O futebol precisa voltar a ser interessante
A Copa do Mundo da África do Sul, que teve disputadas 16 partidas até ontem, encontra-se numa encruzilhada. O alto investimento financeiro de um evento dessa grandeza precisa satisfazer plenamente seu principal cliente – o torcedor. E não há torcida no planeta que aprecie jogos amarrados, presos a sistemas de marcação e pouquíssimos gols. Desde que foi aperfeiçoado pelos ingleses, a essência do futebol é o gol, artigo raro neste torneio. Tão raro que os torcedores nativos, pouco familiarizados com as regras do esporte, andam aplaudindo até cobrança de escanteio. Qualquer lance próximo à área desperta um rumor de expectativa nas arquibancadas, seguidos imediatamente de expressões de desapontamento.
Sem entrar no mérito desse aprendizado a que os sul-africanos estão sendo submetidos meio na marra, o fato é que o futebol precisa se reinventar – e depressa. Não há como atrair novas platéias com um produto tão desinteressante e sujeito a despertar o tédio coletivo. Bocejos eram vistos, em escala gigante, na noite gelada do Ellis Park em plena estreia de uma das maiores atrações da Copa. Transfira-se isso para o cenário da indústria do esporte norte-americana, que movimenta milhões em torno de competições de alto teor de emoção e imprevisibilidade, como o basquete da NBA e o beisebol da NFL. É simplesmente inimaginável que esses dois esportes fiquem abaixo da linha de expectativa da clientela, que paga muito caro para assistir
ao vivo ou para acompanhar pela TV em pay-per-view.
Há muito tempo que a pasmaceira domina o esporte mais popular do mundo. Curiosamente, a maioria de seus agentes parece pouco se importar com os rumos da coisa. Quero dizer que quando um técnico se esmera em cuidados defensivos está, na verdade, contribuindo para matar a galinha dos ovos de ouro. Nunca ouvi falar de alguém que pague ingresso para ver um zagueiro truculento em ação ou um volante que só saiba destruir jogadas, o chamado estraga-prazeres, como jogava Dunga nos seus tempos de boleiro. A equação é simples: quem cultiva o defensivismo no futebol está colaborando para sua extinção como espetáculo e isso é uma péssima notícia para todos.
Não consigo enxergar futuro num esporte trabalhoso e caro, que consome milhões de dólares a cada Copa do Mundo, mas não se aperfeiçoou como
entretenimento. Ao contrário. A média de gols vem caindo em todas as competições, mas principalmente no torneio principal. Nesta edição, até o fim da primeira rodada, só foi registrada uma goleada (Alemanha 4, Austrália 0) e a média de gols é inferior a 1,5 por jogo. Todos os envolvidos no processo têm sua parcela de culpa, mas jogadores e técnicos vêm na frente na lista dos responsáveis.
O Brasil de 58, 62 e 70 foi decisivo para a expansão do futebol como negócio e diversão em todo o mundo. Nas salas de recepção de todos os estádios da Copa, a primeira foto é de um Pelé quase garoto, vestindo a camisa do Santos. Não é por acaso. A Fifa reconhece a importante contribuição brasileira para a massificação do esporte. Ocorre que, de 1994 para cá, o mesmo Brasil que presenteou o mundo com tanta magia e talento decidiu se tornar óbvio e maçante como qualquer Suíça ou Nova Zelândia da vida.
É preciso reconstruir o futebol. Não basta mudar pequenas regras – como a proibição de devolução com os pés para o goleiro ou permitir ao atacante ficar na mesma linha dos zagueiros. Essas providências melhoraram o jogo, deram mais fluência, mas o momento exige reformulações mais profundas, antes que seja tarde demais. Sempre especulado nas reuniões dos velhinhos da Fifa, talvez o fim do impedimento devesse ser analisado com mais carinho como antídoto às retrancas facilmente armadas por times e seleções.
Zebra marca presença em Durban
Na confirmação de que a Copa africana está se transformando num cemitério dos velhos elefantes, a Espanha caiu aos pés da Suíça na tarde de ontem, no belíssimo estádio Moses Mabhida, em Durban. Celebrada em prosa, verso e cordel como a oitava maravilha do futebol, a partir de sua formidável linha ofensiva, a Fúria foi incapaz de mostrar superioridade técnica para superar o esquema defensivista dos suíços. A muralha armada pelo técnico alemão Ottmar Hitzfeld não deu espaços, mas teve a seu favor o baixo rendimento dos meias espanhóis Iniesta e Xavi, que pouco fizeram além de passes burocráticos. O meia Gelson Fernandes, que nem suíço é (nasceu em Cabo Verde) fez o gol em lance meio confuso. Mais que o placar, impressionou a impotência da Espanha para mudar a história da partida ao longo do segundo tempo. Desesperada e afoita, La Roja partiu para os chuveirinhos na área suíça como um reles time de pelada. Não podia dar certo. A situação se complica no grupo H porque a Suíça entra também na briga direta por uma das vagas, ao lado do Chile, que venceu (jogando bem) a seleção hondurenha. E essa disputa pode ter consequências para o Brasil, cujo cruzamento na próxima fase pode ser justamente contra a Espanha.
Dunga trouxe reservas a passeio
Quando precisou tirar Elano do jogo, Dunga olhou para o banco e chamou o lateral-direito Daniel Alves. Na hora de substituir Kaká, optou por Nilmar. Diante dessas decisões, cria-se uma situação inusitada na Seleção Brasileira. Se os reservas imediatos desses jogadores, respectivamente Kléberson e Júlio Batista, não têm a confiança do treinador, por que foram trazidos para a Copa? E o problema é mais sério ainda porque as mexidas foram diante do time mais fraco da competição. Se ambos não entraram nesta partida, teoricamente mais fácil, ficam com seu futuro praticamente comprometido no torneio, pois a partir de agora os jogos são contra inimigos mais credenciados. E aí vem a pergunta obrigatória: se era para trazer a dupla a passeio, por que não se abriu espaço para incluir dois suplentes úteis, como Paulo Henrique Ganso e Ronaldinho Gaúcho (ou Neymar)?
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quinta-feira, 17)