Coluna: O julgamento das urnas

Nada como o teste das urnas para botar as coisas em seus devidos lugares. O resultado das eleições para o Conselho Deliberativo do Remo no sábado é insofismável. A diferença maiúscula, 100 votos, da chapa de oposição em relação aos representantes da situação confirma a insatisfação do corpo de associados do clube com a atual diretoria e a reprovação aos seus métodos. Os eleitores compareceram, conscientes da importância desse pleito para o futuro da agremiação. A maioria se posicionou pela mudança. E não era para menos. Não se tem notícia de inovações e avanços no clube nesses últimos dois anos, só a lembrança dos inúmeros atos aloprados do presidente e seus aliados.
Curiosamente, foi a primeira vez na era moderna que um presidente no cargo não prestigiou a eleição. Amaro Klautau licenciou-se da presidência na véspera do pleito e sumiu de circulação. Não apareceu nem mesmo para prestigiar seus apoiadores da Chapa 2/Diretas Já. Talvez tenha levado ao pé da letra o conceito de candidato oculto, visto que era o nome definido para o Conselho Diretor do clube, caso a chapa capitaneada por Henrique Custódio vencesse a disputa.
O recado indireto que a eleição passa é a de que não há mais espaço para aventuras administrativas, atitudes isoladas e gestos desesperados em nome de uma pretensa busca de modernidade. Mais que aparentar inovação, os novos dirigentes acreditam em trabalhar firme para resgatar a imagem pública do Remo, profundamente manchada pelos desmandos praticados no último biênio.
Ao longo da acirrada campanha, os lados se delinearam claramente. A situação, sem dizer claramente, defendia todas as ideias de AK, com ênfase para o projeto de desmanche do patrimônio. O estádio Evandro Almeida seria inapelavelmente negociado com o mesmo grupo interessado de sempre: Agre-Leal Moreira. Outro tema defendido pela chapa era a mudança do sistema de votação no clube. Partidários das eleições diretas para presidente, só não informavam que o modelo não tinha chance de ser implantado ainda para este pleito. Mais importante: vendiam a versão (falsa) de que a oposição é contrária ao sufrágio direto.
Acima de tudo, a eleição remista evidenciou diferenças inconciliáveis entre duas maneiras de dirigir o clube. Pela vontade dos novos conselheiros – que elegerão o novo presidente -, o Remo voltará a ser forte nas disputas do futebol. Há o entendimento de todos os líderes da Chapa 1 quanto à necessidade premente de formação de um time competitivo, capaz de conquistar o título estadual, garantir vaga no Brasileiro da Série D e buscar conquistar a competição nacional. Há unanimidade quanto à certeza de que o clube só fará as pazes com sua imensa torcida caso se reconcilie com as vitórias.
Os planos para recuperação do clube incluem o enfrentamento das muitas dívidas e ameaças de leilões judiciais em função do calote aos acordos de parcelamento na Justiça Trabalhista. Seja quem for o novo presidente – Raphael Levy, Sérgio Cabeça ou Tonhão Teixeira -, a prioridade será batalhar pela renegociação da dívida trabalhista, atualmente avaliada em R$ 8,5 milhões. É válido imaginar que a própria Justiça do Trabalho será sensível aos apelos por um novo alinhamento da situação remista junto à corte trabalhista.
De concreto, a eleição de sábado reafirmou a vitalidade de um dos clubes mais tradicionais do país. E, acima de tudo, sinaliza para a necessidade de devolver o Remo aos verdadeiros remistas, sem espaço para negociantes de ocasião.
 
 
As cenas vergonhosas que se desenrolaram nos jardins da sede social logo depois da apuração dos votos integram esse conjunto de vícios que o Remo precisa abolir. Torcidas organizadas não representam necessariamente a verdadeira torcida, ordeira e pacífica. A paixão não justifica gestos de violência. Líderes de gangues uniformizadas não podem integrar gestões sérias e responsáveis. Nada justifica a pancadaria, principalmente quando estimulada por dirigentes sem noção de seu verdadeiro papel. 

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta segunda-feira, 22)

O maior músico pop toca corações nostálgicos

Depois de uma penosa espera por táxi, acabei de chegar ao hotel depois de três horas de conexão com os anos 60, com a essência do pop-rock inventado pelos quatro ingleses de Liverpool. Em cima do lance, ainda no calor dos acontecimentos, vou dando minhas impressões sobre o espetáculo desta noite enluarada na Paulicéia. Fui ao Morumbi e presenciei, ao lado de milhares de pessoas (em sua maioria, jovens), um show de competência e virtuosismo, como poucas vezes o rock nos permite ver assim. Quem sabe, faz ao vivo – dizem aqueles apresentadores chatos da TV, com inteira razão. Paul McCartney, um senhor, desce da majestade que a história do pop lhe confere para se comunicar com o mundo. Faz isso com evidente prazer e impressionante bom humor.

Que fique claro: é um baita show. Não há intervalos para troca de figurino ou reaquecimento da garganta. O couro come desde o primeiro minuto (uma entrada matadora com Venus and Mars/Rock Show/Jet, com direito a prorrogação no final. E Paul sua a camisa como qualquer aspirante ao estrelato. Não enrola ninguém. Manda os clássicos imortais de sempre – Yesterday, Hey Jude, Paperback Writer, Sargent Peppers, Get Back, Something, Helter Skelter, The End etc. etc. – e adiciona pérolas mais recentes, como Here Today, a belíssima balada em homenagem a John Lennon, que um dia ousou chamar o velho parceiro de autor de música para elevador. Égua, Lennon devia estar bastante perturbado quando cometeu tamanho despautério.

Paul é, sem sombra de dúvida (opinião de especialistas, não minha), o maior melodista do pop. Ninguém chega aos pés do cara. Na comparação direta com Lennon, por exemplo, pode-se dizer que sua música envelheceu melhor, como retratou brilhantemente o botafoguense Artur Dapieve. E, no entanto, o cara é simples, cordato, gentil. Sem frescuras. Um gentleman, não por acaso condecorado Sir pela Rainha. A maior prova da humildade musical de Macca é a paciência de repetir cuidadosamente os mesmos acordes originais dos hinos do Fab Four. Parece sempre preocupado em não profanar a obra sagrada. Com isso, presta-nos um imenso favor: permite que acompanhemos as notas de Eleanor Rigby como foi gravada em Abbey Road. Não viaja na maionese, não pira na batatinha. É preciso e claro. Exemplo para um monte de artista de meia pataca que adora “reler” a própria obra, desfigurando músicas para angústia e desespero dos fãs.

Paul, não. Com ele, os acordes de Let it Be são os mesmos de quarenta anos atrás. A introdução dedilhada ao piano de Lady Madonna é reproduzida matematicamente. Mais do mesmo? Para alguns idiotas da objetividade, talvez sim. Para mim e milhões de fãs dos Beatles, trata-se de uma prova de respeito autoral. No sagrado ninguém mete o bedelho, parece querer dizer Macca. Claro que estou com ele e não abro. E quando, ao final de cada música, o cara se curva para agradecer aos aplausos, repetindo um “obrigado” quase sem sotaque, a gente se sente impelido a dizer: “de nada, mesmo”. Aliás, nós é que deveríamos agradecer. Valeu, Sir Paul. (Fotos do G1)