As máximas do “professor” Dunga
O assunto devia ser apenas o jogo, mas a questão da liberdade virou o grande tema da véspera da estreia brasileira na Copa do Mundo da África do Sul. E quem provocou o debate foi Dunga, que encerrou sua aguardada (e curta) entrevista coletiva da noite de ontem, na sala de imprensa do Ellis Park, falando justamente em liberdade, o que não deixa de ser irônico para quem tem exercitado tão pouco o conceito da livre informação. Como de hábito, o treinador distribuiu coices para todo lado, bateu firme nos inimigos ocultos que cultiva há tempos e voltou a dizer que não se pauta pelo noticiário ou opinião dos analistas. Defendeu seu time, esgrimindo os números positivos e as conquistas ao longo dos últimos três anos. Nada de novo no discurso.
Não chegou a ocorrer o esperado duelo entre o técnico e os jornalistas que cobrem a Seleção, mas o clima se manteve pesado o tempo todo. É preciso entender que, para Dunga, jornalistas são todos inimigos, que acompanham seu trabalho com o único fito de apontar coisas negativas, ressaltando defeitos sem reconhecer os méritos. Para justificar esse modo de pensar, o ex-volante cravou uma de suas muitas frases estudadas. Disse que é criticado mais pela sua personalidade do que pelo seu trabalho. Com sorrisinho irônico, recebeu uma pergunta sobre a falta de criatividade do time dizendo que sempre ouviu isso, desde criança. Sem entrar no mérito da coisa, preferiu dizer que a proibição de cobrir os treinos e a falta de abertura para jantares ou entrevistas exclusivas teriam sido os motivos da antipatia que a mídia lhe devota.
Com o ar messiânico dos que marcham sozinhos contra o mundo, explicou didaticamente a natureza dos treinos que faz. Não há proibição, apenas privacidade. Na retórica de Dunga, treinos sem cobertura da imprensa são justificados pela quantidade de jogadas e ensaios táticos que possibilitam. Reafirmou que seus jogadores não reagem bem diante de platéia, o que soa esquisito para uma geração que se acostumou a câmeras e holofotes. Mais que isso: todos os convocados, sem exceção, adoram a atenção midiática – e ganham muito dinheiro com isso. A nova ordem estabelecida por Dunga no futebol brasileiro passa por cima dessas verdades, com a cumplicidade da pequena claque de repórteres que gravita em torno da Seleção e morre de medo de perder o espaço que hoje já nem existe.
Na entrevista, o comandante faz questão de repisar suas crenças, como se tivesse sido treinado naqueles cursos intensivos para executivos que precisam aprender a falar em público. Repete tanto certas opiniões que já deve acreditar piamente em tudo. O impressionante é que, em dado momento, até cedeu às evidências e admitiu broncas antigas com a imprensa, sem especificar se é um segmento específico ou se é todo mundo.
Ah, sobre o jogo contra a Coréia do Norte, deixado em segundo plano na entrevista, alguém perguntou sobre o adversário. Gancho para nova lição do professor Dunga. Futebol não é passado, nem futuro: é presente. Arremata a frase freita com o tradicional gesto respeitoso em direção ao rival, qualificado como um time fechadinho e que sai em alta velocidade para o ataque. O amistoso entre norte-coreanos e nigerianos, na semana passada, mostrou algo diferente: um time atrapalhado, que não sai rápido nem sabe se fechar.
Para fechar a conversa, não podia faltar a velha ladainha inspirada na seleção campeã de 1994. À pergunta de um repórter americano sobre
futebol-arte, Dunga resumiu tudo como uma questão de gosto – e o dele é no sentido de vencer sempre. Que assim seja.
Responsabilidade com a história
Ao ver Dunga vociferando suas verdades, fico cada vez mais com a certeza de que os técnicos da Seleção perdem em algum momento a noção de realidade. Mais que isso: desprezam a história. E o que se sabe é que o Brasil pentacampeão do mundo nunca se deu bem quando fechou as portas à informação. Talvez por castigo, afinal futebol tão vitorioso não combina com ódios e malquerenças. E sem esquecer que, daqui a quatro anos, a bola estará conosco.
Holanda: pouco esforço e quase nenhum talento
Fui ao estádio Soccer City com a esperança de ver a primeira grande exibição de duas boas escolas, normalmente associadas à alegria de jogar. Para tamanha expectativa, o resultado final foi frustrante. O melhor espetáculo ficou mesmo para a empolgada torcida nederlandesa, que não economizou alegria e incentivo. A Holanda, que junta grande quantidade de talentos, não parecia muito disposta a correr em campo nos primeiros minutos. Travado, o time buscava os passes laterais e as tentativas de lances agudos em direção à área dinamarquesa. Nunca dava certo. Às vezes, os passes saíam curtos demais. Noutras, os lançamentos se perdiam pela linha de fundo. Com o passar do tempo, a coisa foi ficando monótona e a Dinamarca sentiu-se animada a contra-atacar. No começo, discretamente. Depois, com mais insistência e até algum perigo, tanto que os dois lances mais agudos do primeiro tempo pertenceram aos atacantes Jorgensen e Bendtner. Só não houve vaia quando os times desceram para os vestiários porque
esta é, indiscutivelmente, a Copa das torcidas civilizadas. Os sul-africanos torcem comedidamente porque ainda estão se acostumando ao futebol. Os torcedores visitantes geralmente são mais contidos por estarem em terra estranha. Em situação normal, holandeses e dinamarqueses mereciam bons apupos por tudo que não fizeram. No segundo tempo, logo a um minuto, veio o gol que salvou a estreia holandesa. Van Persie, até então pouco notado, cruzou na direção da área e o zagueiro Poulsen desviou de cabeça para as próprias redes.
A trapalhada acendeu os brios dinamarqueses. No afã de empatar, passou a abrir espaços na defesa, permitindo triangulações entre De Jong, Sneijder, Persie e Van der Vaart. Jogadores habilidosos, não tiveram dificuldades em envolver o lado direito da zaga dinamarquesa. Dos 35 minutos em diante, brotou o futebol de toques e velocidade que fizeram da Holanda uma das candidatas ao título. Menos de 15 minutos de bom futebol renderam um gol (Kuyt) e dois lances de grande perigo, que poderiam ter estabelecido uma injustíssima goleada.
No final, duas certezas: a Holanda deixou a impressão de que pode jogar muito mais que isso e a Dinamarca confirmou a imagem de time em formação, mas sem craques que permitam algum otimismo.
Beleza fora dos gramados
Em torno do suntuoso Soccer City, um espetáculo multicolorido patrocinado pelos holandeses, cuja torcida compareceu em massa e com grande contingente feminino. Até nesse aspecto, a Dinamarca foi mais tímida. Torcedor tem faro para essas coisas, sabe quando o time dá ou não pro gasto. A festança em torno do estádio, que incluiu até escolha de Miss Orange, não deixava dúvidas sobre a esquadra mais confiante. Depois do que vi antes e depois do jogo, custo a crer que surja nesta Copa uma torcida mais bonita que a holandesa.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta terça-feira, 15)