bens para a “salvação do Brasil”- de que os militares da ditadura eram os agentes salvadores.
Terminada a ditadura, tiveram que conviver com o Lula como líder popular e o Partido dos Trabalhadores, para o qual canalizaram seu ódio de classe e seu racismo. Lula é o personagem preferencial desses sentimentos, porque sintetiza os aspectos que a elite paulista mais detesta: nordestino, não branco, operário, esquerdista, líder popular.
Não bastasse sua imagem de nordestino, de trabalhador, sua linguagem, seu caráter, está sua mão: Lula perdeu um dedo não em um jet-sky, mas na máquina, como operário metalúrgico, em um dos tantos acidentes de trabalho cotidianos, produto da super exploração dos trabalhadores. O dedo de uma mão de operário, acostumado a produzir, a trabalhar na máquina, a viver do seu próprio trabalho, a lutar, a resistir, a organizar os trabalhadores, a batalhar por seus interesses. Está inscrito no corpo do Lula, nos seus gestos, nas suas mãos, sua origem de classe. É insuportável para o racismo da elite paulista.
Essa elite racista teve que conviver com o sucesso dos governos Lula, depois do fracasso do seu queridinho – FHC, que saiu enxotado da presidência – e da sua sucessora, a Dilma. Tem que conviver com a ascensão social dos trabalhadores, dos nordestinos, dos não brancos, da vitória da esquerda, do PT, do Lula, do povo.
O ódio a Lula é um ódio de classe, vem do profundo da burguesia paulista e de setores de classe média que assumem os valores dessa burguesia. O anti-petismo é expressão disso. Os tucanos são sua representação política.
Da discriminação, do racismo, do pânico diante das ascensão das classes populares, do seu desalojo da direção do Estado, que sempre tinham exercido sem contrapontos. Os Cansei, a mídia paulista, os moradores dos Jardins, os adeptos do FHC, do Serra, do Gilmar, dos Otavinhos – derrotados, desesperados, racistas, decadentes. (Transcrito de Carta Maior, junho de 2012)

16 comentários em “O dedo de Lula

  1. Por que resgatar um texto de um ano atrás? O contexto é outro. E vem a Dilma com mais uma marmota. Agora o médico além de um ano de serviço militar obrigatório após se formar, agora tem dois anos de serviço civil obrigatório “antes” de pegar o canudo. Qualquer médico deveria cuidar da sua vida como bem entender e como qualquer outro profissional.

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  2. O texto é de um ano atrás e o personagem nele descrito é de pelo menos 12 anos atrás. De fato, após 2002, quando ele, o personagem, assumiu o poder, desapareceu aquele personagem que tanto iludiu a maioria dos brasileiros que o colocaram no poder. A partir daí surgiu uma outra pessoa, ou foi descerrado o véu que escondia a face da verdadeira pessoa. Aquela pessoa que se gabou de que antes de seu governo nunca os banqueiros haviam ganhado tanto dinheiro. E nunca haviam ganho mesmo. Esse texto é daquele tempo em que a propaganda, o marketing, a publicidade, e, logicamente, a mentira, achavam que sozinhos podiam fabricar igualdade, fraternidade, prosperidade, inclusão etc.

    Quanto aos médicos, ao serviço civil compulsório, a única saída será o Supremo, mas sem garantia de êxito. Salvo se a maioria dos Ministros novamente traírem as expectativas do governo que os colocou lá, como fizeram no caso do mensalão. Mas, neste caso é mais difícil, afinal, trata-se de uma medida que vai ao encontro da ideia superficial da população.

    Enquanto isso a falta de elementos estruturais para o exercício das atividades de saúde público de qualidade e com dignidade nem vem pra pauta das preocupações do governo. É a velha técnica de desviar a atenção do núcleo da questão, concentrando o debate num aspecto que nada obstante seja importante, constitui elemento periférico, como se fez com o plebiscito.

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  3. Assino em baixo Antônio. Lula tornou-se elite paulistana e seu filho milionário da noite pro dia. Isso basta. Depois de muito tempo pregando o voto nulo, agora me vem a idéia do voto de repúdio. Anti-PT, e qualquer outro partido que venha a afrontar o povo com medidas Dilmagógicas.
    O povo morrendo, meu Deus, à mingua, nossos PSMs sem condições elementares para atendimento minimamente digno. Santa Casa se tornando um cemitério infantil e esse secretário babaca falando muita merda. Unidades básicas vergonhosas, povo humilhado mesmo. Políticos nojentos, cortem suas mordomias e supersalários, seus indignos!

