
Depois de uma penosa espera por táxi, acabei de chegar ao hotel depois de três horas de conexão com os anos 60, com a essência do pop-rock inventado pelos quatro ingleses de Liverpool. Em cima do lance, ainda no calor dos acontecimentos, vou dando minhas impressões sobre o espetáculo desta noite enluarada na Paulicéia. Fui ao Morumbi e presenciei, ao lado de milhares de pessoas (em sua maioria, jovens), um show de competência e virtuosismo, como poucas vezes o rock nos permite ver assim. Quem sabe, faz ao vivo – dizem aqueles apresentadores chatos da TV, com inteira razão. Paul McCartney, um senhor, desce da majestade que a história do pop lhe confere para se comunicar com o mundo. Faz isso com evidente prazer e impressionante bom humor.
Que fique claro: é um baita show. Não há intervalos para troca de figurino ou reaquecimento da garganta. O couro come desde o primeiro minuto (uma entrada matadora com Venus and Mars/Rock Show/Jet, com direito a prorrogação no final. E Paul sua a camisa como qualquer aspirante ao estrelato. Não enrola ninguém. Manda os clássicos imortais de sempre – Yesterday, Hey Jude, Paperback Writer, Sargent Peppers, Get Back, Something, Helter Skelter, The End etc. etc. – e adiciona pérolas mais recentes, como Here Today, a belíssima balada em homenagem a John Lennon, que um dia ousou chamar o velho parceiro de autor de música para elevador. Égua, Lennon devia estar bastante perturbado quando cometeu tamanho despautério.
Paul é, sem sombra de dúvida (opinião de especialistas, não minha), o maior melodista do pop. Ninguém chega aos pés do cara. Na comparação direta com Lennon, por exemplo, pode-se dizer que sua música envelheceu melhor, como retratou brilhantemente o botafoguense Artur Dapieve. E, no entanto, o cara é simples, cordato, gentil. Sem frescuras. Um gentleman, não por acaso condecorado Sir pela Rainha. A maior prova da humildade musical de Macca é a paciência de repetir cuidadosamente os mesmos acordes originais dos hinos do Fab Four. Parece sempre preocupado em não profanar a obra sagrada. Com isso, presta-nos um imenso favor: permite que acompanhemos as notas de Eleanor Rigby como foi gravada em Abbey Road. Não viaja na maionese, não pira na batatinha. É preciso e claro. Exemplo para um monte de artista de meia pataca que adora “reler” a própria obra, desfigurando músicas para angústia e desespero dos fãs.
Paul, não. Com ele, os acordes de Let it Be são os mesmos de quarenta anos atrás. A introdução dedilhada ao piano de Lady Madonna é reproduzida matematicamente. Mais do mesmo? Para alguns idiotas da objetividade, talvez sim. Para mim e milhões de fãs dos Beatles, trata-se de uma prova de respeito autoral. No sagrado ninguém mete o bedelho, parece querer dizer Macca. Claro que estou com ele e não abro. E quando, ao final de cada música, o cara se curva para agradecer aos aplausos, repetindo um “obrigado” quase sem sotaque, a gente se sente impelido a dizer: “de nada, mesmo”. Aliás, nós é que deveríamos agradecer. Valeu, Sir Paul. (Fotos do G1)