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    1. Os ataques contra Lula & família jamais foram comprovados, amigo Maurício. Aliás, pense comigo, com a fúria que os setores conservadores (partidos neoliberais, principais veículos de comunicação, Poder Judiciário e empresariado) se dedicam a sujar o ex-presidente imagine se tivessem uma mínima prova em mãos contra ele. Acha que seria poupado? Considera mesmo que Barbosão e a Suprema Corte – que ignoram solenemente o mensalão mineiro – dariam trégua a Lula? Pense nestas perguntas e me diga, sinceramente, se há um pingo de verdade nas histórias distribuídas via internet contra o ex-presidente? A questão é que Lula fez uma obra social sem precedentes no país, contrariou interesses seculares. Cometeu erros, obviamente, mas ainda assim tem crédito junto à população. O pânico da direita adormecida, que não ganha eleições há 11 anos no Brasil, é justamente não conseguir mais botar a cabeça de fora. Incrível como agora o governo federal é apontado como devedor de questões de natureza estadual – como Santa Casa – e até municipal, como PSM’s. Qualquer cidadão minimamente informado sabe disso e, no entanto, essas críticas mal calibradas são endereças à presidente. Há algo de muito esquisito nisso. E mais esquisito ainda é quando setores que jamais se preocuparam com bem-estar social e pobreza de repente lançam mão do discurso da preocupação e da solidariedade. Seria cômico se não fosse patético.

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  4. Gerson, é por isso que não gosto de discutir política. Fica-se horas a argumentar e rebater. Ora bolas, se querem sair incólumes das cagadas da grande quadrilha que é a política brasileira, que um presidente, ou qualquer figura de liderança nacional, não venha então a nível estadual e municipal fazer palanque pra seus chegados, muito menos colher os dividendos de uma boa gestão. As coisas que acontecem nos diferentes níveis da administração pública não deixam de estar interligadas, nem adianta querer convencer um ingênuo disso. A Dilma está completamente só com seus ministros, não tem um pingo do jogo de cintura e poder de barganha do Lula, que poderia dar uma aula de esquiva pro Anderson Silva. Não existe, mensalão de A, B ou C. Em todo esquema de ataque ao dinheiro público, todos metem a mão. A diferente repercussão nos meios de comunicação reflete simplesmente os diferentes interesses de momento. Claro, que mais cedo ou mais tarde, todo governo escolhe seus veículos “oficiais”.

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    1. Ok, amigos Maurício e Antonio. Não pretendo mudar o pensamento de ambos ou de quem quer que seja. Política é (não deveria ser) algo meio abstrato demais no Brasil, motivando divergências e até inimizades. Não sou assim. Defendo pontos de vista com a coerência de quem acompanhou e sofreu durante todos esses anos com os malefícios dos ditos condutores da política nacional. Pela minha própria origem, por tudo que vivencio junto ao povo mais humilde, tenho posição consolidada quanto aos avanços representados por Lula e agora por Dilma. Por vezes, prefiro nem iniciar debates a esse respeito para evitar a discussão vazia ou altercada. Mas, pelo respeito que nutro por ambos, fiz a ponderação anterior. Mas, como diria o amigo Cláudio, é apenas a minha opinião.

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  5. Amigo Gerson, pense conosco se o governo federal, se a união, se a presidência da república, enfim, se a presidente do Brasil não tivesse responsabilidade altamente significativa com a falência do sistema de saúde, ela estaria aí comprando brigas com médicos, alterando o currículo do curso de medicina, obrigando os médicos a prestarem serviço obrigatório à moda militar? E mais, se fosse pouca responsabilidade do plano federal com o estado comatoso em que se encontra o sistema único de saúde, teria a presidente vindo a público, em cadeia nacional, admitir que os serviços de saúde são muitíssimos deficitários e prometer adotar medidas para melhorá-lo?

    Aliás, não obstante a responsabilidade inegável que tem, a Dilma teve a virtude de vir a público admitir os problemas e reconhecer que o país não vive aquela festa que os marqueteiros petistas e que tais estão acostumados a fazer é tudo ilusão, fantasia marketing, propaganda. Aliás, por isso ela vive cada vez mais isolada. A cada dia que passa ela vem sendo mais escanteada no partido e pelos aliados, tudo em prol do destaque da figura do ex metalúrgico que tem ficado só na encolha aguardando o momento de vir à tona como salvador da pátria.

    Quanto ao ex metalúrgico é evidente que os crimes de que ele é cotidianamente acusado ainda não estão provados. E talvez nem sejam. Mas, é muito mais evidente que ele há muitos anos não é mais aquele que a propaganda oficial petista vem pintando. Isso se realmente foi um dia o que aparentava. Eu acreditei que era, e por isso votei nele em quatro eleições. Perdi três (collor e fhc 2 vezes) e ajudei a ganhar uma. E, vale lembrar, que não foi a imprensa que disse que no governo petista do ex metalúrgico foi quando os banqueiros ganharam mais dinheiro. Quem disse isso foi o próprio ex metalúrgico.

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  6. A propósito, quem quiser se informar do tamanho da responsabilidade do governo Federal, da presidência da república e da presidente do Brasil com a falência do sistema de saúde do Brasil, inclusive com a Santa Casa e com o Pronto socorro Municipal é só dar uma lida na Constituição na parte relacionada ao sistema único de saúde.

    Em verdade, o texto abaixo, colhido de sítio oficial da internet ajuda na informação (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=24627):

    “O Sistema Único de Saúde – SUS – foi criado pela pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 e nº 8.142/90, Leis Orgânicas da Saúde, com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto.

    “Do Sistema Único de Saúde fazem parte os centros e postos de saúde, hospitais – incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros, bancos de sangue, além de fundações e institutos de pesquisa, como a FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Vital Brazil. Através do Sistema Único de Saúde, todos os cidadãos têm direito a consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas ao SUS da esfera municipal, estadual e federal, sejam públicas ou privadas, contratadas pelo gestor público de saúde.

    “O SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos arrecadados através de impostos e contribuições sociais pagos pela população e compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal.

    “O Sistema Único de Saúde tem como meta tornar-se um importante mecanismo de promoção da eqüidade no atendimento das necessidades de saúde da população, ofertando serviços com qualidade adequados às necessidades, independente do poder aquisitivo do cidadão. O SUS se propõe a promover a saúde, priorizando as ações preventivas, democratizando as informações relevantes para que a população conheça seus direitos e os riscos à sua saúde. O controle da ocorrência de doenças, seu aumento e propagação – Vigilância Epidemiológica, são algumas das responsabilidades de atenção do SUS, assim como o controle da qualidade de remédios, de exames, de alimentos, higiene e adequação de instalações que atendem ao público, onde atua a Vigilância Sanitária.

    “O setor privado participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e convênios de prestação de serviço ao Estado quando as unidades públicas de assistência à saúde não são suficientes para garantir o atendimento a toda a população de uma determinada região”.

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  7. Beleza, Gerson. Política, religião e futebol são realmente temas polêmicos. A propósito, rola um papo de que em 2006 o PT criou um convênio com Cuba a fim de que pessoas selecionadas por meios não muito claros, fossem estudar medicina na ilha de Fidel. Essas pessoas há algum tempo não estariam conseguindo pontos suficientes na prova de validação do diploma de médico, o que estaria por trás de tamanha vontade de Dilma em insistir nessa medida esquisita de empregar cubanos e por tabela repatriá-las, locando-as onde lhes for conveniente enquanto os outros se ferram no interior. Vou me aprofundar na pesquisa. Desconfio que seja coisa inventada.

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  8. Amigo Gerson, pelo que vejo pelas suas postagens baionenses e adjacentes, noto que minha origem é semelhante as suas. E gostaria de lhe dizer que também conheço, vivo e convivo o dia a dia de situações muito precárias. Daí que minhas opiniões são baseadas exatamente nesta experiência. Mas, neste particular, eu concordo com você: opiniões diferentes, diversidade de entendimentos, e os debates respectivos, devem ser realmente saudáveis e não descambar para ofensas, brigas e inimizades. E, de minha parte, não pretendo que haja este descambe, e por isso tenho tomado todos os cuidados para que não tal não ocorra. Vida que segue.

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  9. Você como profissional da imprensa, atuando a décadas, contendo informações privilegiadas, gostaria que explicasse a seguinte situação.
    Conforme site do Senado “A arrecadação da CPMF em 2007 foi de R$ 37,234 bilhões, segundo balanço divulgado pela Receita Federal!”.
    Então 2007 foi último ano de arrecadação da CPMF e o primeiro ano do segundo governo de LULA.
    Qual então a evolução da Saúde para quem era destinada maior parte da arrecadação da CPMF, nesse período?
    Era dez ou vinte vezes melhor que a atual?
    Acho que não, parece que naquele tempo era pior.
    A pergunta fundamental é: o que foi feito com essa gigantesca arrecadação de bilhões, digo, b-i-l-h-õ-e-s de reais que era administrada pelo governo federal?

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  10. Caro Gerson, há de fato um embate ideológico. Penso que deveríamos planificar os fatos esquecendo o viés ideológico. FHC foi importante para o país, com o plano real (que o PT era contra) que tornou a economia do país próspera e permitiu que a luta contra a inflação fosse finalmente vencida. Criou as bolsas e iniciou a política social, que Lula criticou ( http://www.youtube.com/watch?v=bRMd0cDXAnU ) e depois cooptou apenas mudando alguns nomes.

    Lula também teve sua importância, mas não é o salvador que a esquerda pinta, assim como FHC nunca foi o demônio que a esquerda afirma.

    Lula é branco, mas tanto faz se fosse negro, amarelo, ou pele vermelha, Quando a discussão envereda neste rumo, é porque o argumento é pobre e se escora em tabus para se manter. Se fosse gay, hétero ou LGBTXXX tanto faz, é o caráter do homem que vale. Esse deveria ser o norte, e não partir para questões de etnia.

    Dilma começa a ruir com os gritos das ruas e isso aconteceria com FHC ou Lula se os protestos ocorressem a seu tempo.

    Quanto ao preconceito paulista, concordo que há, mas isso é mais por ignorância do que ideologia direitista. Ah, e se faz pertinente perguntar: Qual partido atualmente é considerado de direita?

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